A escrita como expressão da vida e dos incômodos: conheça Lorena Portela, nova colunista do DN
Aos sábados, a escritora e jornalista abordará temas da cultura e do cotidiano que interferem no comportamento
Das expressões que Lorena Portela carrega consigo, uma grita mais alto no íntimo: “Eu vou. Por que não?”. Entoada por Caetano Veloso na canção “Alegria, alegria”, a frase parece mesmo se encaixar no panorama de múltiplas vivências da escritora e jornalista cearense.
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Nascida no município de Mombaça, mas com a maior parte da vida em Fortaleza, atualmente ela reside em Londres – sem, contudo, deixar de estabelecer fortes vínculos com o lugar de origem. O território não apenas faz parte de Lorena, como efetivamente a configura.
“A nossa forma de falar, de comer, de receber as pessoas... As nossas belezas e dores, acho tudo isso muito vivo”, dimensiona durante a mais recente passagem pela capital do Ceará.
Não à toa, o livro que a projetou no mercado literário e também a uma legião de admiradores é ambientado em nosso chão, mais especificamente na praia de Jericoacoara. Publicado de forma independente, “Primeiro eu tive que morrer” atravessa as alegrias e angústias de gerações de mulheres ao abordar temáticas comuns a todas. O leque é abrangente, indo do amor às descobertas, dos traumas às violências diárias.
Essa mesma pluralidade deve pautar a coluna assinada pela autora no Diário do Nordeste a partir do próximo sábado (30). Portela afirma ser do interesse dela trabalhar, sob um viés mais apurado, os fatos do cotidiano e da cultura que interferem diretamente em nosso comportamento.
Logo, assuntos tratados em livros, músicas e séries, por exemplo, podem render acaloradas discussões, bem como decisões governamentais e os próprios movimentos da existência em sua vasta extensão de sentimentos. “Serão textos opinativos sobre alguma coisa que está doendo ou alegrando no momento”, resume.
Atravessamentos
A escritora está na capital inglesa desde 2019, mas não esconde a felicidade de retornar ao Brasil nos instantes oportunos da rotina. Aqui moram familiares e amigos, dois dos pilares mais importantes para Lorena. Quando questionada sobre o que mais a alegra na vida, são essas figuras que ela traz à tona, embora não apenas.
“Ouvir boas notícias sobre o país também. Eu sei que tudo está num momento bem horroroso, mas saber das boas coisas que acontecem aqui me deixam levemente otimista”, considera.
Por outro lado, o que a atormenta igualmente perpassa a lente do solo brasileiro. Portela se entristece profundamente ao perceber os rumos que a nação está tomando, sobretudo no que diz respeito a algo tão caro a ela: a cultura. “É uma parte muito importante da nossa vida, para que a gente consiga se comover com a realidade como ela é”, diz.
Nesse sentido, recorda o fenômeno editorial “Torto Arado” (Todavia, 2019), escrito pelo baiano Itamar Vieira Junior, e “Vista Chinesa” (Todavia, 2021), de Tatiana Salem Levy. Conforme percebe, a partir da leitura dos livros as pessoas puderam refletir mais acerca de grandes problemáticas do contemporâneo, atestando a força das palavras e da arte como forma de não perder a sensibilidade para o que é essencial.
No caso de Lorena, a escrita também surgiu como expressão dos constantes atravessamentos da vida, desde a infância. É algo que nasce sobretudo do incômodo, daquilo que a afeta. Um texto, assim, pode carregar vigorosas marcas tanto em um único parágrafo como em linhas mais extensas. “Quando estou muito feliz ou apaixonada, me sinto inspirada; mas, principalmente, se eu estiver com algum incômodo. É de onde a minha escrita brota de maneira mais forte”.
Nesse processo de caminhar pelas dores e pelas letras, a escuta de músicas e as frequentes viagens pela poesia fortalecem o espírito e empreendem novas maneiras de enxergar o cotidiano. Mais ainda: preparam o terreno para narrá-lo.
Inspirações e necessidades
Tendo como um dos sonhos abrir uma pequena livraria em Londres – espaço onde uniria o gosto por livros e o prazer de cozinhar – a jornalista também almeja ser uma autora cada vez melhor e mais madura, levando novas histórias para o público com muita simplicidade.
Por isso mesmo, esgueira-se em relevantes personalidades da literatura de modo a ampliar os trajetos. Entre elas, estão Lygia Fagundes Telles, Marcia Kupstas, a argentina Ariana Harwicz e as cearenses Rachel de Queiroz (1910-2003), Natércia Pontes e Socorro Acioli – também colunista do Diário do Nordeste.
Esta última, inclusive, Portela referencia como a nossa diva. “Socorro é extremamente generosa, muito bem-humorada, inteligente e absolutamente talentosa. Ela me inspira demais”, sublinha.
No momento escrevendo o segundo romance – que, diferentemente do primeiro, será publicado por uma editora – e já tendo garantida a reimpressão de “Primeiro eu tive que morrer” também por uma casa editorial, agora Lorena comemora o fato de estar alcançando cada vez mais pessoas não somente com a literatura, mas também a partir dos posicionamentos sobre questões pertinentes a toda a sociedade.
“Ser lida é uma conquista muito grande. E ter escrito uma história com a qual as pessoas se identificam e se conectam é algo muito poderoso. Eu recebo muitos feedbacks pelo instagram ou pelo e-mail, e esse movimento é muito bonito , é uma coisa da qual você não faz ideia. Eu, pelo menos, não fazia”.
A conversa finaliza entre saudades e declarações a quem se ama. Sobre o primeiro assunto, se avizinham à memória muitas imagens da infância – principalmente o aroma dos domingos, numa mistura entre o perfume do almoço, das roupas limpas de amaciante e das janelas abertas. “Lembro que tinha uma sensação de que estava tudo certo”, rememora.
Por sua vez, após um longo tempo no qual pondera sobre algo a dizer às pessoas da vida dela, a resposta vem firme: “Acho que diria ‘eu estou aqui’ ou ‘eu vou voltar’, porque estou sempre dizendo ‘tchau’ para um e ‘oi’ para outro”.
Ela apenas continua indo, feito registra a canção. Por que não?