Comunicar por meio do humor é tarefa das mais árduas. O grau de dificuldade (e responsabilidade) aumenta severamente quando este processo comunicativo é realizado com o desenho. Ferramenta singular nesta área, a charge carrega o histórico de esmiuçar acontecimentos e situações com capacidade de síntese sem igual. Explica o máximo de dados por meio de recursos mínimos.
Com três décadas de labuta no território das artes gráficas, Klévisson Viana é literalmente entendido do riscado. O cearense acaba de soltar no mercado "Do Ceará Para o Mundo", obra na qual estão reunidos mais de 90 cartuns selecionados pelo próprio autor. "Uma dureza", explica, quando perguntado sobre o processo de curadoria do material.
"É um resgate do meu trabalho como cartunista, alguns foram premiados em salões de humor, outros foram publicados em catálogos. Não foi nada fácil, pois eram mais de 500 peças. Para ajudar na seleção, descartei os desenhos onde o recurso da palavra estava presente", explica o autor. A opção em privilegiar apenas a imagem tem uma explicação pontual. É a busca de Klévisson por ser o mais universal possível em sua arte. Diante de tal desafio, o filho de Quixeramobim passou recentemente por curta temporada em Portugal.
O poeta de literatura de cordel, escritor e criador de histórias em quadrinhos participou do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, também conhecido como Fiba. A primeira experiência em terras lusitanas surgiu em 2015, assevera o artista. Na ocasião, relembra, sua produção foi exposta durante o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. "Do meu lado estavam grandes do cartum no Brasil como Laerte, Laudo Ferreira e André Diniz, foi uma experiência única participar desse evento", divide o criador.
Linguagem
A passagem pelo Velho Mundo só reafirma o caráter profundo e urgente dos cartuns. Somente com o artifício do traço, o cearense pode falar para povos de qualquer ponto do Planeta. Os temas devassados pelas suas tintas envolvem assuntos do cotidiano, são comuns e universais a diferentes realidades. Atravessa a política, religião, literatura, cultura pop e a denúncia de mazelas perenes na sociedade. Outra força passa pelo caráter atemporal das obras.
"Busco ser o mais internacional possível, ser compreendido pelo máximo de gente possível. O cartum tem essa pegada. Sem estar preso à questão da língua, eu posso me comunicar com diferentes públicos", contextualiza o também pesquisador da cultura popular cearense. Outros realizadores brasileiros confirmados no Festival de Amadora são André Diniz, André Ducci, Helô D'Angelo, João Marcos, João Pinheiro, Sirlene Barbosa, João Spacca, Marcelo D'Salete, Marcello Quintanilha e Pedro Cobiaco.
Um caráter determinante ao cartum é a característica de resistência ao tempo. Um bom trabalho, direto e bem executado consegue ser relevante ao longo das décadas por capturar o espírito dos acontecimentos. Diferentes autores conseguiram interferir através do humor em duradouras temáticas da vida. "Tem cartuns feitos pelo Quino com 60 anos e continuam extremamente atuais. Ziraldo segue firme e relevante com coisas desenhadas muito tempo atrás", argumenta.
O desenho de comportamento, observa Klévisson, é atemporal. Ao lidar e dispor de outros signos visuais, o cartunista foge da emergência do cartum político, por exemplo, considerado por ele como "muito preso". No outro dia, ela (a charge) está caducando". Isso diz muito do processo criativo escolhido pelo cearense. "Me considero um cartunista frustrado", brinca. A afirmação é solucionada pela característica irrequieta do artista. Klévisson confirma nunca dar conta da quantidade de ideias boas que tem. Se eu me deitar numa rede com um bloco de anotações a coisa flui demais. Porém, é um trabalho desenhar e tem aquela coisa de nem sempre gostarmos do material final".
"O cartum é prazeroso, argumenta, mas a vida é ganha com a ilustração de livros e obras que escreve. É uma grande curtição", defende o fanático pelo traço em preto e branco. O recurso de cores é utilizado em poucas peças na publicação. Além de baratear o material, como citado anteriormente, o desenhista é defensor ferrenho do traço simples, onde apenas o artifício preto e branco guia e estabelece o expediente artístico. "Gosto do desenho preto e branco por que ele não engana o leitor. É muito honesto e fala mais rápido", coloca tintas finais na conversa o cearense.