Qual o papel de Eduardo Girão na movimentação política e eleitoral no Ceará
A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022
Eleito para o primeiro mandato em 2018, o senador Eduardo Girão (Podemos) surgiu no cenário eleitoral do Ceará como um 'outsider' da política - discurso que alavancou muitas candidaturas vinculadas ao campo conservador no País. Quatro anos depois, ele figura como único senador cearense a fazer oposição ao Governo do Estado e deve estar no palanque de Capitão Wagner (União Brasil) na disputa pelo Palácio da Abolição em 2022.
Apesar da importância do cargo que ocupa e do destaque nacional durante a CPI da Covid-19, por exemplo, Eduardo Girão pode não ter tanto peso nas decisões eleitorais do grupo opositor no Estado, conforme analistas políticos. Auto declarando-se "independente" a nível federal, especialistas avaliam que ele acaba não tendo a força de outras lideranças cearenses intrinsecamente ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
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Além disso, apontam os pesquisadores, com a ampliação do arco de aliança em torno da pré-candidatura de Capitão Wagner ao governo estadual, outros nomes aparecem com maior possibilidade de capitalizar votos, principalmente em municípios do interior do Estado.
O Diário do Nordeste ouviu analistas políticos, lideranças partidárias e aliados do senador para entender qual é o papel de Eduardo Girão na movimentação político-eleitoral no Ceará, como parte da série Influências Políticas..
Apoio a Capitão Wagner
A aliança entre o senador e Capitão Wagner não é recente. Os dois saíram em dobradinha na campanha eleitoral de 2018 - enquanto Girão disputava cadeira no Senado Federal, Wagner era candidato à Câmara dos Deputados.
Na época, ambos apoiavam, para o Governo do Estado, o General Theophilo - que até então também não havia disputado cargo eletivo - e dividiram o palanque com o senador Tasso Jereissati (PSDB). Antigos aliados, Tasso e Girão são colegas de bancada no Senado, mas têm, constantemente, estado em lados opostos - seja a nível local seja nacional.
Exemplo disso foi a CPI da Covid-19. Enquanto o tucano fazia parte do G-7, de posicionamento crítico ao governo Bolsonaro, Girão costumava estar alinhado a posições dos senadores governistas. Já na disputa pelo Governo do Estado, a projeção é a de que Tasso, assimo como o PSDB, estejam ao lado da chapa governista.
Para 2022, Eduardo Girão reforça o apoio a Wagner e aponta que o deputado "já demonstrou ter liderança, equilíbrio e coragem para fazer a mudança esperada por nós, cearenses".
O senador, em entrevista ao Diário do Nordeste, disse ainda que a "alternância de poder é saudável para a democracia e se faz necessária mais do que nunca no Ceará que está 'de joelhos' para o crime organizado".
O senador afirmou também que está "à disposição" do grupo opositor, inclusive no que se refere a articulações para a definição dos nomes. Contudo, apesar de garantir o apoio à pré-candidatura de Wagner, Girão ainda tem estado ausente dos atos de pré-campanha que têm sido realizados pelo parlamentar em todo o Estado.
Presidente do Podemos Ceará, Fernando Torres aponta que, a exemplo do que ocorreu em 2020, o senador não deve se licenciar por motivos eleitorais. A atuação, portanto, deve ocorrer apenas no período mais próximo da eleição, considera.
"Ele tem essa responsabilidade (com o cargo de senador). Cumpre o papel dele, de segunda a sexta, em Brasília, e está, de 15 em 15 dias no Ceará", afirma Torres. O dirigente partidário aponta que a discussão eleitoral deve sim ter a influência do senador.
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Pré-candidata a deputada federal e aliada de Girão, Mayra Pinheiro aponta que o apoio "explícito" do senador a Capitão Wagner "agregará um grande reforço na credibilidade do eleitor e marcará sua coerência com o modelo político que juntos defendemos".
‘Outsider’ da política
Empresário do ramo da segurança e hotelaria, Eduardo Girão surpreendeu, em 2018, quando conseguiu vencer o então presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB) - com uma diferença de pouco menos de 12 mil votos.
Professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política, Mídia e Eleições (Lepem-UFC), Monalisa Torres considera que, assim como outros políticos, Girão se elegeu na "onda do outsider", em uma perspectiva de rejeição à velha política e, por isso, acabou se beneficiando também do "voto útil para tirar o Eunício" do cargo.
Apesar de vinculado a pautas conservadoras - como a defesa da família - e vinculadas ao antipetismo e ao combate à corrupção - com forte defesa da Operação Lava Jato, por exemplo -, o senador só viria a apoiar o então candidato Jair Bolsonaro na reta final da campanha de 2018. Após a posse, apesar de defender pautas semelhantes à base governista federal, ele continua a reforçar que possui posicionamento ‘independente’ em relação ao governo Bolsonaro.
"De alguma forma, não deixa nítido em qual lugar ele está. Nós estamos em momento político em que a polarização está radicalizada, em que os líderes estão sendo forçados a se posicionar", aponta Torres.
Peso da conjuntura nacional
O lugar de "independência" não impede, no entanto, que ele seja identificado como "um senador da pauta bolsonarista", aponta o professor de Teoria Política, da Uece, Emanuel Freitas, mas sem conseguir o mesmo destaque de outras lideranças vinculadas a estas bandeiras.
"No campo do conservadorismo, tem outras estrelas. (...) Nessa agenda tem muita gente, uma inflação de porta-vozes, de modo que não se destaca o discurso", aponta. "Ele não é um senador que o Bolsonaro pegue no braço, que esteja o tempo todo com o presidente. Ele não está lá nem cá".
Os pesquisadores citam a CPI da Covid-19, no Senado Federal, como exemplo de uma atuação de destaque do senador a nível nacional. No período, apesar de ter reforçado a posição de independência, Girão esteve, diversas vezes, ao lado de governistas na defesa da atuação do Governo Bolsonaro no combate à pandemia.
O senador também defendeu, na época, a inclusão de Estados e municípios na investigação realizada pela comissão, além de ter criticado, mais de uma vez, a atuação do Consórcio Nordeste durante o período mais crítico da pandemia no País.
"Ele teve um protagonismo considerável durante a pandemia, na defesa do Governo e na acusação do Consórcio Nordeste. Como (as acusações) não vingaram, a sua aposta política teve efeitos moderados", afirma Freitas, acrescentando que, se tivessem tido resultados, talvez o capital político de Girão tivesse crescido na mesma medida.
Dificuldade para as articulações
A projeção nacional de Eduardo Girão acaba tendo reflexos diretos, claro, no peso da participação dele na disputa a nível estadual em 2022.
“O Girão talvez tivesse um papel fundamental se o (ex-juiz Sérgio) Moro tivesse mantido a candidatura a presidenciável. Como isso não aconteceu, e o Girão não vai disputar nenhum cargo e nem ocupa nenhum cargo importante no Senado nem nos ministérios, ele fica muito com esse peso moderado, porque a função é mais de fazer coro a esse grupo que faz oposição aos Ferreira Gomes”, contrapõe Emanuel Freitas.
A situação para o pleito deste ano difere bastante, inclusive, do protagonismo exercido pelo senador na campanha para a Prefeitura de Fortaleza em 2020 - que também contava com Capitão Wagner como candidato da oposição.
Na época, além de coordenador da campanha de Wagner, Girão também foi o principal doador da campanha para comandar o Executivo municipal. O senador teve ainda papel fundamental na indicação da vice da chapa, a advogada Kamila Cardoso (Podemos).
Agora, mesmo faltando ainda quatro meses para a data da eleição, o arco de alianças em torno da pré-candidatura de Wagner é mais amplo do que em 2020, além do próprio comandar um dos maiores partidos do Estado, o União Brasil.
Uma situação que "exige que eles andem mais, negociem mais, dialoguem mais", inclusive para dar conta de um colégio eleitoral bem maior do que na disputa municipal, explica Monalisa Torres. O que exige uma maior capilaridade não apenas do candidato como dos seus apoiadores.
Força do cargo
"O protagonismo também deriva de uma base eleitoral. Tem que ter vinculação importante com algum segmento da sociedade. Ele tem uma boa inserção no segmento econômico, mas, do ponto de vista de capitalizar isso em voto, falta fôlego para o Girão enquanto liderança".
Aliado de Capitão Wagner desde a campanha eleitoral de 2018, quando ainda era filiado ao Pros, a força de Girão acaba ainda sendo ainda "muito atrelada" à figura do deputado federal, aponta Monalisa Torres. A pesquisadora acrescenta que, apesar disso, não é possível ignorar a força do cargo exercido por Girão.
"O Girão, como um senador, tem a capacidade de alimentar a base eleitoral, distribuir emendas (aos municípios) e contribuir para a implementação de políticas públicas", afirma. Uma posição que é importante de ter ao lado em uma disputa tão acirrada como se projeta para o Palácio da Abolição em 2022.
"A visibilidade que ele tem no lugar que ocupa, além da inserção dentro do empresariado cearense, é importante para o grupo político que está tentando disputar o Governo no Estado. Mas, do ponto de vista da base eleitoral, ainda é frágil", ressalta.