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Em ano eleitoral, quais os desafios do Consórcio Nordeste em 2022

Com o início do último ano de mandato dos governadores, Paulo Câmara, gestor do Governo de Pernambuco, toma posse na presidência do Consórcio

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Consórcio Nordeste
Legenda: No quarto ano de existência do Consórcio Nordeste, ele passa a ser presidido pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara
Foto: Agência Brasil

Último ano de mandato dos governadores do Nordeste, 2022 deve ser um momento crucial para a consolidação do Consórcio Nordeste. Instrumento de integração entre os nove estados da região, o grupo estará sob novo comando a partir desta terça-feira (18), quando o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), assume a presidência da entidade. 

Em ano de disputa eleitoral, o Consórcio deve dividir a atenção dos governadores com as articulações em torno do futuro político de cada um deles, já que, dentre os nove gestores estaduais, apenas dois podem tentar reeleição. Para os outros, 2022 é momento de definição sobre cargos futuros e de trabalho para eleger um sucessor. 

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Apesar disso, o fórum criado em 2019 deve enfrentar grandes desafios neste ano. Com uma atuação política marcada pelo enfrentamento ao presidente Jair Bolsonaro (PL), especialistas apontam que ainda existe uma falta de linearidade nas entregas concretas do Consórcio para a administração pública dos Estados da região. E disso dependeria o próprio futuro da organização.

Com as eleições deste ano, pelo menos sete governos nordestinos devem ter novos gestores, o que pode colocar em xeque a própria continuidade do grupo, de acordo com avaliação da cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, Priscila Lapa.  

"A depender do rumo político e econômico do Brasil neste ano e como o Consórcio consiga dar respostas a isso, ele pode ser algo que se consolida em 2022. E na transição, no próximo ano, talvez não com o mesmo fôlego ou pegada, possa ter uma continuidade", aponta.

Embates com o governo federal

Única região em que o presidente Jair Bolsonaro não venceu a disputa eleitoral em 2018, o Nordeste, refletido na união de governadores, seguiu como resistência política ao governo federal. Ainda no início do governo Bolsonaro, em 2019, o presidente protagonizou sucessivos embates com os gestores nordestinos. 

Em um deles, chegou a dizer que, dentre os "governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão", em referência a Flávio Dino. Diante do uso do termo 'paraíba', considerado pejorativo, os governadores da região manifestaram "espanto e profunda indignação". Ataques e críticas individuais a governadores da região, como Paulo Câmara (Pernambuco) e João Azevedo (Paraíba) também foram frequentes. 

Ainda em março de 2019, os governadores nordestinos divulgaram a decisão de criar o Consórcio Nordeste, que viria a ser lançado em julho do mesmo ano. Na carta de anúncio, além dos objetivos vinculados à gestão pública, destacam-se críticas às medidas e discursos adotados pelo Governo Bolsonaro. 

Dentre eles, a oposição a pontos considerados desfavoráveis pelos Estados na proposta do governo federal de Reforma da Previdência, a defesa do Estatuto do Desarmamento e de "mecanismos essenciais para o desenvolvimento regional, notadamente o Banco do Nordeste, a CHESF e a Sudene". 

"O Consórcio Nordeste se contrapôs abertamente às políticas do governo federal. A importância do Consórcio foi muito mais política do que de ações concretas, até porque ele é muito novo", explica a professora da Universidade Federal de Alagoas, Simone Affonso da Silva.

Nordeste Acolhe
Legenda: Última iniciativa a ser lançada pelo Consórcio Nordeste foi benefício voltado à crianças e adolescentes órfãos da Covid-19
Foto: Governo do Piauí

Dificuldade de entregas concretas

Exatamente por isso, a cientista política Priscila Lapa aponta que o próprio lançamento da organização regional é um dos maiores marcos nestes três anos de atuação do grupo. 

"Porque tem um papel político importante, dá um protagonismo para a região, de mostrar que os estados não estão dispersos, que há demandas em comum. Fortalece politicamente a região e as suas lideranças, mas ainda é um grande desafio ter entregas mais concretas", argumenta. 
Priscila Lapa
Cientista política

Para Lapa, ainda existe uma deficiência na "linearidade das entregas concretas", desde a criação. "De ter, por exemplo, a ideia de atuação consorciada, para que tenha compras públicas com mais efetividade e economicidade, que consiga ter arranjos de execução de projetos e de programas", cita. 

Dentre os próprios objetivos da associação, existem uma série de ações voltadas a aprimorar a gestão pública dos Estados a partir da ação conjunta. Algumas chegaram a ser realizadas, como a compra conjunta de insumos - embora ainda sem regularidade. 

Os governadores também realizaram, ao longo destes três anos, diversas missões internacionais para estreitar a relação entre Estados e investidores e governos internacionais. As articulações chegaram a resultar, por exemplo, em um acordo de cooperação com a França, renovado em 2021. 

Outras medidas, no entanto, acabaram não saindo do papel ou tendo poucos avanços. "É onde talvez Paulo Câmara tenha uma vantagem sobre Wellington Dias", explica Priscila Lapa, em referência ao governador do Piauí, que esteve na presidência do Consórcio durante o ano de 2021. 

"O Paulo Câmara tem esse perfil de ser mais gestor do que político e isso pode ser algo que agregue ao Consórcio. Ele pode tornar o Consórcio com uma gestão mais efetiva, com mais entregas para a sociedade", projeta a cientista política.  

Atuação a médio e longo prazo

Apesar de concordar que ainda é necessário avançar mais nos resultados para a gestão pública, Simone Affonso da Silva aponta que a demora é natural, resultado da própria natureza dos consórcios interestaduais. 

"Como os governos estaduais têm atribuições que são mais estruturais, investimentos que vão atravessar vários municípios ao mesmo tempo, necessita uma coordenação interna. Por isso, tendem a demorar um pouco mais a se consolidar, até por conta das negociações um pouco  mais complexas e de investimentos de médio e longo prazo", explica. 
Simone Affonso da Silva
Professora da Universidade Federal de Alagoas

Ela cita ainda as Câmaras Temáticas, criadas dentro da estrutura do Consórcio Nordeste, e que debatem ações e programas em áreas que exigem mais tempo, e recursos para investimento, como saneamento básico, saúde, educação e energia.

Ela cita que na Câmara de Agricultura Familiar, por exemplo, já é possível perceber avanços em relação aos outros grupos. Em novembro, foi lançada uma plataforma que otimiza a comercialização de produtos da agricultura familiar da região. 

"A agricultura familiar demanda menos recursos, é muito mais fácil conseguir estruturar cadeias produtivas. Está mais no âmbito da gestão, do auxílio à profissionalização do produtor. Completamente diferente do saneamento básico, que exige investimentos de infraestrutura bilionários", afirma.

Combate à pandemia de Covid-19

Por outro lado, algumas das principais medidas adotadas pela união de governadores ocorreram no combate à pandemia de Covid-19. Ainda em março de 2020, os gestores assinaram carta onde se contrapunham ao discurso do presidente Bolsonaro, que chegou a categorizar a doença como "gripezinha" e que minimizou, à época, os impactos da crise sanitária, o que contribuiu para a falta de coordenação nacional quanto ao enfrentamento. 

"Ficamos frustrados com o posicionamento agressivo da Presidência da República, que deveria exercer o seu papel de liderança e coalizão em nome do Brasil", encerrava o documento divulgado no dia 25 de março de 2020. 

No mesmo período, a parceria administrativa criou o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus como forma de guiar as ações dos Estados durante a pandemia. Dentre os efeitos concretos, o anúncio de decretos de intensificação do isolamento social nos estados nordestinos - medida a qual Bolsonaro era contra -, publicados no mesmo período. 

Governadores
Legenda: Governadores atuaram em conjunto no combate à pandemia
Foto: Divulgação

"Houve uma atuação bem importante no início da pandemia, com a tentativa de fazer a compra da vacina e de ter um comitê científico para guiar os governos estaduais em uma atuação mais conjunta, mais assertiva", lembra Priscila Costa. "Foram as principais medidas do Consórcio, mais emergenciais, mais rápidas de se fazer", concorda Simone Affonso da Silva. 

Contudo, o período também trouxe algumas perdas para a aliança regional. A compra do imunizante produzido pela Rússia, a Sputnik V, acabou sendo suspensa após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar com limitações o uso da vacina. 

A compra de respiradores, que acabaram não sendo entregues aos Estados, também colocou o Consórcio como alvo tanto da CPI da Covid-19, onde a tentativa do senador Eduardo Girão (Podemos) de investigar o grupo acabou não sendo bem-sucedida, como de CPI na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. 

O senador Eduardo Girão ressaltou a importância da investigação realizada pela Assembleia Legislativa e disse que considera o trabalho um "mega sucesso". "A CPI da Covid do Rio Grande do Norte, se dispôs a realizar o que não foi feito na CPI do Senado Federal, mesmo com todas as evidências divulgadas, os dados informados e compartilhados com os membros da comissão", argumenta. 

Futuro pós eleição de 2022

Os sucessivos embates entre governo federal e governadores do Nordeste continuaram frequentes, mesmo com eventuais tentativas de conciliação. Gestores estaduais de outras regiões brasileiras endossaram o enfrentamento a Bolsonaro, principalmente quanto ao combate à pandemia. 

Em 2021, a tensão voltou a crescer também motivada por discursos mais agressivos tanto de Bolsonaro como, principalmente, de apoiadores. Um dos ápices foi a manifestação do dia 7 de Setembro, que foi motivo de críticas antes mesmo de ocorrer. 

Os governadores da região lançaram carta "em defesa da legalidade e da paz", além de mandarem recado sobre possível adesão das forças de segurança estaduais aos atos, dizendo que as instituições estaduais não iriam participar "de qualquer ação que esteja fora da Constituição". 

Com a disputa eleitoral se aproximando, Simone Affonso aponta que o resultado da votação deve influenciar diretamente na continuidade do Consórcio Nordeste. 

"Elas talvez até indiquem quais caminhos esses fóruns devem adotar, atuar. Se vamos partir para uma polarização ainda maior, de disputas políticas mais destruidoras ou se vamos nos encaminhar para as arenas formais de negociação, onde se conhecem as regras e se seguem as regras", ressalta.
Simone Affonso da Silva
Professora da Universidade Federal de Alagoas

Para Priscila Lapa, no entanto, a existência da associação de gestores nordestinos já deve deixar um legado não apenas para a região, mas para outras experiências que venham a ser feitas. 

"Claro, existe uma linha política que coincide entre os governadores do Nordeste. Mas também foi provado que é possível diminuir as divergências políticas em nome de uma atuação mais colegiada, que possa dividir também os sucessos e insucessos", completa.  

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