Qual o papel de Cid Gomes na movimentação política do Ceará
A série Influências Políticas, do Diário do Nordeste, apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022
A quatro meses das eleições e a dois das convenções partidárias, uma figura cearense centraliza sobre si a expectativa de aliados e até de opositores para a escolha do nome que irá representar o grupo governista no pleito. Definido por correligionários como “líder de líderes”, o senador cearense Cid Gomes (PDT) funciona como a espinha dorsal de um grupo no poder há 15 anos, sustentado por amplo arco de alianças – que reúne legendas de diferentes espectros políticos equilibradas pela articulação feita pelo senador.
Ao mesmo tempo em que nutre alianças sólidas, o político desperta rejeições no Estado que é seu próprio berço político e de seu irmão mais reconhecido nacionalmente, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). É no Ceará que Cid tem respaldo de lideranças locais e deseja, mesmo anunciando o fim de sua carreira em cargos eletivos, ter seus valores “eternizados” em novos líderes descobertos por ele.
O senador lista em seu “portfólio político” nomes como o da atual chefe do Executivo do Ceará, Izolda Cela (PDT), o ex-governador Camilo Santana (PDT) e o atual presidente do Legislativo estadual, o deputado Evandro Leitão (PDT), além do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). Com mais de 30 anos na vida pública, Cid Gomes ganha um impulso em sua influência quando torna-se governador do Ceará, em 2007, quebrando uma hegemonia tucana.
Mas, antes disso, o pedetista já dava sinais de sua capacidade de agregar aliados, principal estratégia para manter seu grupo tão longevo. Quando prefeito de Sobral, ainda em 1997, conseguiu atrair PT e PSDB para seu lado, acirrados rivais nacionais.
Até mesmo ao disputar o Governo do Ceará, em 2006, quando derrotou o então governador Lúcio Alcântara (à época, no PSDB), Cid conseguiu montar um amplo arco de aliança, contando, inclusive, com a ausência da participação de Tasso Jereissati (PSDB) na campanha tucana.
Para entender o papel de Cid Gomes na política cearense, o Diário do Nordeste ouviu analistas políticos e lideranças partidárias. A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que apresenta como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022.
Político “cajueiro”
“Para quem pensa a política como um espaço de melhorar a vida das pessoas e não de arrumação, negociata, confusão, briga, fuxico e tantas outras coisas; mais importante que fazer a obra, canal, açude, estradas, escolas e hospital (...), é você ajudar a formar pessoas que possam ter essa mesma preocupação e que vão eternizar ou botar para frente essa preocupação de fazer e melhorar a vida das pessoas”
A fala, de março deste ano, traduz o que passou a nortear a trajetória política de Cid. Após chegar ao mais alto cargo do Executivo estadual, o político passou a extrair quadros de seu governo e lançar como lideranças políticas no Ceará.
Camilo, por exemplo, foi secretário das Cidades do Governo Cid; Izolda foi secretária da Educação; Evandro Leitão foi secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social. Além deles, Roberto Cláudio foi presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) com apoio de Cid.
“Tem os políticos que são políticos mangueira, a gente sabe que embaixo da mangueira não nasce nada, mas eu procuro ser o político cajueiro, aquele que estimula e luta para que novas lideranças possam ocupar o espaço”, ressaltou Cid Gomes diante dos correligionários no início deste ano.
Sob olhares atentos
Esse papel de “político cajueiro” assumido por Cid é o que faz com que os olhos de aliados e opositores estejam atentos a qualquer movimento dele, principalmente neste período que antecede as eleições.
Conforme Domingos Filho (PSD), ex-vice-governador na gestão do pedetista, Cid tem uma postura de líder mais “comedido”. “Ele trabalha com mais paciência no processo de construção”, avalia.
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Outro cacique político do Ceará também definiu o senador de forma semelhante. Em evento realizado em fevereiro deste ano, Tasso Jereissati (PSDB) revelou as primeiras referências que recebeu de Cid Gomes.
“O Ciro sempre me dizia, o bom administrador lá de casa é o Cid, não sou eu, eu sou o cara do gogó. E isso ficou comprovado quando ele assumiu o Governo do Ceará e fez uma gestão extraordinária”
Eleição 2022
Para esses e outros correligionários, assim como em outras eleições, Cid estará novamente como peça central na decisão sobre quem será escolhido para liderar a chapa governista nas urnas em outubro deste ano. Quem também faz essa avaliação é a socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Paula Vieira.
“Ele tem um capital político importante, o apoio dele a um futuro nome acaba trazendo mais dessas bases eleitorais para quem for o candidato que ele apoiar”, aponta.
Quatro pedetistas estão nessa disputa interna para receber a indicação de Cid – e do grupo governista: além de Izolda Cela, que pode disputar a reeleição, completam a lista o ex-prefeito Roberto Cláudio, o deputado estadual Evandro Leitão e o deputado federal Mauro Filho. No evento em Pacajus, Cid disse que tem “orgulho” de ter descoberto três dos quatro pré-candidatos. A exceção é Mauro Filho, descoberto por Ciro Gomes, segundo o senador.
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O próprio Cid surge na esteira do irmão. O hoje senador, líder do grupo governista no Ceará, começou a carreira política com um revés: em 1988, disputou – e perdeu – as eleições daquele ano como candidato a vice-prefeito de Sobral em uma chapa liderada pelo ex-deputado estadual José Linhares Ponte, conhecido como Padre Zé.
A primeira vitória nas urnas de Cid Gomes só ocorreu em 1990, quando foi eleito deputado estadual. A partir dali, ele já se torna líder do Governo na Assembleia, em uma dobradinha onde o Executivo estadual era comandado justamente por Ciro. Em 1995, já na “Era Tasso”, o então deputado chega à Presidência da AL-CE – o mais jovem a ser alçado ao cargo.
Cid retorna ao seu berço político no ano seguinte para ser eleito prefeito de Sobral. À época, a vitória do pedetista marcou a ruptura de uma hegemonia de poder no município, que desde o início da década de 1960 era comandada por duas famílias: Prado e Barreto.
Desde então, o grupo político de Cid venceu todas as disputas pelo Executivo da cidade, em uma sequência de 25 anos à frente da prefeitura. Atualmente, o prefeito do município é Ivo Gomes, irmão de Ciro e Cid.
Líder de líderes
De acordo com o analista político, professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Cleyton Monte, desde aqueles primeiros anos na política, Cid já acenava para o estilo que o faria líder do grupo governista.
“Um dos primeiros cargos que Cid exerceu foi de coordenador regional do Governo Tasso, na época em que ele era deputado, além de presidente da Assembleia. Então ele já tinha essa atuação”, avalia.
“São três caminhos para entendê-lo: o que ele fez na Prefeitura de Sobral, quando juntou o PSDB e o PT na gestão; o que ele fez como presidente da Assembleia Legislativa, quando ficou responsável por várias reformas do Governo Tasso; e o que ele fez na administração do Governo, quando formou uma grande aliança”, resume Monte.
A consolidação de Cid como o principal articulador do grupo governista ocorre quando ele foi eleito governador do Ceará, em 2006.
“A partir do momento em que ele torna-se governador, isso (a capacidade de articulação) se fortalece nele, porque o Cid nunca teve grandes pretensões nacionais, a questão dele sempre foi o cenário local”
Formação de ampla base aliada
Em 2006, Cid enfrenta diretamente o candidato tucano Lúcio Alcântara, a contragosto do cacique tucano Tasso Jereissati. Quando eleito, o senador preferiu atrair o PSDB para dentro da gestão estadual, convidando tucanos para o comando de pastas no governo. Na época, a legenda tucana havia eleito a maior bancada da Assembleia Legislativa, com 15 parlamentares. O PSB de Cid tinha apenas 8 deputados estaduais eleitos.
A atração de partidos para a base aliada do Governo é, inclusive, uma das estratégias que marca não apenas a gestão de Cid como de seus 'apadrinhados' políticos. "Os Ferreira Gomes têm dificuldade de lidar com a oposição. Eles tentam trazer a oposição para o governo, para próximo de si. Quem se mantém na oposição, eles cortam o diálogo", detalha Monte.
Paula Vieira afirma que esta ampliação da base aliada no legislativo estadual também ficou fortalecida pela "formalização da disponibilidade de verba para que os deputados estaduais (...) investissem em seus projetos".
A estratégia acabou se revertendo em um apoio ‘esmagador’ dentro da Assembleia. No primeiro mandato, ele chegou a ter 44 dos 46 deputados favoráveis, com uma oposição "que era mais discursiva do que de votação", explica Vieira. O segundo mandato já iniciou com 32 parlamentares apoiando diretamente o então governador.
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O "trabalho de base", como define Monte, construído por Cid, tem reflexo direto no arco de alianças na primeira campanha eleitoral de Camilo Santana (PT), em 2014. A coligação que apoia a vitória do petista contava com 18 partidos, que continuariam a integrar a base aliada durante o Governo Camilo. A atual governadora Izolda Cela (PDT) conta agora com apoio de 14 partidos.
"Essa experiência é inédita no Ceará. Quem começou, quem conseguiu essa articulação foi o Cid", explica Cleyton Monte. Algo que só é possível devido ao "trabalho do varejo" feito pelo senador, completa o pesquisador.
"Nós podemos pensar a política no atacado e no varejo. No atacado, estão os grandes acordos partidários, as grandes articulações, os debates nacionais, os programas partidários. E o varejo político é necessário para manter o grupo, de, por exemplo, resolver um descontentamento entre prefeito e deputado. O Cid faz isso", ressalta.
Essa capacidade de agregar interesses divergentes construído ao longo do Governo Cid se consolida ainda mais ao longo dos oito anos do Governo Camilo. Já nos últimos dias como chefe do Executivo estadual, o petista fez questão de destacar as “lições que aprendeu diariamente” com o pedetista.
“É uma referência não só para quem venha a sentar na cadeira de governador do Estado, mas para todos os que têm o privilégio de servir ao Ceará. Muitos dos frutos que temos colhido nos últimos anos, não teriam sido possíveis sem que Cid tivesse passado o caminho anteriormente, quando tão brilhantemente governou o Ceará por duas vezes”
“Era Cid”
Por outro lado, a “Era Cid” e a de seu sucessor, Camilo Santana, têm diferenças marcantes. Conforme destacam analistas políticos, a própria gestão de Cid expõe as contradições do perfil do pedetista.
Ao longo dos oito anos que esteve à frente do Estado, até 2014, ele administrou em meio a turbulências e cercado de polêmicas, muitas vezes provocadas por ele, o que até hoje contrasta com o perfil de articulador comedido.
“Você vê poucas polêmicas do Cid no Senado Federal. Mesmo com o estilo espalhafatoso, ele consegue articular bem os bastidores e consegue articular bem com os partidos. Nesse momento de acirramento, muitos aliados apontam Cid Gomes como resolução do problema”, avalia Cleyton Monte.
O estilo “espalhafatoso” já rendeu problemas ao pedetista. Com um Governo marcado por grandes obras, ele precisou explicar a contratação do tenor Plácido Domingo, estimado em R$ 3 milhões, para inaugurar o Centro de Eventos do Ceará.
Na Justiça, também foi justificar o pagamento de R$ 650 mil como cachê para a cantora Ivete Sangalo inaugurar um hospital em Sobral. Cid ainda se envolveu em uma polêmica com profissionais da educação ao dizer que “quem entra em atividade pública deve entrar por amor, não por dinheiro”.
Uma viagem à Bahia rendeu a ele um processo do Ministério Público após o político abandonar a aeronave em que estava e correr pela pista do aeroporto obrigado que dois aviões interrompessem o procedimento de pouso.
Outra grande polêmica em que o cearense se envolveu foi logo após o fim de sua gestão do Estado. Já como Ministro da Educação, disse que cerca de “400, 300” deputados faziam “achaque”. Convocado para dar explicações, o pedetista escalou a crítica. Ressaltou que respeitava o Legislativo, mas classificou como oportunistas deputados que se mantinham na base do Governo, mas agiam como oposição.
Ele ainda atacou diretamente o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Após as declarações, Cid abandonou o Congresso, foi até o Palácio do Planalto e pediu demissão.
Educação x Segurança
Na gestão pública, a educação e a segurança pública permeiam a imagem de Cid como gestor público. À época em que comandava a Prefeitura de Sobral, ele deu início ao que se tornou a vitrine de sucesso do grupo governista no Estado: a educação.
O pedetista criou o programa de alfabetização na idade certa, que depois seria usado como modelo nacional para garantir que todas as crianças fossem alfabetizadas até os oito anos de idade. Atualmente, Sobral é modelo internacional em educação, assim como o Ceará.
Já a segurança pública virou um ponto vulnerável tanto da gestão Cid quanto de quem o sucedeu. Apesar dos investimentos milionários, o Ceará enfrentou, sob o comando dele, um motim da Polícia Militar entre o fim de 2011 e o início de 2012.
Aquele movimento alçou como liderança da oposição o hoje deputado Capitão Wagner (União Brasil), pré-candidato ao Governo do Ceará e líder da oposição. A partir daquela paralisação dos agentes, os índices de violência no Estado explodiram, batendo seguidos recordes e rompendo os canais de diálogo do pedetista com a tropa.
“Wagner cresce em um contexto de crescimento da ação sindical policial. A forma como o Cid tratou esse movimento que, em tal momento, ele não dialogava mais com as tropas”, aponta Cleyton Monte.
O que já parecia ruim piora ainda mais em fevereiro de 2020, com um novo motim no Ceará, agora sob a gestão de Camilo Santana. Em uma tentativa de encerrar a paralisação, Cid vai até Sobral, sua terra natal, e usa uma retroescavadeira para tentar romper uma barricada montada por amotinados. Na investida, agentes atiram contra o senador, que é baleado no peito.
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O episódio marca de vez o distanciamento de Cid do setor da segurança pública do Estado, justamente a área de onde saíram os principais nomes da oposição. Agora, com o nome de Wagner já posto na disputa, caberá ao pedetista indicar um nome para tentar manter o atual grupo governista no comando do Ceará.
“Eu não serei mais candidato a nada, isso para mim é a decisão mais pacífica da minha vida, eu já dediquei 35 anos da minha vida com exclusividade a vida pública, agora estou num mandato de senador que o povo me concedeu (...) O mandato vai até 2027, vou exercê-lo com maior entusiasmo até o último dia, mas não serei mais candidato, mas sabe quando vou largar a política? Nunca”