Santas Casas e hospitais filantrópicos demitem funcionários e têm risco de fechar, diz entidade
A situação é emergencial devido à publicação da lei de piso salarial da enfermagem. Provedor da Santa Casa confirmou que há um déficit financeiro por conta da desatualização da tabela do SUS
As Santas Casas e os hospitais filantrópicos do Ceará estão em situação emergencial devido ao impacto financeiro oriundo da Lei que estabelece o piso nacional dos profissionais de enfermagem, informou, em nota, a Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Ceará (FEMICE), nesta quinta-feira (18).
"Os hospitais já iniciaram a redução de quadros de colaboradores, de leitos, e, consequentemente, os atendimentos à população cearense. Algumas, inclusive, estão na iminência de fechamento", diz o comunicado.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Rafael Vieira, médico e presidente da FEMICE, afirmou que, caso uma fonte adequada de financiamento não surja, haverá ainda mais demissões.
"Terá redução de quadro de funcionários em geral, não só da enfermagem, além da redução do número de leitos e da prestação de serviço aos cidadãos. Na pior das hipóteses, já tem hospital cogitando o fechamento", comentou.
Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza
Luis Marques, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, confirmou a gravidade da situação. O profissional afirmou que, atualmente, há um déficit financeiro por conta da desatualização da tabela do SUS, que há 15 anos não sofre reajuste da ordem de R$ 2 milhões por mês. Com a obrigação do piso salarial da enfermagem, ele vê o cenário piorar.
"Com o teto da enfermagem, o cálculo que nós já temos é que a nossa folha mensal será onerada em cerca de praticamente um R$ 1 milhão. Então, esse valor se juntaria a esse déficit mensal de R$ 2 milhões, totalizando R$ 3 milhões. Se não houver uma fonte de financiamento do governo para cobrir esse déficit, é óbvio que a Santa Casa de Fortaleza não pode resistir muito tempo", explicou.
"Nós não podemos acumular mensalmente um déficit de R$ 3 milhões, que às vezes varia para menos, dependendo da generosidade das doações do povo cearense. Não tem condições de sobrevivência se faz 15 anos que a tabela do SUS não é reajustada. É inevitável que ocorra o fechamento hospitais filantrópicos em massa", completou.
Financiamento
Rafael Vieira ainda informou que a federação aguarda a publicação, até o dia 25 de agosto, da definição da fonte de financiamento do Governo Federal.
"Alguns hospitais já iniciaram as demissões. O novo piso já deve ser incorporado na próxima folha de pagamento, em setembro. O departamento jurídico dos hospitais tem aconselhado que se faça o pagamento, mas também se faça a redução do quadro [de funcionários] para suportar o impacto", completou o médico.
O profissional estima que, no Ceará, o impacto financeiro na folha de pagamento dos hospitais filantrópicos é de, aproximadamente, R$ 11 milhões por mês.
"É uma categoria que já passa por dificuldades de contratação com ente público, e absorver o impacto dessa natureza é impossível", argumentou.
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Para o presidente da FEMICE, a imposição do piso salarial da enfermagem deveria vir acompanhada da indicação de uma fonte de custeio às entidades de saúde.
"O problema é que a imposição do piso deveria vir acompanhada da indicação de uma fonte de financiamento, já que nós estamos tratando de hospitais que prestam a maior parte do seu atendimento ao SUS. Esses hospitais deveriam receber uma contrapartida, ter uma fonte estipulada pelo Governo Federal, o que não aconteceu até agora", assegurou.
Dívida da prefeitura de Fortaleza
Conforme Luis Marques, a prefeitura de Fortaleza tem uma dívida de cerca de R$ 28 milhões com a Santa Casa da Misericórdia.
"A Santa Casa tem para receber, por força de uma lei, a ordem de R$ 28 milhões do município de Fortaleza. Ainda estamos em negociações para saber como receber esse dinheiro, que já praticamente não pertence à Santa Casa, ela pertence aos prestadores, às cooperativas médicas que trabalham conosco, aos cirurgiões anestesistas que nós já estamos devendo uma importância significativa", disse.
Piso salarial de enfermagem
Em 4 de agosto deste ano, o piso salarial da enfermagem foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Piso da Enfermagem define o piso para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem - além das parteiras - pela primeira vez. Com isso, o menor valor que deverá ser pago à categoria varia entre R$ 2.375 e R$ 4.750, conforme a função.
Com a definição, as unidades de saúde públicas e privadas devem adequar o pagamento da classe. Até então, não havia salários-base para esses profissionais da saúde.
A mudança deve custar R$ 596 milhões às 184 prefeituras do Ceará, conforme previsão da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) publicada pela colunista do Diário do Nordeste Jéssica Welma.
"Eu quero dizer que a Santa Casa é absolutamente favorável ao aumento do teto da enfermagem. Nós não somos contra. Nós não podemos é arcar com esse ônus se não houver uma ajuda do governo federal, estadual ou municipal", defendeu Luis Marques.