Fusão, federações e troca de liderança: como as mudanças nos partidos alteraram a política no Ceará nos últimos 5 anos

De olho nas eleições de 2026, partidos políticos articulam o fim de federações e a montagem de novas alianças

Escrito por
Igor Cavalcante igor.cavalcante@svm.com.br
Federações, fusões e incorporações são articuladas nacionalmente, pelas cúpulas partidárias
Legenda: Federações, fusões e incorporações são articuladas nacionalmente pelas cúpulas partidárias
Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Em um movimento que promete mexer com a política nacional e redesenhar as forças partidárias no Congresso, União Brasil e PP estão prestes a firmar uma federação. A união das duas siglas poderá criar a maior bancada do Legislativo Nacional, com mais de 120 parlamentares. No Ceará, a composição é mais delicada, já que um dos partidos integra a base e o outro a oposição ao Governo do Estado. Esse cenário ilustra a reconfiguração política que vem acontecendo no Estado nos últimos cinco anos, marcada por fusões, federações e trocas de lideranças.

Essas medidas têm sido a saída encontrada por algumas siglas para escapar da cláusula de desempenho, que visa reduzir o número de partidos no país. Algumas legendas, como o PL, passaram por mudanças drásticas de posicionamento, enquanto outras mais tradicionais, como o PDT, PSDB e PSB, avaliam uniões para garantir sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, partidos como o Pros, apesar das mudanças, acabaram sendo “engolidos” por siglas maiores.

Para as eleições do próximo ano, a cláusula de desempenho estabelece a eleição de 13 deputados federais ou 2,5% do eleitorado para a Câmara dos Deputados e 1,5% em pelo menos nove estados como condições mínimas para que os partidos recebam recursos para financiar campanhas e para que possam usar o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. As exigências têm um caráter progressivo e devem chegar a, no mínimo, 3% de votos válidos em nove estados, com 2% dos votos válidos em cada um deles, na eleição de 2030.

Incorporação

Uma das siglas que mais passou por mudanças no Ceará foi o Pros. A legenda foi abrigo para a base governista do Estado durante dois anos, depois, passou a ser comandada pelo principal nome da oposição. Por fim, acabou incorporada a outro partido.

Operando a partir de 2013, a sigla já nasceu grande no Estado, com a filiação do então governador Cid Gomes e do ex-ministro Ciro Gomes. À época no comando das forças governistas, os irmãos atraíram a filiação de dezenas de prefeitos, vereadores e deputados.

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Contudo, Ciro e Cid resolveram trocar de sigla em 2015, levando os aliados para o PDT. Com a decisão, o Pros perdeu força. A estratégia de sobrevivência foi enveredar para a oposição. Em 2018, o partido passou a ser comandado por Capitão Wagner, líder da oposição e então deputado estadual. No pleito daquele ano, o Pros elegeu dois deputados federais, entre eles o próximo Wagner, o cearense mais votado daquele ano na Câmara. 

Correligionários do político também foram eleitos para uma vaga no Senado e para duas vagas na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Em 2020, Wagner disputou a Prefeitura de Fortaleza, foi para o segundo turno, mas perdeu. O Pros ainda elegeu três prefeitos no Ceará. Contudo, no pleito de 2022, a legenda não conseguiu alcançar a cláusula de desempenho e foi incorporada ao Solidariedade oficialmente em fevereiro de 2023.

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Fusão

Egressos do Pros, Wagner e seus aliados cearenses partiram para outra sigla, o União Brasil. Criada oficialmente em fevereiro de 2022 pela fusão entre o PSL e o DEM, a legenda já nasceu como a maior do país em quantidade de congressistas. 

As duas siglas resolveram tirar a fusão do papel logo após um momento de bom desempenho eleitoral. O PSL foi o partido que abrigou o ex-presidente Jair Bolsonaro no pleito de 2018, quando ele chegou ao comando do Executivo nacional. Já o DEM, antigo PFL, tinha comandado há pouco tempo a Câmara dos Deputados, sob gestão de Rodrigo Maia, e comandava o Senado, com Davi Alcolumbre, o que atraiu muitos nomes influentes ao partido. Ao todo, a união gerou uma sigla com mais de 90 parlamentares no Congresso Nacional.

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No Ceará, o União Brasil virou motivo de disputa intensa antes mesmo de sua criação. O grupo governista tentou cacifar o ex-senador Chiquinho Feitosa, egresso do DEM, como presidente estadual da sigla. Contudo, em articulação com o então presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, Wagner conseguiu firmar um acordo para chefiar a sigla.

Oficialização da candidatura de Capitão Wagner à Prefeitura de Fortaleza
Legenda: Oficialização da candidatura de Capitão Wagner à Prefeitura de Fortaleza
Foto: Kid Junior

O comando do União Brasil colocou Wagner em outro patamar de articulação no Estado, possibilitando ao oposicionista enfrentar disputas eleitorais com parcelas significativas de recursos públicos eleitorais e tempo de propaganda gratuita, não dependendo exclusivamente de apoio de aliados de outras siglas.

Sob comando do político, a legenda elegeu quatro deputados estaduais e quatro federais em 2022 e, atualmente, é — ao lado do PL — a sigla que reúne mais oposicionistas no Estado. Por outro lado, mesmo com o peso da sigla, Wagner acumula as duas derrotas mais marcantes nos últimos pleitos. Em 2022, ele ficou em segundo lugar, derrotado ainda no primeiro turno. No ano passado, ficou em quarto lugar no pleito pela Prefeitura de Fortaleza.

Federação

Outra alternativa para superar a cláusula de barreira foi encontrada pelo PSDB, um dos mais tradicionais partidos do País. A medida foi uma forma de manter em atividade a sigla que já comandou o Governo do Ceará por três mandatos, chegou a ter 91 prefeitos filiados no Estado, além de deputados federais, estaduais e senadores no Estado.

Contudo, ao longo da primeira década dos anos 2000, o partido perde força ao passar a fazer oposição ao grupo político de Cid e Ciro Gomes. O enfraquecimento leva, inclusive, a uma derrota eleitoral de Tasso Jereissati, principal cacique tucano no Ceará, que perdeu a vaga no Senado em 2010. Na década seguinte, a sigla também passa a acumular derrotas e evasão de liderança a nível nacional.

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Sob ameaça de ser atingido pela cláusula de barreira, em 2022, os tucanos resolveram montar uma federação com o Cidadania. No Ceará, a união foi comandada pelos PSDB justamente em um dos momentos mais turbulentos da sigla, quando Chiquinho Feitosa, então filiado ao PSDB, e Tasso Jereissati travaram uma queda de braço pelo comando do grupo.

Chiquinho articulou uma posição de neutralidade tucana — e do Cidadania — no pleito daquele ano, contudo, a manobra foi chamada de "truque jurídico de infiltrados no PSDB" por Tasso, na época. O impasse acabou envolvendo as lideranças nacionais da federação, que interveio e devolveu o comando a Tasso, e gerou um embate judicial que inviabilizou a chapa do PSDB naquele ano.

Bate-boca dominou a convenção do PSDB e do Cidadania
Legenda: Bate-boca dominou a convenção do PSDB e do Cidadania
Foto: Kid Jr

Atualmente, a sigla, que integra a oposição, tem apenas uma deputada estadual e dois prefeitos eleitos. A federação com o Cidadania também está com os dias contados, já que a sigla aprovou o fim da união para o próximo ano. Novamente sob ameaça das regras eleitorais, os tucanos agora têm tratativas com o Podemos e o Solidariedade para uma fusão entre os três grupos.

Diferentemente da federação, a fusão é uma medida definitiva entre as siglas. Em entrevista ao Diário do Nordeste neste mês, o atual presidente do PSDB Ceará e prefeito de Massapê, Ozires Pontes disse que a legenda estava “prestes a ser sepultada” e, atualmente, “é um partido que está sendo procurado por todas as outras forças políticas”.

“As tratativas são no sentido de uma fusão, mantendo nossa história, nosso legado e nosso programa. Buscamos uma proposta de fusão que nos coloque na ponta de um projeto político de centro para as eleições de 2026, com reflexos positivos para o Ceará também. O PSDB está bem vivo e tem muito a contribuir com o nosso Estado e País”
Ozires Pontes
Presidente do PSDB Ceará

O Solidariedade e o Podemos também têm representações discretas no atual cenário político cearense. O Podemos comanda duas cidades e o Solidariedade apenas uma.

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Contudo, o Podemos exerce um papel estratégico no equilíbrio de forças estaduais. A sigla é comandada pelo ex-prefeito de Aracati, Bismarck Maia (Podemos), aliado de primeira ordem do senador Cid Gomes (PSB). Assim como os tucanos, o presidente estadual do Podemos também é cauteloso ao tratar sobre as negociações de fusão.

“Existem tratativas nesse sentido e estão evoluindo, adiantadas, entre as duas direções, nacionais. Estamos acompanhando, mas é bom esperar o desfecho, pois em 2023 essas mesmas estiveram bem próximas de um resultado fusão e não prosperaram”
Bismarck Maia
Presidente do Podemos Ceará

Mudança ideológica

Sem incorporação, fusão ou federação, o PL passou por uma mudança drástica de rumo no Ceará. Ao mesmo tempo, a nível nacional, o partido tornou-se a sigla com maior representação no Congresso. A legenda era comandada no Estado por Acilon Gonçalves, então prefeito do Eusébio, aliado de Camilo Santana e dos irmãos Ferreira Gomes e articulador da sigla junto aos prefeitos do interior. 

Sob a gestão dele, treze prefeitos foram eleitos, cinco parlamentares lograram êxito com mandatos na Câmara dos Deputados, outros quatro entraram na Assembleia Legislativa (Alece) e cerca de 130 vereadores ingressaram nas câmaras municipais cearenses em 2020.

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O partido, no entanto, teve uma reviravolta em 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro ingressou nos quadros da sigla, levando consigo milhares de aliados, entre vereadores, prefeitos, deputados e senadores. 

Acilon ainda resistiu no comando da sigla, apesar das pressões dos aliados de Bolsonaro recém-filiados. Contudo, em novembro de 2023 ele renunciou ao comando da sigla. Desde então, seu grupo político migrou para outros partidos, incluindo PSB e PRD. Já o PL Ceará assumiu de vez o caráter bolsonarista, sendo comandado por Carmelo Neto. Sob as mãos dos seguidores do ex-presidente, o partido levou a disputa pela Prefeitura de Fortaleza para o segundo turno no ano passado, fazendo do pleito um dos mais acirrados da história.

Federação adiantada

Atualmente, mais de dez partidos políticos brasileiros negociam a formação de federações ou a realização de fusões. As conversas mais avançadas são entre o União Brasil e do Progressistas (PP), que fazem um movimento para criar a maior bancada partidária do País por meio de uma federação. Na última terça-feira (18), o PP aprovou internamente a união que pode colocar lado a lado integrantes da base e da oposição cearense.

Capitão Wagner e AJ Albuquerque presidem o União Brasil e o PP no Ceará
Legenda: Capitão Wagner e AJ Albuquerque presidem o União Brasil e o PP no Ceará
Foto: Divulgação/Beto Leme; Reprodução/Instagram AJ Albuquerque

Presidente do União Brasil no Ceará, o ex-deputado federal Capitão Wagner conversou com o PontoPoder na última semana e confirmou as tratativas. “Teremos a maior bancada, o maior tempo de TV e o maior fundo eleitoral (...) A divisão está pacificada, o União Brasil ficará com nove estados, entre eles o Ceará, o PP com nove e em outros nove a articulação será com as direções nacionais”, disse Wagner.

Segundo ele, as direções nacionais das siglas comandam as articulações, mas já há conversas entre lideranças estaduais. 

"No Ceará, estive com o AJ Albuquerque (deputado federal e presidente do PP no Estado) nesta semana, mas ainda não conversei com os demais integrantes do PP no Ceará, até porque vim para Brasília. Do ponto de vista do AJ, não haverá problema, ele deve permanecer no partido, mas ainda vou conversar com os demais, inclusive com o Zezinho Albuquerque (secretário do Governo Elmano), para saber se devem ficar ou não. Por mim, não há restrição”
Capitão Wagner
Presidente do União Brasil no Ceará

Wagner reforçou ainda que o União Brasil deve comandar a federação no Ceará por ter maioria nas bancadas estadual e federal. “A tendência é essa, temos a maioria de oposição, mas vamos ver como vão ficar as lideranças (do PP), porque a própria liderança fica com a maior bancada, mas tudo isso ainda será discutido, ainda vamos dialogar”, disse.

Atualmente, o PP tem três cadeiras na Alece e o União Brasil tem quatro. No Legislativo Federal, o PP tem uma vaga na bancada cearense e o União Brasil soma quatro deputados.

Para o secretário das Cidades do Governo Elmano e pai de AJ Albuquerque, Zezinho Albuquerque, a federação precisa ser analisada com cautela. Ele também sinalizou uma tendência diferente de Wagner.

“No Ceará, nada muda. O PP segue com a liderança do AJ. O União Brasil está procurando uma federação, o PP também, mas continuamos do mesmo jeito, o que for decidido será por votação, mas a parte financeira do PP continua do mesmo jeito, do União Brasil também continua, assim como a liderança do AJ”
Zezinho Albuquerque (PP)
Secretário do Governo Elmano

Independentemente da federação, Zezinho reforçou que seguirá aliado do Governo do Ceará. “Sem dúvida nenhuma, o AJ tem uma parceria de amizade muito grande com o governador Elmano, são nossos parceiros, parceiros do PP, das lideranças que temos no Interior, fazemos parte desse projeto, então a parceria continua”, completou.

Fusões para 2026

Paralelamente, há ainda tratativas para desfazer federações atualmente em vigor e criar novas para a eleição do próximo ano.

A federação Psol-Rede, por exemplo, pode ser desfeita por iniciativa da Rede. O PV também pode deixar a federação com PT e PCdoB. Siglas como PDT, que tem 17 deputados; PSB, que tem 15; Avante, que tem sete; PRD, com 5; e Novo, que tem quatro; mantêm tratativas intensas para em Brasília e nos estados para chegarem fortalecidos em 2026.

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