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Guia Completo: o que está em jogo no julgamento de Bolsonaro?

Além de Bolsonaro, outros sete réus serão julgados nesta fase do caso

Escrito por
Igor Cavalcante igor.cavalcante@svm.com.br
(Atualizado às 13:53)
Bolsonaro gesticula com as mãos para o alto durante entrevista coletiva
Legenda: Julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro começa nesta terça-feira (2)
Foto: Sergio Lima/AFP

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no Supremo Tribunal Federal (STF), será um dos mais importantes da história do Brasil. A partir desta terça-feira (2), pela primeira vez, um ex-presidente brasileiro irá enfrentar a decisão dos magistrados da mais alta Corte do País sobre a acusação de tentativa de golpe de Estado

De acordo com cientistas políticos, seja qual for o desfecho do julgamento, o resultado irá impactar profundamente o cenário político nacional, redesenhar arranjos para as eleições de 2026 e reforçar ou abalar a confiança nas instituições democráticas.

O réu será julgado pela Primeira Turma do STF, que é composta pelos ministros Cristiano Zanin (presidente), Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Além do ex-presidente, outras sete pessoas serão julgadas nesta etapa.

São eles:

  • Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil no Governo Bolsonaro, candidato a vice-presidente em 2022;
  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente;
  • Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-presidente da Abin;
  • Almir Garnier, almirante de esquadra e comandante da Marinha no Governo Bolsonaro;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro.

Jair Bolsonaro sentado à frente de Alexandre de Moraes no STF durante interrogatório
Legenda: O ministro Alexandre de Moraes é relator do caso que investiga se Bolsonaro investiu contra o Estado Democrático de Direito
Foto: Antonio Augusto/STF

Bolsonaro pode acabar preso?

Bolsonaro e aliados podem ser condenados ou absolvidos da acusação de terem articulado uma trama golpista para impedir a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e manterem o ex-presidente no poder mesmo após a derrota nas urnas em 2022. 

Se for condenado, há possibilidade de prisão imediata. Para isso, a Primeira Turma precisa votar pela condenação de forma unânime ou com apenas um voto divergente. Caso dois magistrados votem contra a condenação, os advogados poderão apresentar embargos infringentes, em uma tentativa de reformar a decisão em prol do voto minoritário.

Quais os impactos do julgamento de Bolsonaro?

Não só pelos personagens envolvidos — que também incluem generais da mais alta patente das Forças Armadas do Brasil —, o caso é considerado um divisor de águas na Justiça brasileira e coloca o STF no centro do debate político nacional. A Corte será testada sobre sua capacidade de julgar um ex-presidente sem que isso seja interpretado como perseguição política ou como impunidade.

Além disso, especialistas destacam que, mais do que a punição individual, está em jogo a capacidade das instituições de se defenderem de ataques à ordem democrática.

"Um enquadramento útil é o debate sobre a importância de mecanismos legais para proteger o regime democrático e se as suas instituições estão dispostas a se autodefender. Entendo que é preciso defender eleições como método pacífico de seleção de governantes"
Yuri Holanda Cruz
Sociólogo, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC (Lepem/UFC)

A coordenadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares, ressalta que, dentro do contexto democrático do Brasil, esta é a primeira vez em que um atentado à democracia é julgado sob um processo público, transparente e com provas robustas que sustentam as acusações.

Paralelamente, Monalisa aponta que o desfecho do caso pode intensificar o tensionamento entre as instituições. 

"Há iniciativas, especialmente no Legislativo, que buscam tensionar esse resultado e desfazer o resultado do julgamento. Trato aqui especificamente das iniciativas em torno da anistia. Já vínhamos vendo isso acontecer em nome dos núcleos (com pessoas) comuns, e agora temos uma intensificação muito mais expressiva com o andamento do julgamento, que implica o ex-presidente Bolsonaro e generais"
Monalisa Soares
Professora e coordenadora do Lepem/UFC

Considerando os impactos políticos-eleitorais, ela acrescenta ainda que, caso haja condenação, deflagra-se uma corrida em busca do espólio político de Bolsonaro, já o ex-presidente precisará recalcular seu papel no pleito de 2026.

A professora Priscila Lapa, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também chama atenção para o impacto político do julgamento e destaca que isso vai muito além da figura de Bolsonaro.

"O caso trata de um ato político contrário à democracia, buscando a extinção ou a anulação de processos democráticos. Não é algo circunscrito apenas ao âmbito judicial, fala muito sobre a robustez e a capacidade de resposta das instituições democráticas a tentativas de violação da democracia", argumenta.

Ela explica que, além das lições aprendidas em processos recentes como a Lava Jato — que evidenciam como falhas no devido processo legal fragilizam a democracia —, o julgamento mostra a capacidade do Estado brasileiro de reagir a ataques institucionais. 

"Estamos falando do nosso sistema eleitoral, da capacidade de dar respostas de credibilidade e confiança nas instituições, para que cidadãos e a classe política entendam que esse é um jogo a ser respeitado, um dos pilares da democracia"
Priscila Lapa
Doutora em Ciência Política pela UFPE

Para a pesquisadora, o julgamento coloca em jogo a arquitetura institucional. "Ali estão as instituições historicamente conhecidas por salvaguardar o Estado, como as ligadas às Forças Armadas, e a capacidade de avaliar o quão blindadas estão diante dessas tentativas, mantendo o devido processo legal, ampla defesa e provas robustas. No final de tudo, o que está em jogo efetivamente são as instituições democráticas brasileiras, mais do que a persona de uma liderança política", conclui.

O que colocou Bolsonaro no banco dos réus?

Antes mesmo de ser eleito presidente do Brasil, em 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro já fazia críticas ao STF. Contudo, as falas pontuais deram lugar a ataques mais contundentes e sistemáticos depois que ele virou presidente da República.

O principal alvo do político era — e continua sendo — o ministro Alexandre de Moraes, responsável por comandar as investigações sobre uma suposta rede de disseminação de notícias falsas.

Com a pandemia, os atritos se ampliaram, Bolsonaro passou a atacar decisões do STF sobre isolamento social, vacinas e medidas de saúde pública, e intensificou a retórica contra ministros.

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Um dos episódios mais marcantes do leque de investidas do ex-presidente ocorreu em 18 de julho de 2022. Ainda como presidente, ele reuniu embaixadores e atacou o sistema eleitoral brasileiro, afirmando — sem provas — que as urnas eletrônicas eram vulneráveis a fraudes. A conduta lhe rendeu um processo na Justiça Eleitoral, que terminou com o político sendo condenado à inelegibilidade por oito anos.

Durante a campanha eleitoral e após ser derrotado em 2022, Bolsonaro repetiu o discurso de contestação das urnas eletrônicas e estimulou dúvidas sobre o processo eleitoral. As falas do então presidente ressoaram entre seus eleitores mais fiéis, que organizaram acampamentos em frente a quartéis e multiplicaram pedidos de intervenção militar.

Plenário do STF vandalizado após os atos de 8 de janeiro
Legenda: O principal alvo dos vândalos foi a sede do Judiciário
Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

O estopim dos movimentos antidemocráticos ocorreu em 8 de janeiro de 2023, quando milhares de manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes (o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal). 

Mesmo com os prédios vandalizados, as instituições democráticas reagiram à tentativa de golpe. As três sedes foram retomadas, centenas de golpistas foram presos e os trabalhos restabelecidos. O episódio é alvo de investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR). É no âmbito dessas apurações que Bolsonaro será julgado a partir desta terça-feira.

Moraes em meio aos escombros do edifício do STF
Legenda: Moraes visita sede do STF após os ataques de 8 de janeiro de 2023
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Os investigadores já identificaram minutas de decretos golpistas, movimentações financeiras para financiar os atos e planos para impedir a posse de Lula e até assassinar autoridades públicas do País. A investigação também contou com a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que detalhou a atuação do grupo.

Em 18 de fevereiro de 2025, a PGR apresentou denúncia formal contra Bolsonaro e outros 33 aliados do ex-presidente.

Do que o Bolsonaro é acusado?

Jair Bolsonaro é acusado pela PGR de:

  • Organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013);
  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal);
  • Golpe de Estado (art. 359-M do CP);
  • Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art.163, parágrafo único, I, III e IV, do CP);
  • Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998).

Cronologia

2021

8/3/2021 — A PGR aponta que, logo após Lula recuperar os direitos políticos, Bolsonaro e aliados passaram a discutir formas de impedir, inclusive por vias ilegais, uma eventual vitória do petista.

29/7/2021 — Bolsonaro participa de “live” em que acusa, sem provas, o processo eleitoral brasileiro de ser fraudulento.

Bolsonaro sentado em uma mesa com duas TV exibindo a defesa do voto impresso
Legenda: Live de Bolsonaro em 29 de julho de 2021
Foto: Reprodução/Youtube

4/8/2021 — TSE instaura procedimento para apurar ataques de Bolsonaro às urnas e encaminha ao STF. Moraes inclui o caso no inquérito das fake news

7 set 2021 — Bolsonaro faz um dos discursos mais duros contra o STF, ataca as urnas e afirma que não cumprirá decisões de Moraes.

2022

5/7/2022 — Bolsonaro comanda reunião ministerial em que orienta sua equipe a questionar urnas e o Judiciário. 

18/7/2022 — Em reunião com embaixadores estrangeiros, Bolsonaro ataca o sistema eleitoral brasileiro. Esse encontro levou o ex-presidente à inelegibilidade por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. 

30/10/2022 — Após a derrota, Bolsonaro entra em reclusão. Parte do seu eleitorado bloqueia rodovias e pede, em frente a quartéis, intervenção militar. Aliados do presidente criam um plano para prender e assassinar adversários.

7/12/2022 — As investigações apontam que Bolsonaro apresentou ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, uma documento com alternativas golpistas para impedir a posse de Lula.

12/12/ 2022 — Na diplomação de Lula, em Brasília, bolsonaristas tentam invadir a sede da PF e incendeiam ônibus e carros

30/12/ 2022 — Bolsonaro viaja aos Estados Unidos e não participa da posse de Lula.

2023

8/1/ 2023 — Eleitores bolsonaristas invadem a Praça dos Três Poderes e depredam o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) em uma investida golpista.

Gabinete de ministro do STF vandalizado, com cinzas sobre a mesa
Legenda: Sedes dos Três Poderes foram vandalizadas
Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

14/1/2023 — Ex-ministro da Justiça, Anderson Torres é preso. Na casa dele, a PF encontrou a minuta golpista.

30/6/2023 — TSE torna Bolsonaro inelegível por conta dos ataques às urnas durante a reunião com embaixadores. 

2024

8/2/2024 — Operação “Tempus Veritatis”, da Polícia Federal, realiza buscas contra Bolsonaro e aliados.

21/11/2024 — PF indicia Bolsonaro e mais 36 pessoas por organização criminosa, tentativa de golpe e outros crimes correlatos.

2025

26/3/2025 — STF recebe denúncias oferecidas pela PGR contra Bolsonaro e aliados.

18/7/2025 — Moraes impõe medidas cautelares contra Bolsonaro, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica e a vedação ao uso de redes sociais.

Bolsonaro exibe a tornozeleira eletrônica
Legenda: Bolsonaro exibe a tornozeleira eletrônica na Câmara dos Deputados
Foto: Reprodução/Instagram

4/8/2025 — Moraes decreta prisão domiciliar de Bolsonaro.

30/8/2025 — STF agenda o julgamento de Bolsonaro para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro. 

2/9/2025 — Início do julgamento.

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