Qual o papel de Tasso Jereissati na movimentação política do Ceará
A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022
No próximo dia 1º de janeiro, pela primeira vez em quase quatro décadas, o senador cearense Tasso Jereissati (PSDB) não estará ocupando cargos públicos por vontade própria. Um dos quadros mais antigos do PSDB, ele decidiu encerrar a carreira na vida pública em um momento onde é reconhecido até por antigos adversários como "o maior homem público” do Ceará. Por outro lado, Tasso se vê em um partido nacionalmente rachado e, à nível estadual, enfraquecido.
Em meio aos esforços para fortalecer a sigla no Ceará, o senador passou a ser cotado por aliados como candidato à vice-presidência da República.
Veja também
Com esses cenários, que vão de uma possível despedida a uma disputa nacional de “terceira via” – e com o fortalecimento de seu nome em meio ao enfraquecimento de seu partido –, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos e lideranças partidárias para entender o papel de Tasso Jereissati na movimentação política do Ceará, na série Influências Políticas.
Tanto para o senador quanto para aliados, a possibilidade de deixar a vida pública parece mais próxima, a preço de hoje. Na última segunda-feira (30), em entrevista ao Diário do Nordeste, ele disse que chegou a “hora de parar”.
“Eu já tinha dito, declarado, que estava na hora de parar de ter cargos eletivos, evidente que continuamos a exercer política, ajudando no que puder, mas não tenho pretensão eleitoral”
Prova disso é que, desde o início do ano, o tucano vem sinalizando sobre os planos para o futuro – que não envolvem disputar as eleições deste ano. “(Vou) continuar na política no sentido de ajudar, dar ideias, colaborar, a gente não sai da vida pública, o povo cearense me deu muito e tenho essa obrigação de trabalhar pelo Ceará até o fim da minha vida”, disse em evento do PSDB, em março.
Continuidade
Ainda em fevereiro, quando participou de evento do Pecém com o então ex-governador Camilo Santana (PDT), a então vice-governadora Izolda Cela e os ex-governadores Ciro e Cid Gomes, Tasso fez um balanço de seu papel no Governo do Ceará.
“(É) um projeto que teve continuidade de mais de 24 anos, com as nuances e características pessoais de cada governador, mas com o processo básico de desenvolvimento econômico, decência, justiça social, indignação com a pobreza, amor ao dinheiro público e respeito ao fisco”
Segundo o tucano, esses valores ficaram “quase que perenes” desde que ele assumiu o Governo do Ceará, em 1987. “Tive a sorte de ter como sucessor governadores brilhantes, cada qual com seu estilo, que não só deram continuidade como aprimoraram e melhoraram”, disse.
Modelo de gestão
Analista político, professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte afirma que Tasso implantou um novo modelo de gestão no Estado quando assumiu o Governo.
“Entre os anos 1970 e 1980, o Ceará destacava-se pelo desequilíbrio fiscal, pelos piores índices sociais do país, recorde de mortalidade infantil, violência, o banditismo, por meio da pistolagem, então essa era a realidade que explica o que viria a ser a mudança do Governo Tasso”, conta.
Isso é reforçado pelo cientista político Raulino Pessoa Júnior, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca).
“Tasso teve uma influência enorme na modernização da máquina administrativa. O Ceará, antes, tinha a liderança dos três coronéis – César Carls, Adauto Bezerra e Virgílio Távora –, mas a liderança desses políticos não tinha intenção de racionalizar a máquina pública, de ter eficiência, isso só veio a partir da liderança do Tasso”
Antes de disputar pela primeira vez cargos eletivos, o hoje senador iniciou um movimento liberal em defesa da modernização do Ceará. Em 1976, ele ingressou no Centro Industrial do Ceará (CIC), junto com outros jovens empresários cearenses.
Veja também
O grupo fazia uma defesa da redemocratização e da reestruturação da economia nordestina. Os empresários se colocavam contra os coronéis apoiados pelos governos militares.
No geral, o CIC era composto por empresários que estavam à frente dos negócios das famílias e mantinham relações políticas com empresários do Sudeste. Entre as lideranças cearenses, estavam os empresários Sérgio Machado, Byron Queiróz, Beni Veras, Cândido Quinderé e Airton Angelim.
“Tanto que o Tasso, diferentemente de outras lideranças, não tem vínculo de familiares na política, os filhos dele não seguiram a carreira e não ocupam cargos públicos, por exemplo,” aponta Raulino Pessoa.
Ascenção política
“O fato dele ser empresário facilita (a ganhar projeção política), mas o pai dele já era político, o Carlos Jereissati, que foi um importante senador, uma liderança política que já era importante. Outra coisa importante é que ele ganha a eleição em uma articulação com as esquerdas, com artistas e intelectuais cearenses”, pondera Cleyton Monte.
Conforme o pesquisador, a partir daquele momento, há uma mudança no modelo de gestão do Estado, que fica conhecido como “mudancismo”, em detrimento ao “coronelismo”. Ao assumir, o novo governador promove uma série de demissões e enxuga a máquina pública, com o corte de gastos, como a pensão vitalícia para ex-governadores.
Veja também
Ex-presidente do PSDB e duas vezes líder do Governo Tasso, Luiz Pontes ressalta que esses eram valores tomados como meta desde o primeiro mandato do tucano.
“Rompeu com o clientelismo, adotou a austeridade e a transparência como ferramenta de gestão, saneou as finanças, enxugou a máquina pública, restaurou o crédito de um Estado quebrado e inaugurou uma era de modernização administrativa”
“Melhorou os indicadores de saúde e de educação do Ceará, reconhecido pela ONU como o estado brasileiro que mais cresceu no Índice de Desenvolvimento Humano. Seus investimentos em obras de infraestrutura nos legou o Caminho das Águas, Castanhão, Porto do Pecém, Aeroporto, construção de rodovias interligando todo o Estado, energização, enfim, obras que viraram referência”, acrescenta o ex-líder do Governo Tasso.
Para Cleyton Monte, as mudanças representam, já naquela época, um novo momento do modelo administrativo do Estado.
“Claro que alguns arranjos continuaram, com trocas de favores, liberação de recursos, mas não na mesma intensidade (...) Para se ter uma ideia, até então existia uma folha de pagamento oficial e outra paralela no Estado. Imagine aí, se já é chocante o orçamento secreto, imagine chegar em um estado onde havia duas folhas de pagamento”, comenta Monte.
Raulino Pessoa pondera que, apesar dos avanços, ainda havia deficiências. “Um ponto de deficiência é que esse modelo de gestão não produziu uma redistribuição de renda, o Estado do Ceará, até hoje, inclusive, tem uma concentração muito forte de riqueza”, acrescenta.
Cleyton Monte define que, a partir do primeiro Governo Tasso, começa no Ceará a implementação de políticas de estado, não apenas do governo do momento.
“Os recursos hídricos são um exemplo. Não importa quem vença as eleições neste ano, não tem ninguém com coragem de mexer na política do Ceará de recursos hídricos, porque é uma política de Estado, mas que surgiu com o Tasso, que implementou os poços, o Castanhão, os canais interligando as barragens, por aí vai”
Tasso e o PSDB
Tasso assumiu pela primeira vez o Ceará em 1987 para um mandato de quatro anos pelo PMDB. Em 1995, ele retorna ao cargo e fica até 2002. Como senador, já no PSDB foi eleito pela primeira vez em 2002.
A partir do primeiro Governo Tasso, o PSDB atinge seu ápice no Ceará. Em 1990, a sigla conseguiu eleger sete deputados federais e 18 estaduais. Em 1998 – foram 12 deputados federais e 21 estaduais. A sigla passa a decair de desempenho a partir da saída do tucano do Executivo estadual.
“O PSDB no Ceará é pouco institucionalizado e depende da figura do Tasso, ele é o líder informal do partido, não tem o controle, mas tem a liderança e a influência. O PSDB Ceará começou extremamente forte, mas esse crescimento na década de 90 não refletiu na organização internamente”, avalia Raulino Pessoa, que em sua tese de doutorado pesquisou as articulação do PMDB, PT e PSDB no Ceará nas eleições de 2012 e 2014.
Atualmente, o PSDB tem apenas um deputado estadual, Gordim Araújo, eleito pelo Patriota em 2018. A nível federal, o diretório cearense não tem representação na Câmara dos Deputados. Com a saída de Tasso das disputas eletivas, Cleyton Monte aponta que há, dentro da legenda do Ceará, uma carência de lideranças ligadas diretamente ao senador.
“O problema foi que ele não conseguiu produzir sucessores, não produziu lideranças importantes que pudessem, dentro do PSDB, seguir seu legado. Ciro foi lançado por ele, mas rapidamente passou a ter luz própria, ganhar projeção, ter seu próprio grupo. O Tasso não conseguiu, tanto que o PSDB é esvaziado, não tem projeção na Assembleia, nas prefeituras. Mesmo aqueles eleitos, cada um segue seu caminho, não são liderados pelo Tasso”
Grupo governista
O enfraquecimento do PSDB Ceará ocorre simultaneamente ao afastamento dos integrantes da sigla do grupo governista. As eleições de 2010 marcam definitivamente o rompimento entre Tasso e o grupo liderado pelos irmãos Cid e Ciro Gomes.
No caso de Ciro, que surge na política estadual por meio do Tasso, a aliança sólida se manteve por 24 anos no Ceará, quando o tucano era governador e Ciro era deputado estadual.
Com o apoio de Tasso, o então aliado foi eleito prefeito de Fortaleza; em seguida, governador. Anos depois, Ciro também teve o apoio do tucano quando se candidatou pela primeira vez à Presidência da República.
Veja também
Em 2006, Tasso Jereissati apoiou, informalmente, a candidatura de Cid Gomes ao Governo do Ceará contra a candidatura à reeleição de Lúcio Alcântara, de seu próprio partido. Já em 2010, os irmãos Ferreira Gomes não apoiaram a candidatura à reeleição de Tasso ao Senado.
Naquela eleição, Ciro e Cid apoiaram José Pimentel (PT) e Eunício Oliveira (MDB), a pedido do ex-presidente Lula (PT). O fato foi uma grande decepção para Tasso, que não conseguiu se reeleger ao cargo e rompeu ali as relações políticas e pessoais com os Ferreira Gomes.
Embarque na oposição
Em 2016, o tucano embarcou na oposição também em Fortaleza, apoiando Capitão Wagner contra o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT). Já em 2018, Tasso foi o principal fiador da candidatura do General Theophilo ao Governo do Ceará, em uma disputa contra Camilo Santana. À época, o petista foi reeleito com quase 80% dos votos, enquanto o tucano ficou com 11,3%.
Nesse período, a tensão entre o tucano e a família Ferreira Gomes se eleva, inclusive com trocas de ataques de ambos os lados.
A partir de 2019, no entanto, Tasso e Ciro começaram a dar sinais de uma reaproximação. Em um evento realizado pelo ex-prefeito Roberto Cláudio, o tucano e o pedetista apareceram publicamente juntos pela primeira vez. A reaproximação levou o PSDB a apoiar, no segundo turno da eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 2020, a candidatura de José Sarto (PDT).
Tebet-Tasso
Além do partido enfraquecido no Ceará se comparado ao período em que o tucano governou, o PSDB, a nível nacional, vive um dos momentos mais turbulentos desde que foi criado. A sigla rachou com a disputa interna polarizada entre os ex-governadores João Dória, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul. Tasso, inclusive, chegou a colocar o nome à disposição.
No mês passado, no entanto, a cúpula da sigla se reuniu com lideranças do MDB e do Cidadania para discutir o nome de Simone Tebet (MDB) como pré-candidata.
As duas últimas siglas já decidiram apoiar a emedebista. No caso dos tucanos, Dória retirou a candidatura, mas a decisão da legenda ainda será anunciada. Ao longo da carreira política, Tasso foi cogitado, diversas vezes, para liderar uma chapa tucana pela Presidência da República, como nos anos de 2002 e 2014. Agora, o senador aparece novamente, mas cotado para ser vice da chapa liderada por Simone Tebet.
“Neste último mandato, ele passou a buscar mais questões nacionais do que influenciar a disputar no Estado, tanto que ele não é um porta-voz importante na sucessão do Governo do Estado. Vejo ele com uma atuação mais a nível nacional, com a CPI da Covid, o Marco do Saneamento e as discussões dos agentes de saúde”, aponta Cleyton Monte.
Conforme o ex-presidente do PSDB, Luiz Pontes, ainda que Tasso não dispute novamente eleições, ele seguirá influenciando na sigla.
“Quanto ao seu futuro político, poderá ficar sem mandato, mas continuará tão ativo enquanto houver necessidade de homens de visão e de espírito público como Tasso Jereissati. Homens públicos com o perfil como o dele continuam sendo fundamentais para mudar o Brasil”
“Maior homem público”
A aproximação do grupo governista e o distanciamento das disputas locais fez Tasso ser novamente exaltado abertamente por lideranças estaduais. No evento em fevereiro deste ano, no Pecém, políticos governistas rasgaram elogios ao tucano.
Cid foi o mais categórico e definiu o tucano como “o maior homem público da história deste Estado”. Camilo Santana foi na mesma linha. “É um dos grandes homens públicos da história desse estado, tenho grande admiração, meu pai tem uma grande admiração. Iniciou todo esse processo de mudança do Ceará, foi exemplo e estímulo para que as novas gerações pudessem sonhar e lutar por um Ceará melhor”, acrescentou.
Menos de um mês após tomar posse como governadora, Izolda Cela também se reuniu com o tucano. “O senador Tasso é uma pessoa importante, que tem toda essa trajetória, essa vivência, essa maturidade e compromisso com o Estado em tantos anos, sempre bom ouvi-lo, os bons conselhos são importantes”, disse sobre o encontro.
O atual presidente do PSDB do Ceará, o ex-senador Chiquinho Feitosa, foi procurado pela reportagem, mas não respondeu.