Julgamento de Bolsonaro no STF: veja o que aconteceu no primeiro dia
Sustentação oral dos advogados de defesa segue na manhã desta quarta-feira (3)
O primeiro dia de julgamento do chamado "Núcleo 1" da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 foi marcado por recados do relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, e pela consolidação da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. Diante dos magistrados da Primeira Turma do STF, nesta terça-feira (2), a defesa da maioria dos réus buscou negar o envolvimento dos acusados e adotar uma estratégia que sugere maior responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas articulações golpistas.
O ex-mandatário não compareceu ao primeiro dia de julgamento. O réu não é obrigado a fazê-lo, segundo as regras do Supremo, contudo, havia a expectativa da presença do ex-presidente. Ele encontra-se, desde o início de agosto, em prisão domiciliar na capital federal e é obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica, por descumprir uma proibição de se manifestar nas redes sociais. O único réu presente foi o cearense Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa.
Moraes manda recados
A sessão começou por volta das 9 horas, sob presidência do presidente Cristiano Zanin. Logo em seguida, o relator do processo no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes, fez a leitura do relatório do caso.
“A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. A pacificação do País, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições"
Ele exaltou a força da Constituição Federal na democracia brasileira. "Nós chegamos hoje, em 2025, a quase 37 anos da Constituição de 1988 e 40 anos da redemocratização, com uma democracia forte, instituições independentes e economia em crescimento", pontuou.
Para o magistrado, as balizas definidas pela Constituição para o Estado Democrático de Direito se mostraram "acertadas" e "impediram inúmeros retrocessos" ao longo do tempo. Depois disso, ele citou a quantidade de processos ainda em andamento a respeito dos atos de 8 de Janeiro de 2023 e lamentou que, novamente, "se tenha tentado um golpe de Estado [no Brasil], atentando contra as instituições".
Moraes também citou que o STF não aceitará "coações ou tentativas de obstrução" internas ou externas.
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Quem são os réus?
O “Núcleo 1”, ou “núcleo crucial”, é acusado de arquitetar a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Ele reúne oito réus considerados os principais responsáveis pela articulação da trama.
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
- Almir Garnier, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
- Augusto Heleno, general da reserva e ex-ministro do GSI;
- Mauro Cid, tenente-coronel da reserva e ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, general da reserva e ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, general da reserva e ex-ministro da Casa Civil, além de candidato a vice-presidente em 2022.
O que disse a acusação?
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, teve duas horas para explanar a denúncia contra os envolvidos no "Núcleo 1". Segundo ele, Bolsonaro e aliados atuaram de maneira progressiva e sistemática — desde a tentativa de descredibilização das urnas eletrônicas até a "minuta do golpe" em si — para romper a ordem democrática no País.
“Os atos que compõem o panorama espantoso da denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor, como devaneios utópicos”
O procurador lembrou ainda dos acampamentos montados em frente a quartéis do Exército após o sufrágio que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato. À época, os acampados pediam a intervenção militar. "Nada diferente de golpe militar", afirmou Gonet.
Logo após a sustentação acusatória de Gonet, a sessão foi suspensa, retornando somente à tarde com a defesa dos réus.
O que dizem os advogados dos réus?
Inicialmente, os advogados de defesa do réu Mauro Cid, delator no processo, fizeram suas sustentações orais. O advogado Jair Alves Ferreira pontuou a trajetória do militar no Exército e negou que ele teria sido coagido pela Polícia Federal ou por Moraes durante a delação premiada.
A defesa pontuou que Cid "falou tudo que sabia" nos depoimentos de colaboração premiada, e que ele não tinha conhecimento dos planos do suposto golpe.
"Ele [Mauro Cid] falou tudo que sabia, e falar tudo que sabe, e praticar tudo que se sabia é diferente. A vida dele seguia fora da ajudância de ordem, e ser ajudante só atrapalhou a vida dele. Ele não confessou nada porque não tinha conhecimento do Punhal Verde Amarelo. Não fazia parte de grupos, ele só recebeu um arquivo. Ele não tinha conhecimento dos planos", declarou Jair Alves.
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Segundo o advogado Cezar Roberto Bittencourt, não há provas concretas contra Cid e "não há uma linha que demonstre a intenção de Mauro Cid em subverter o regime atual vigente". Ele fala que Mauro só tinha "presença física e institucional" por seu trabalho com o ex-presidente Bolsonaro: "Isso não é crime, nem aqui e nem na China".
Em seguida, foi a vez do advogado Paulo Cintra, advogado do réu Alexandre Ramagem. Ele negou que o deputado federal tenha participação em organização criminosa que planejou a tentativa de golpe.
A defesa negou que Ramagem atuou elaborando uma mensagem de descrédito às urnas. Paulo ainda disse que os trechos que se têm falam de pensamentos "publicizados" por Bolsonaro: "Ramagem não atuou para orientar, não era e ensaísta de Jair Bolsonaro, ele compilava pensamentos do presidente", argumentou. Ainda conforme ele, “não há prova concreta de que esses documentos (sigilosos da Abin) tenham sido transmitidos”.
O advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa do almirante da reserva Almir Garnier, dedicou um amplo período da defesa para fazer elogios aos magistrados da Primeira Turma. Ele também ponderou que sentiu “pena” do militar, que tem 65 anos e cuida da mãe, com 93 anos. Segundo o advogado, Garnier não tinha recursos para bancar a própria defesa. Conforme o Portal da Transparência do Governo Federal, no mês de junho deste ano, a remuneração do militar chegou a quase R$ 44 mil.
Seguindo em sua sustentação, Demóstenes criticou a PGR e disse que condenar aqueles que questionam o processo eleitoral ou mesmo militam contra o Estado democrático de direito é uma forma de “criminalização do discurso”.
A defesa de Garnier também tentou minimizar a participação do militar e colocar os holofotes sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, alegando que o mandatário é chefe dos militares. “Todo mundo está indo de embrulho por conta do Bolsonaro”, completou.
Demóstenes ainda arrancou risos do público presente na sessão ao dizer que conseguia gostar de Bolsonaro e de Moraes. 'Se Bolsonaro precisar que eu leve cigarro para ele, conte comigo', disse o advogado.
O último advogado a fazer sustentação nesta terça-feira foi Eumar Novacki, que representa Anderson Torres. Ele negou que a viagem do então secretário da Segurança Pública do DF para os Estados Unidos fizesse parte de qualquer plano golpista, reforçando que era algo planejado desde novembro de 2022 e que o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), estava ciente.
A defesa de Torres também fez questionamentos diretos à PGR, acusando o Ministério Público de tentar confundir a opinião pública e os ministros do STF. O advogado também minimizou a importância da “minuta do golpe”, encontrada na casa do ex-secretário.
“Não tinha valor algum, nunca circulou, nunca foi discutida, não fazia sentido”, concluiu.
O que está sendo julgado?
A ação penal (AP 2668) foi aberta depois de o STF aceitar denúncia oferecida pela PGR sobre a tentativa de tentativa de ruptura da ordem democrática no Brasil. Ao todo, trinta e um acusados se tornaram réus e foram divididos em quatro núcleos — o "núcleo 1", do qual Bolsonaro faz parte, é considerado o principal na articulação golpista.
O julgamento, que começou nesta terça-feira, será retomado na quarta-feira (3) com a sequência da sustentação oral dos advogados.
Ainda irão se pronunciar as defesas dos réus:
- Augusto Heleno;
- Jair Bolsonaro;
- Paulo Sérgio Nogueira;
- Walter Braga Netto.
Todo o “núcleo 1” responde por cinco crimes:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Participação em organização criminosa armada;
- Dano qualificado;
- Deterioração de patrimônio tombado.
Quem vai julgar?
O STF tem duas turmas, cada uma tem cinco ministros e é presidida pelo mais antigo entre os membros. A turma que julga o "núcleo 1" da trama golpista é composta pelos ministros: Cristiano Zanin (presidente), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Moraes é o relator do caso e, depois de todas as manifestações, ele dará seu voto pela condenação ou pela absolvição dos réus. Em seguida, votam, na ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A decisão pela absolvição ou pela condenação é tomada por maioria de votos.
Quanto tempo deve durar o julgamento?
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus deve seguir até o próximo dia 12 de setembro, segundo previsão estipulada pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Os votos dos cinco ministros serão apresentados entre 9 e 10 de setembro, enquanto a sentença deve ser dada, ainda conforme a previsão, no dia 12 de setembro.