O Brasil registrou 138.505 novas ações judiciais relacionadas a cartões de crédito entre janeiro e setembro deste ano, o período mais recente disponível. É o que aponta levantamento inédito com base no BI (Business Intelligence) do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por meio da consolidação dos dados e da verificação dos assuntos presentes nas tabelas de gestão processual do órgão. Esse número representa uma média de 505 processos ajuizados por dia pelos consumidores.
A região Nordeste concentra aproximadamente 29% das ações iniciadas no período, totalizando 39.116 pedidos judiciais relacionados a problemas com produtos de crédito, uma proporção significativa do total de ajuizamentos no País. Na região, o estado da Bahia registra o maior número de ações, com 31.017 novos processos, seguido de Alagoas, com 10.169.
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O menor índice foi apresentado pelo estado de Roraima, que contabilizou 26 processos iniciados nesse mesmo período, seguido pelo Mato Grosso do Sul, com 244, e pelo Amapá, com 371 processos. O Mato Grosso do Sul também teve a maior queda de ajuizamentos, com uma redução de 61,9%. Em 2023, o País registrou 181.834 novas ações relacionadas a produtos de crédito, com uma média de 498 processos iniciados por dia. Estados das regiões Norte e Nordeste, como Amazonas, Piauí e Rondônia, apresentaram um crescimento expressivo no número de ações iniciadas entre 2022 e 2023, com aumentos de 231,6%, 109,9% e 100,8%, respectivamente.
A tendência de alta nos processos relacionados a cartão de crédito pode ser atribuída a diversos fatores. Em primeiro lugar, o aumento da taxa básica de juros (Selic) nos últimos anos tem elevado o custo do crédito, o que impacta diretamente os consumidores que dependem do cartão como uma forma de financiamento. Além disso, o crescimento das operações digitais trouxe novos desafios, com muitas pessoas cada vez mais vulneráveis a fraudes e a práticas abusivas de cobrança, algo que ficou ainda mais evidente na pandemia.
Outro fator que contribui para o crescimento das ações judiciais é o aumento do endividamento das famílias brasileiras.
Com a inflação e os juros altos, muitas pessoas têm buscado no cartão de crédito uma solução para cobrir despesas essenciais, mas acabam se perdendo nas parcelas. Como resultado, o número de inadimplentes cresce, assim como as disputas com as operadoras de cartão de crédito.
De acordo com João Valença, advogado consumerista do VLV Advogados, "o cartão de crédito pode ser um catalisador para o endividamento da população, especialmente devido às altas taxas de juros do crédito rotativo e à falta de educação financeira. Além disso, a facilidade das compras online e o consumo impulsivo são fatores que agravam a situação". Ele também destaca que a falta de um controle mais rigoroso sobre as próprias finanças é um dos maiores vilões nesse cenário.
Por isso, é tão importante que as pessoas tenham mais consciência no uso do crédito e façam um planejamento financeiro eficiente"
Com relação às situações mais comuns em que os consumidores enfrentam problemas com as operadoras de cartões de crédito, João Valença explica que "muitos consumidores enfrentam dificuldades com cobranças indevidas ou duplicadas, falhas no estorno de valores e problemas relacionados à segurança, como fraudes e clonagem dos cartões". Ele também destaca que o atendimento deficiente, que impede a resolução rápida dos problemas, é um dos principais pontos de atrito entre consumidores e operadoras de crédito.
Mayra Sampaio, advogada especializada em Direito do Consumidor, complementa que "os juros abusivos, a falta de suporte por parte do banco e até mesmo o fato de serem, por vezes, inflexíveis são alguns dos fatores que mais geram atritos. Além disso, temos as cobranças indevidas, quando a pessoa nem tem a dívida, mas ainda assim é cobrada". Essa prática, segundo ela, está entre as principais causas do aumento de processos judiciais na área.
Para evitar problemas com cartões de crédito, a especialista recomenda que os consumidores monitorem suas transações regularmente, verifiquem sempre as condições de uso e contratos de suas operadoras, e que protejam seus dados pessoais. "Em casos de cobranças indevidas, é essencial que o consumidor entre em contato imediatamente com a operadora e, se necessário, registre uma reclamação no Procon ou utilize plataformas como o Consumidor.gov.br", acrescenta João Valença.
Em relação à segurança das compras online, Brisa Nogueira, advogada especializada em Direito do Consumidor, alerta que "o aumento de compras feitas de forma online, onde o cartão de crédito é o instrumento mais utilizado, é um dos principais fatores que contribuem para o crescimento de ações judiciais relacionadas a este tema.
Os consumidores precisam estar atentos aos sites em que fazem compras e à proteção de seus dados bancários". Ela também sugere a adoção de medidas de segurança, como a utilização de sistemas de autenticação para garantir que as transações sejam realizadas de forma segura.
Diante do crescimento expressivo do número de ações judiciais envolvendo cartões de crédito, especialmente com o aumento da utilização do crédito no Brasil, é fundamental que os consumidores estejam mais atentos e informados sobre seus direitos.
A educação financeira, a conscientização sobre os riscos do endividamento e a adoção de hábitos mais cautelosos são medidas essenciais para evitar problemas com as operadoras de crédito. Além disso, ao enfrentarem cobranças indevidas ou práticas abusivas, os consumidores têm à sua disposição recursos legais e institucionais que podem ser acionados para garantir a resolução das disputas de forma justa e rápida.