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Qual o papel de Capitão Wagner na movimentação política do Ceará

A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022

Escrito por Wagner Mendes ,
capitão wagner
Legenda: Capitão Wagner é a principal liderança de oposição no Ceará
Foto: Câmara dos Deputados

Em pouco mais de três meses, nas eleições de outubro, Capitão Wagner (União Brasil) testará nas urnas o seu nome pela sétima vez consecutiva. Entre vitórias e derrotas intercaladas ao longo de doze anos de vida pública, o desafio para 2022 é ainda maior: destronar um grupo que conduz a administração estadual cearense há 16 anos e assumir a chefia do Palácio da Abolição. 

Em março deste ano, o pré-candidato a governador passou a comandar definitivamente o União Brasil no Ceará, o que lhe dará condição inédita de disputa para o Executivo, com um farto tempo de televisão e dinheiro do Fundo Eleitoral. 

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Em meio a uma série de viagens do deputado pelo Ceará, na tentativa de fortalecer as alianças, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos e pessoas próximas ao Capitão para entender o papel do líder da oposição na movimentação política do Ceará.  

A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que mostra como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022. 

Oposição  

"A melhor palavra que o define é: 'um político que se opõe a um grupo', que é o do Cid Ferreira Gomes" 
Emanuel Freitas
Cientista político e professor universitário

A imagem de opositor foi construída desde o início da atividade partidária, quando se candidatou pela primeira vez a deputado estadual nas eleições de 2010, ficando na suplência. 

Filiado ao extinto PR (hoje PL), assumiu por quatro meses a vaga de deputado na Assembleia Legislativa durante a licença da titular Fernanda Pessoa. 

Desde então, formalizou alianças com diversas lideranças políticas cearenses, desde que estivessem no palanque oposto ao dos irmãos Cid e Ciro Gomes. 

Emanuel Freitas lembra das alianças durante essa década com diferentes linhas ideológicas. Em 2012 chegou a ser cotado para vice do então candidato a prefeito de Fortaleza, Elmano de Freitas, do PT. Eleito o vereador mais votado naquele ano, Wagner trabalhou ativamente pela campanha petista.

Capitão Wagner e Eunício Oliveira
Legenda: Capitão Wagner com Eunício Oliveira durante a campanha do ex-senador para o Governo do Estado, em 2014

Dois anos mais tarde, subiu no palanque de Eunício Oliveira (MDB) que concorreu contra Camilo Santana (PT) pelo Governo do Estado e foi o mais votado deputado estadual no Ceará. Já em 2016, chegou a ir ao segundo turno na campanha pela Prefeitura de Fortaleza, quando ganhou ainda mais força como personalidade política de oposição. 

"Em 2016, a eleição foi tão favorável a ele que a campanha continuou nas ruas. Mesmo depois de encerrada a disputa, ainda tinha adesivo do Capitão Wagner nos veículos de apoiadores. Quando chega em 2018, ele se consolida como o deputado federal mais votado e como o principal opositor aos Ferreira Gomes", situa o professor universitário.

Capitão Wagner, em 2018, no palanque de oposição
Legenda: Capitão Wagner, em 2018, no palanque de oposição, quando foi candidato a deputado federal
Foto: JL Rosa

Para a cientista política Carla Michele Quaresma, o perfil de principal opositor ao governismo no Ceará foi consolidado na eleição de 2020 para a Prefeitura de Fortaleza, quando a disputa acirrada revelou não apenas o desgaste do grupo de Cid na Capital, mas também a forte liderança do parlamentar na oposição. 

"A grande consagração foi a eleição para prefeito. Ele diminuiu muito a diferença da eleição de 2016 (quando foi derrotado por Roberto Cláudio no segundo turno)", lembra a professora.

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"Ele não depende hoje de outras lideranças como dependia antes. Ele construiu essa independência, e agora, com essa pré-candidatura, vai ter mais esse desafio de mostrar essa consolidação de uma liderança de oposição", pontua Quaresma. 

Desde a última candidatura à Prefeitura, de acordo com a professora, Wagner tem buscando mostrar uma "versatilidade" de temas nas campanhas. "Foi se apresentando como um candidato capaz de resolver problemas diversos", destaca. 

Esse esforço do reposicionamento da imagem é apontado também por aliados mais próximos do parlamentar.   

Construção política 

"Ele entrou na vida política pelas minhas mãos. À época eu era o presidente do PR, e ele ingressou na política no PR. Eu perguntei a ele por que o PR, se era um partido pequeno e não tinha participação no poder. E ele falou que (era) exatamente por isso, que era o único partido do Ceará que não se entregou aos Ferreira Gomes" 
Lúcio Alcântara
Ex-governador do Ceará

Para Lúcio, Capitão Wagner é o "rosto da renovação da política cearense" e tem como desafio ultrapassar certas barreiras. Uma delas é se tornar conhecido pelo eleitor em sua integralidade. "Ser conhecido integralmente, seu pensamento, suas ações, suas propostas", diz. 

De acordo com o ex-governador, "tentaram ao longo de todos esses anos confinar o Capitão a uma área restrita que é a de segurança", mas "ele é muito mais do que só isso". 

Capitão Wagner e Fernanda Pessoa na Assembleia Legislativa
Legenda: Capitão Wagner e Fernanda Pessoa na Assembleia Legislativa
Foto: Bruno Gomes

Fernanda Pessoa, deputada estadual que deu a primeira oportunidade no parlamento a Capitão Wagner, diz que ele tem ganhado maturidade ao longo dessa década, e reforça a tese de Lúcio Alcântara ao cravar que o aliado tem desenvolvido conhecimentos em áreas que não abordam só a segurança pública. 

"Lógico que ele tem a expertise na segurança, mas ele está buscando experiências novas em outros estados em que políticas diversas estão dando certo. Está adquirindo conhecimento na saúde, educação, criação de emprego...", defende a aliada. 

Segurança pública 

Construído politicamente na agenda da segurança pública, Capitão Wagner tem, na corporação militar, o eleitor mais fiel nessa década, segundo especialistas. É a força desse eleitorado, inclusive, que tem garantido representantes do mesmo grupo em todas as esferas parlamentares, nas câmaras municipais do Estado, Assembleia Legislativa e Câmara dos Deputados. 

"Ele conseguiu enxergar uma oportunidade no campo da política. Havia uma preocupação das pessoas com a segurança e ele entendeu que seria um caminho para votações expressivas. Se tornou o principal representante dos policiais no Ceará e isso fez com que ele tivesse uma base política muito grande, um poder de mobilização. E isso conduziu uma primeira campanha eleitoral em que ele apareceu como um fenômeno" 
Carla Michele Quaresma
Professora e cientista política

Para a pesquisadora, o assunto da segurança pública ligado a uma eleição estadual pode favorecer a candidatura de oposição. Wagner, que já tem uma identificação com o tema, deve explorar a pauta já que o assunto continua em evidência no Estado. 

"É um tema muito sensível e deve vir com muita força. A despeito de todo investimento que foi feito, o problema da segurança não foi minimizado no Ceará. A sensação que as pessoas têm é de cada vez mais de insegurança", avalia a pesquisadora.  

Motim 

Em meio à ligação histórica do pré-candidato à área da segurança, dois motins da Polícia Militar ao longo dessa década ajudaram a desgastar a imagem do opositor em parte do eleitorado. Em 2012, foi justamente o movimento dos agentes de segurança pública que alçaram Wagner ao papel de figura pública. Ele, no entanto, tenta se desvencilhar de qualquer relação com o motim de 2020.

Para o professor Emanuel Freitas, porém, ainda não é possível avaliar o impacto eleitoral desses episódios para o pleito de outubro, já que há desgastes dos dois lados sob diferentes aspectos. 

"A associação dele ao motim não colou como esperado. Se tivesse colado ele não teria ido bem em 2020 em Fortaleza, que foi a cidade que mais sofreu com o motim. E acho que isso pode servir ao seu favor", acredita o pesquisador. 

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"Me lembro, ainda, o Cid, quando era governador, ameaçou o Capitão: 'eu vou lhe pegar, eu vou lhe pegar'. Isso numa manifestação em frente ao Metrofor, de policiais militares por aumento salarial, em 2011. E o Capitão Wagner já tinha se posicionado ali numa tentativa de buscar uma solução, mas o governador não quis dialogo e ainda o ameaçou", relatou um dos aliados de Wagner na pauta da segurança pública, o vereador Sargento Reginauro. 

De acordo com o parlamentar, a eleição que se aproxima pode colocar fim em um ciclo político no Ceará que é comandado pelo mesmo grupo no Estado e na Capital. "Em 12 anos, construiu uma trajetória política tão vitoriosa em um Estado tão fortemente aparelhado, como é o Ceará. Ele foi atacado de todas as formas", diz. 

Para Reginauro, a agenda do diálogo pode ser o caminho para um eventual governo de Wagner a partir de 2023. 

"Aprendeu muito rápido a fazer política, sem abrir mão de suas convicções. Capitão Wagner já dialogou com Luizianne Lins, com Lula, já dialogou com uma base forte da esquerda e dialoga com o presidente da República e toda a base bolsonarista. Então, ele é um político acima da média e vai surpreender. Ele é um político que sabe dialogar", afirma. 

Capitão Wagner com Jair Bolsonaro na transposição do São Francisco
Legenda: Capitão Wagner com Jair Bolsonaro na transposição do São Francisco
Foto: Helene Santos

Campanha com Bolsonaro? 

Após não ter ficado tão clara a participação do presidente Jair Bolsonaro na campanha de Wagner à prefeitura de Fortaleza, em 2020, ambos se aproximaram cada vez mais em eventos públicos depois do pleito. 

Foi assim em visitas do presidente em Quixadá e Jati, por exemplo. Em falas diretas e indiretas, Bolsonaro já deixou claro o apoio ao deputado para a sucessão estadual no Ceará. 

O último grande ato bolsonarista, as comemorações do dia 7 de setembro, teve a presença de Wagner em meio à militância. As movimentações davam conta que a campanha de oposição abraçaria o presidente, diferentemente da disputa municipal.

Legenda: Nos últimos meses uma aproximação entre Bolsonaro e Wagner tem marcado a pré-campanha
Foto: Thiago Gadelha

O Diário do Nordeste, no entanto, apurou nos bastidores que a campanha poderá ter mais de um candidato a presidente na chapa. Assim como há no Avante, no União Brasil e no MDB, o PL, com Bolsonaro, poderá ser mais um em um palanque generoso. 

Em meio às possibilidades de desgastes ou de ajuda na eleição, a relação com o presidente Bolsonaro deverá ser controlada e observada ao longo da campanha. 

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Força eleitoral 

Outro desafio do líder da oposição é construir uma ampla aliança política para as eleições de outubro. Em 2020, o grupo opositor conseguiu importantes vitórias eleitorais sobre a base governista. Aliados de Wagner venceram em cidades como Juazeiro do Norte, Caucaia e São Gonçalo do Amarante. 

No entanto, investidas do governo nos últimos meses, com parcerias administrativas, acabaram atraindo parte desses aliados. Um deles é o prefeito da cidade de Caucaia, que tem o segundo maior número de eleitores no Estado, Vitor Valim. O gestor, inclusive, deixou o Pros e tem aparecido em eventos públicos ao lado de Camilo Santana e Cid Gomes com direito a troca de elogios.  

Legenda: Eleito pela oposição ligada a Capitão Wagner, prefeito Vitor Valim tem se aproximado da base governista
Foto: Reprodução/Instagram

Apesar do acordo vigente com Wagner, os prefeitos de São Gonçalo e Juazeiro do Norte já admitiram a possibilidade de votar em Camilo Santana para o Senado. 

A deputada Fernanda Pessoa (UB) não vê grandes problemas nessas perdas pontuais. Para ela, a volatilidade política em períodos eleitorais faz parte do processo. 

“São poucas as pessoas que têm atitudes de lado. Tem uns que mudam de lado com a maior facilidade e perdem o discurso. Quando o Capitão Wagner ganhar muitos vão vir, os que são da base aliada hoje vão vir para o lado dele. Tem gente que não sabe ficar na oposição”, conclui. 

Alianças 

Desde a eleição municipal de 2020, o grupo do Capitão tem trabalhado a chegada de novos partidos para a construção da aliança na campanha do governo estadual. Compondo com o Pros na última eleição, o Republicanos, contudo, acabou se afastando nos últimos meses.

Dayany Bittencourt, esposa do pré-candidato, chegou a se filiar à legenda, mas logo deixou a sigla para se filiar ao União Brasil. 

A principal divergência foi a formação da chapa para as vagas proporcionais. Com a proibição da aliança proporcional entre os partidos para essas eleições, cada agremiação precisa construir um conjunto de candidaturas viáveis para a conquista das cadeiras no parlamento. A preocupação do Republicanos não teria sido atendida. 

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O desconforto acabou se arrastando até o fim do diálogo com o grupo quando Dayany teria pedido desfiliação por e-mail, segundo o presidente estadual da sigla, o vereador Ronaldo Martins. 

A cerca de 45 dias para o fim da data das convenções, Wagner mantém diálogos com MDB, PSD, PP e PL. A expectativa é de que a crise que o PDT tenta administrar internamente possa causar traumas em aliados. O pré-candidato de oposição já chegou a sugerir a vaga de vice ao PSD de Domingos Filho. 

Nesse momento, o deputado federal tem atuado pessoalmente na costura dos acordos para o pleito de outubro. O discurso já está sendo desenhado: o palanque é de vários candidatos a presidente, com espaço para todo mundo. 

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Eleitorado evangélico 

A saída de Capitão Wagner do Legislativo deve marcar a entrada da esposa na vida pública. Pré-candidata a deputada federal, "Dayany do Capitão", como é conhecida, tem atuado cada vez mais ao lado do eleitorado evangélico. Esse público é fundamental para qualquer eleição do Executivo. 

A chegada de Dayany ao Republicanos acabou influenciando na estratégia de aproximação desse eleitor. Apesar do rompimento com o partido de Ronaldo Martins, ambos têm divulgado ações de cunho religioso com mais frequência nas redes sociais. 

Legenda: Agendas públicas de cunho religioso têm sido cada vez mais frequentes
Foto: Reprodução/Instagram

Alianças com os deputados Silvana Oliveira (PL) e Jaziel Pereira (PL) podem somar forças para a queda de braço pela cadeira de governador do Ceará. 

Neste ano, em um gesto de fé, Capitão Wagner esteve em Israel e foi batizado nas águas do Rio Jordão. A cerimônia foi conduzida por mais um aliado, o deputado estadual Apóstolo Luiz Henrique. Jair Bolsonaro, em 2016, também realizou o mesmo batismo.

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