Tarifa zero nos ônibus de Fortaleza é viável? Saiba o que dizem especialistas

Grupo de trabalho da prefeitura analisa se gratuidade para estudantes é praticável na cidade

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Frota de ônibus de Fortaleza se aproxima de 1.400 veículos em dias úteis
Foto: Helene Santos

Pagar passagem de ônibus para se deslocar pela cidade pode parecer despesa simples, mas para muitos, principalmente quem não tem renda, é gasto pesado. Para facilitar o acesso, a Prefeitura de Fortaleza estuda aplicar tarifa zero a estudantes. O anúncio foi feito pelo prefeito José Sarto, em visita ao Sistema Verdes Mares, no dia 29 de dezembro. 

Mas esse “passe-livre” é viável?

Em 2022, o valor repassado por Município e Estado para subsidiar o sistema de ônibus da capital cearense foi de R$ 6 milhões por mês. Mas o custo mensal para manter o transporte público era de aproximadamente R$ 50 milhões, segundo o Sindiônibus.

No Brasil, 49 cidades têm tarifa zero total, e outras 4 aplicam a gratuidade somente em alguns dias da semana, linhas ou regiões – como São Luís (MA), por exemplo, única capital com medida deste tipo, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Em Fortaleza, o “passe-livre” começaria por estudantes – “mas se der, (pode contemplar a população) de modo geral”, como afirmou o prefeito José Sarto ao Bom Dia Ceará.

O Diário do Nordeste conversou, então, com especialistas e agentes do sistema de transporte para saber que obstáculos a gestão pública pode enfrentar para concretizar a proposta e quais as alternativas possíveis.

Demanda de milhões

Fortaleza tem quase 2,6 milhões de habitantes, segundo a prévia do Censo 2022, divulgada pelo IBGE. Em média, 600 mil passageiros são transportados diariamente na cidade – dos quais 60 mil são estudantes, segundo o presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira.

Em resposta à reportagem, porém, a Empresa de Transporte Urbano (Etufor) informou que quase 285 mil carteirinhas de estudante foram solicitadas no ano passado. 

2,1 milhões
de viagens por mês foram feitas por estudantes, em média, em 2022. Se todas fossem pagas, o montante se aproximaria de R$ 4 milhões.

O sistema de transporte público urbano conta, em dias úteis, com uma frota de cerca de 1.400 veículos rodando e 6 mil funcionários diretos em 10 empresas concessionárias do serviço. São alguns dos números que precisam entrar na avaliação de um passe-livre.

O presidente da NTU, Francisco Christovam, pontua que a definição da tarifa cabe aos municípios, e que “zerar” a cobrança é uma prática atravessada por desafios orçamentários.

Se o prefeito tiver recursos ou criar receitas extratarifárias, é possível. Temos consciência de que bancar transporte de qualidade só com a tarifa é impossível, o usuário não tem condição de, sozinho, garantir o pagamento de um transporte de qualidade.
Francisco Christovam
Presidente-executivo da NTU

O especialista cita que as cidades de Paranaguá (PR) e Macaé (RJ) praticam a tarifa zero, mas que “são cidades com fontes de recursos diferenciadas, que recebem inclusive royalties de petróleo”. Das cidades com “passe-livre”, 46 têm no máximo 250 mil habitantes.

“A tarifa de ônibus é uma tema político e social, e a cobrança dela é ato discricionário dos prefeitos. Mas a equação tem que fechar”, acrescenta Christovam.

Em Fortaleza, a Etufor só disponibiliza a gratuidade, mediante cadastro, para idosos a partir de 65 anos, pessoas com deficiência e crianças até 7 anos incompletos ou até 1,10 m de altura.

“Objetivo quase utópico”

Quem tem direito a passagem gratuita nos ônibus de Fortaleza
Legenda: Idosos a partir de 65 anos, crianças de até 7 anos e pessoas com deficiência podem solicitar gratuidade
Foto: Thiago Gadelha

Para o presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira, a intenção de aplicar tarifa zero a estudantes – e, no futuro, à população em geral – “é ousada, mas demonstra sensibilidade do prefeito”, uma vez que o transporte é, no fim das contas, um direito básico.

Apesar disso e de reconhecer “a tarifa zero como aconteceu em Caucaia, por exemplo, é um objetivo de muitas cidades”, Dimas opina que é uma meta “quase utópica”

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A ideia ainda não foi discutida com a gente. A preocupação óbvia agora é que ele (Sarto) tem que ter espaço no orçamento, que precisa ser custeado. Pior do que um serviço caro é um serviço inexistente.
Dimas Barreira
Presidente do Sindiônibus

O gestor aponta que os aplicativos de transporte individual têm mudado a dinâmica de deslocamento do fortalezense. “Quem sustenta o sistema de ônibus é quem faz curtas distâncias e paga inteira. Mas se sobe a passagem, essa pessoa vai pro Uber”, ilustra.

Dimas destaca, por outro lado, que a implementação de uma futura tarifa zero nos ônibus de Fortaleza teria, além de desafios, muitos impactos positivos.

“Uma vez implementada, haveria melhora no trânsito e aqueceria o comércio. Sempre que há estímulos ao transporte coletivo, isso atende à cidade: mesmo quem não usa ônibus é impactado, ainda que não perceba”, avalia.

Alternativas para sustentar a tarifa zero

Das 5 cidades nordestinas que ofertam gratuidade na passagem, 4 são cearenses, segundo a NTU:

  • Eusébio, desde outubro de 2010;
  • Aquiraz, desde outubro de 2018;
  • Caucaia, desde setembro de 2021;
  • Maracanaú, desde maio de 2022, para estudantes e usuários no CadÚnico.

Legenda: Eusébio foi pioneira no Estado e ampliou o serviço ao longo dos anos.
Foto: Prefeitura do Eusébio

O preço médio para manter o sistema de transporte público urbano da Capital em 2023 ainda não foi definido, conforme Dimas Barreira. Ano passado, ele lembra, era da ordem de R$ 50 milhões.

“Mas teve muita mudança, o combustível subiu muito, a mão de obra e os veículos”, contextualiza, adicionando que “a frota precisa ser renovada para não afetar a qualidade do serviço”.

Em estudo publicado no ano passado, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos listou 8 possíveis alternativas “extratarifárias” para custeio do serviço:

  • Tarifa sobre exploração de serviço de transporte remunerado por aplicativo;
  • Exploração de estacionamentos rotativos ou de longa duração ao longo das vias públicas;
  • Custeio por orçamento da União, dos Estados e dos municípios;
  • Multas de trânsito;
  • Multas pelo transporte irregular de passageiros;
  • Taxa sobre a exploração de estacionamentos privados de automóveis e outros polos geradores de tráfego e atividades com externalidades negativas;
  • Tarifa de congestionamento ou pedágio urbano em vias municipais;
  • Contribuição semelhante à de Iluminação Pública.

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Mas para aplicá-las, reforça Francisco Christovam, “é preciso haver estudos técnicos muito bem embasados, para que a medida não seja apenas política e, depois, os gestores voltem atrás”.

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