O que o Ceará perde com o atraso na entrega do Anel Viário?
Obra do 4º Anel Viário se arrasta há 15 anos e gera prejuízos à economia do Ceará.
A lentidão na entrega do 4º Anel Viário de Fortaleza impacta negativamente o desenvolvimento econômico do Ceará, segundo fontes especializadas. Ao longo dos últimos 15 anos, as obras da via sofreram atrasos e passaram pelo comando de diferentes empresas, comprometendo a logística do Estado, a competitividade econômica e o desenvolvimento portuário.
Recentemente, a operação registrou nova paralisação após trabalhadores relatarem falta de pagamento.
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Para o coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Heitor Studart, a situação é preocupante, considerando que o trecho é o rodoviário estruturante mais importante do Estado porque interliga as três principais BRs do Ceará: a BR-116 (ligando Fortaleza ao Sul/Sudeste), a BR-222 (conectando a capital ao interior, passando pelo Porto do Pecém) e a BR-020 (ligando o litoral ao sertão, até a divisa com o Piauí).
Na visão do especialista, o projeto da construção está defasado, tanto financeira quanto logisticamente.
“Nesse contrato, não tem acostamento, não tem canteiro central, não tem faixa de pedestre, não tem ciclovia, não tem ligações para nenhum distrito industrial, as alças de nenhum viaduto estão contempladas, não contempla a iluminação nem horizontal, nem vertical”
Heitor lembra, também, que uma das empresas a assumir as obras já estava em recuperação judicial no momento do acordo. O negócio em questão é a Coesa Construção e Montagens, que está nessa situação desde outubro de 2021. Com sede em São Paulo, a empresa atua com serviços de engenharia, construção e aluguel de máquinas e equipamentos comerciais.
Segundo o vice-presidente do Sindicato da Indústria de Construção Pesada do Ceará (Sinconpe/CE), Eduardo Aguiar, ao longo do processo de obras no 4º Anel Viário de Fortaleza, já foram constatados problemas como falta de pagamentos, divergência de opiniões entre a Superintendência de Obras Públicas (SOP-CE) e as empresas contratadas e dificuldade de aprovação por parte do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
O especialista aponta que a dificuldade mais evidente no processo é o caráter descontínuo da obra, uma vez que diversas empresas já estiveram encarregadas da construção.
“Não é uma obra que você está começando do começo e seguindo um cronograma executivo com início, meio e fim. Você trabalha num pedaço, aí salta, trabalha em outro lá na frente. Essa descontinuidade é muito improdutiva. E quem vem por último sofre ainda mais porque o que tem de pior para ser executado na obra vai ficando para o fim”, aponta.
Outro ponto que pode contribuir para a demora nas obras, de acordo com Eduardo, é a escolha do turno diurno para a construção. Conforme destacado pelo vice-presidente do Sinconpe/CE, as intervenções em grandes vias de centros urbanos são comumente realizadas no período noturno, uma vez que o grande fluxo no local prejudica a produtividade da operação.
A equipe de reportagem questionou o Governo do Estado sobre o horário das obras, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto para esclarecimentos.
Desenvolvimento portuário e abastecimento comercial prejudicados
Além do transtorno para os usuários da via e residentes do entorno, o atraso das obras no 4º Anel Viário de Fortaleza tem gerado entraves logísticos no abastecimento de portos e centros comerciais cearenses. É o que salienta o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Ceará (Setcarce), Marcelo Maranhão.
Ele esclarece que, além de interligar os principais corredores logísticos no Estado, o trecho serve de ligação entre o Porto do Mucuripe e o Complexo do Pecém. Nesse cenário, devido aos obstáculos causados pela obra, o acesso a ambos os pontos é dificultado, resultando em perda de cargas para portos como o de Natal e de Pernambuco.
“O impacto é muito grande, imensurável. Por exemplo, uma carga que vem de Mossoró para ser embarcada no Porto do Pecém, são 270 km, que se fazia em 4, 5 horas. Hoje, tá levando 7, 8 horas. A gente está perdendo carga para outros portos por conta da deficiência de trafegabilidade no Anel Viário”
Esse entrave logístico está sendo sentido com mais intensidade há cerca de cinco anos, diz Marcelo. Para o presidente, o crescimento do Porto do Pecém poderia ser ainda maior caso as obras do Anel fossem concluídas, principalmente em relação ao setor de fruticultura.
Outras regiões afetadas, segundo Maranhão, são o Distrito Industrial de Maracanaú e a Região Metropolitana, composta por municípios como São Gonçalo do Amarante, Paracuru, Caucaia, Eusébio, Beberibe e Cascavel, cujo abastecimento é afetado com o atraso das obras.
Custos elevados
O aumento do custo do frete das cargas transportadas para as empresas contratantes também é uma consequência negativa dessa realidade.
“Devido à baixa capacidade produtiva dos caminhões, as transportadoras precisam remunerar seus investimentos, e consequentemente aumentar o preço do frete”, evidencia Maranhão.
Outro resultado negativo é o aumento nos custos da obra. Eduardo Aguiar lembra que, ao longo dos anos, fatores como a inflação e o preço dos insumos e derivados de petróleo tiveram os valores elevados.
“O preço dos equipamentos subiu demais depois da pandemia, os agregados pétreos, a brita também subiu, então sensivelmente aumentou o valor, não há dúvida”, reflete.
Qual a solução?
Após a última paralisação nas obras do 4º Anel Viário de Fortaleza, o Governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), afirmou que a empresa contratada não seguiu o cronograma anteriormente combinado com o poder público.
A declaração foi feita durante almoço com empresários, na tarde desta sexta-feira (12), na Federação das Indústrias do Ceará (Fiec).
Frente a esse descumprimento, Elmano indicou o estabelecimento de um novo cronograma, além da contratação de novas empresas para garantir que o planejamento seja seguido.
Na visão de Heitor Studart, a solução para o problema passa, na verdade, por uma necessidade de “começar do zero”, com a produção de um novo projeto.
O especialista da Fiec sugere, ainda, a realização de uma Parceria Público-Privada (PPP).
“Nas condições atuais que está sendo tocado esse contrato, não deixará em boas condições a rodovia. É zerar e fazer um projeto completo, definitivo, bem feito dessa vez, porque não adianta ficar tocando esse contrato que tá aí. É um contrato que, como já demonstrou, não se mantém de pé”, alerta.
Por outro lado, o vice-presidente do Sinconpe/CE, Eduardo Aguiar, acredita que o Governo deve insistir no consórcio atualmente responsável pelas obras e resolver as possíveis pendências, já que o rompimento do contrato acarretaria em ainda mais atrasos.
Para ele, pode ter faltado compreensão e flexibilidade por parte do poder público nos últimos contratos, o que resultaria na constante mudança de empresas.
“Eles (o Governo) têm que buscar solução com quem tá fazendo agora, que é algo que eles deveriam ter feito já nos últimos consórcios”
Mesmo finalizado, Anel Viário não será suficiente
Com o aumento do volume de caminhões e demais veículos ao longo dos anos, a capacidade de tráfego do Anel Viário está praticamente esgotada, garante o presidente do Setcarce, Marcelo Maranhão.
De acordo com o especialista, outra construção deve ser priorizada pelo Governo do Estado: o Arco Metropolitano, que ligará o município de Pacajus ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP).
"Já é uma necessidade. Essa caixa já está estourada. Nós precisamos de uma nova caixa para viabilizar toda essa logística. Então, como uma obra estruturante dessa leva algum tempo, é preciso que tão logo seja concluído o 4º Anel Viário, a gente comece a pensar no Arco Metropolitano”, frisa.