Legislativo Judiciário Executivo

Veja como foi o voto de Moraes para condenar Bolsonaro e aliados da tentativa de golpe

O voto de Mores, relator da ação penal, foi o primeiro a ser dado na Primeira Turma do STF

(Atualizado às 15:06)
Ministro Alexandre de Moraes, durante julgamento de bolsonaro no STF
Legenda: Ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, é o primeiro a votar no julgamento de Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe
Foto: Evaristo Sá/AFP

Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram, nesta terça-feira (9), a fase de votação da ação que julga denúncia de tentativa de golpe no Brasil em 2022. O primeiro voto foi do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, que discorreu sobre 13 pontos para embasar suas falas e pediu a condenação de Bolsonaro e outros sete réus.

Já nas considerações preliminares, Moraes ressaltou que o Supremo já havia rejeitado por unanimidade alguns dos questionamentos feitos pela defesa durante o julgamento. Em tom de reprimenda, ele disse que "beira a litigância de má-fé" a alegação das defesas dos réus de que, na delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid deu oito versões diferentes. 

"Basta a leitura da colaboração premiada para verificar que, por uma estratégia de investigação, a Polícia Federal resolveu, ao invés de um grande depoimento único no dia 28 de agosto de 2023, fracioná-lo em oito depoimentos. Eram oito fatos diversos".

Moraes ainda apontou que a delação de Mauro Cid foi debatida e acatada pelos ministros. "Em relação ao pedido de nulidade da colaboração premiada: foi amplamente debatida no recebimento da denúncia, bem como a ausência de qualquer participação indevida do réu colaborador", disse. "Mantenho a plena regularidade e validade da colaboração premiada", reforçou.

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Ele também rebateu a queixa dos advogados da quantidade de perguntas que fez aos réus. "É esdrúxulo. Não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado dizendo o número de perguntas que ele deve fazer. Há argumentos jurídicos muito mais importantes do que ficar contando o número de perguntas que alguém fez", afirmou

Moraes ressaltou ainda que os advogados tiveram quatro meses e não juntaram "um único print ou gravação" pertinente para o processo.

Veja como foi a sessão e os principais pontos 

Divergências de Fux

Durante a fala inicial de Moraes, o ministro Luiz Fux o interrompeu e afirmou que irá tratar das considerações preliminares em seu voto. Logo em seguida, o relator ressaltou que as alegações até então citadas haviam sido votadas e rejeitadas por unanimidade pela Primeira Turma.

Mais à frente, Fux demonstrou incômodo com um pedido de aparte feito pelo ministro Flávio Dino. Ele explicou que havia um acordo prévio entre os magistrados para que não houvesse interrupções durante os votos, já que isso poderia fazê-lo perder o "fio da meada".

Em seguida, Moraes respondeu dizendo que não vê problema em conceder apartes. Fux rebateu, afirmando que ele próprio irá cumprir o acordo prévio e não concederá apartes. Moraes, então, esclareceu que, naquele caso, o aparte havia sido pedido a ele, e não a Fux, e por isso foi concedido. Por fim, Dino se comprometeu a não mais interromper a fala de Fux. "Pode dormir em paz", acrescentou Dino.

Golpe de Estado

Ao analisar o mérito, Moraes implicou diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro como líder da organização criminosa que atentou contra o Estado Democrático de Direito.

"O conjunto é de uma organização criminosa sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro, é que durante o período de julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023. Essa organização criminosa, com divisão de tarefas e hierarquizado, praticou vários atos executórios. Primeiro, atentar contra o Estado Democrático de Direito, pretendendo restringir ou suprimir, mediante grave ameaça, a atuação de um dos Poderes do Estado. Neste caso, o Judiciário. E ainda atos executórios para consumir, por meio de violência ou grave ameaça, um governo legitimamente constituído", disse.

O relator reforçou que o julgamento "não discute se houve tentativa ou não tentativa de golpe", mas sim a "autoria".

"Não há nenhuma dúvida em todas as condenações de que houve tentativa de abolição ao Estado Democrático de Direito, que houve formação de organização criminosa e que houve dano ao patrimônio público. O que se analisa é a autoria das infrações penais imputadas"
Alexandre de Moraes
Relator do caso no STF

Moraes listou ações que indicam atos executórios da tentativa de golpe. Ele citou declarações de Bolsonaro e seus aliados com a finalidade de promover "desinformação" sobre o sistema eleitoral, o ato de 7 de Setembro, reunião com embaixadores e interceptação de eleitores feita pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição.

O relator ainda citou a reunião dos Kids Pretos, a tentativa de atentado à bomba no Aeroporto de Brasília e os atos violentos no dia da diplomação da chapa eleita, liderada pelo presidente Lula (PT). Ao imputar Bolsonaro como líder da organização criminosa, Moraes também mencionou uma longa lista de declarações do ex-presidente, apontadas pelo relator como ameaças ao Judiciário. 

"Isso não é conversa de bar, não é alguém no clube conversando com amigo, isso é um presidente da República, no 7 de Setembro, a data da Independência de Brasil, instigando milhares de pessoas contra o Supremo Tribunal Federal, contra o Judiciário e, especificamente, contra um ministro do Supremo Tribunal Federal", continuou o relator.

Ainda sobre as ações diretas dos réus, ele citou provas colhidas contra Augusto Heleno. "Não é razoável achar normal um general do Exército, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas. Ter uma agenda preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o Poder Judiciário, e se perpetuar no poder. Não consigo entender como alguém pode achar normal em uma democracia, em pleno século XXI, uma agenda golpista", disse.

"Dizer que as anotações feitas no documento eram particulares, uma espécie de ‘meu querido diário', não é razoável" 
Alexandre de Moraes
Relator do caso no STF

Sobre Alexandre Ramagem, citou uma mensagem do político disseminando desinformação contra urnas eletrônicas. "Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. Isso é uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República", disse Moraes.

"Não há confissão maior de unidade de desígnios para os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República. Na mesma reunião, Jair Bolsonaro fala em guerra, Anderson Torres diz que está preparando uma equipe da Polícia Federal para atuar mais incisivamente, Paulo Sérgio diz que está na linha de frente com os inimigos e Augusto Heleno diz que, se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições; se tiver que virar a mesa, é antes das eleições", citou o relator.

Punhal Verde-Amarelo

O relator deu uma ênfase especial ao plano golpista intitulado "Punhal Verde e Amarelo", criado por militares com o objetivo de sequestrar ou assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes. O documento previa métodos como envenenamento, uso de explosivos e armas de guerra na "missão".

"Estamos esquecendo que o Brasil quase volta a uma ditadura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições", disparou Moraes.

"Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições; quem ganha, assume e tenta se manter, mas pelo voto popular, não utilizando-se órgãos do Estado, ameaçando gravemente o Poder Judiciário e a Justiça Eleitoral com bombas em aeroportos, com destruição da diplomação, organizando a festa da Selma e a depredação da sedes dos três Poderes" 
Alexandre de Moraes
Relator do caso no STF

Após o posicionamento de Moraes, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, nesta ordem, darão seguimento à votação.

Minuta do Golpe 

Após uma pausa breve, Moraes retomou seu voto e falou sobre a chamada Minuta do Golpe, e disse que "não há nenhuma dúvida" que Bolsonaro se reuniu com comandantes das Forças Armadas para discutir a "quebra da normalidade institucional". "Isso é um fato incontroverso", afirmou o relator. 

Segundo Moraes, "não existe previsão constitucional para a decretação de Estado de Sítio ou Estado de Defesa, de GLO, para o caso de derrota eleitoral. Chame como quiser: aqui é uma minuta de golpe de Estado", continuou.

Para o ministro do STF, "pretendia-se duas coisas: durante todo o mandato, a extinção do Estado Democrático de Direito, com o apequenamento, a extinção do Poder Judiciário, para governar à margem da Constituição. Ao mesmo tempo, atos executórios para se perpetuar no poder. Se perdesse, golpe de Estado. Se ganhasse, iria acabar com a independência do Poder Judiciário de vez no próximo mandato".

Alexandre de Moraes citou que nas semanas que precederam o 8 de janeiro, torres de energia foram atacadas, para causar caos social, e acampamentos bolsonaristas foram abastecidos para dar apoio à tentativa de golpe, ao mesmo tempo em que Bolsonaro viaja para o Exterior, em uma movimentação para se eximir de culpa. 

Cristiano Zanin no plenário do STF
Legenda: O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, será o último a votar
Foto: Sophia Santos/STF

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O que está em julgamento?

O STF julga a ação penal 2668, que trata de denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República (PGR). São acusados 31 réus, divididos em quatro núcleos:

  • Núcleo 1: envolve oito réus, incluindo Bolsonaro, e é considerado o núcleo "central" ou "crucial" da articulação golpista.
  • Núcleo 2: conta com seis réus que são acusados de disseminar informações falsas e ataques a instituições democráticas.
  • Núcleo 3: é formado por dez réus associados a ataques ao sistema eleitoral e à preparação da ruptura institucional.
  • Núcleo 4: sete réus serão julgados por propagação de desinformação e incitação de ataques às instituições.

Quem faz parte do 'núcleo 1'?

  1. Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
  2. Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
  3. Almir Garnier, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;
  4. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
  5. Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do GSI;
  6. Mauro Cid, tenente-coronel da reserva e ex-ajudante de ordens da Presidência;
  7. Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva e ex-ministro da Defesa;
  8. Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil, além de candidato a vice-presidente em 2022.

Quais são os crimes julgados?

  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • Tentativa de golpe de Estado;
  • Participação em organização criminosa armada;
  • Dano qualificado;
  • Deterioração de patrimônio tombado.

Bolsonaro e advogados no plenário do STF
Legenda: Segundo a acusação, o ex-presidente Jair Bolsonaro seria o chefe da "organização criminosa" que planejou um golpe de Estado no Brasil após as eleições de 2022
Foto: Gustavo Moreno/STF

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Relembre a primeira parte do julgamento

O julgamento teve início na semana passada, quando foram ouvidos o relator do processo no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes, e os argumentos da acusação, representada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet — que é favorável à condenação do grupo.

"A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. A pacificação do País, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições", alegou Moraes em seu discurso, adiantando que o parecer da relatoria também deve ser favorável à condenação.

Alexandre de Moraes durante julgamento no STF
Legenda: O ministro Alexandre de Moraes é o relator do processo no STF
Foto: Fellipe Sampaio /STF

"Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados", acrescentou Gonet.

Depois, em um processo que durou dois dias, foram expostos os últimos argumentos da defesa. Na oportunidade, muitos dos advogados se limitaram a negar ou a tentar diminuir a participação dos réus na trama golpista, enquanto outros escolheram atacar o ministro relator — como no caso do defensor do general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI — ou alegar defesa culpando outros no processo — como fez o criminalista Andrew Farias, representante do general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.

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