Saiba a história do Edifício São Pedro, que foi hotel de luxo e nasceu há 73 anos na orla de Fortaleza
Prédio teve múltiplas influências e funcionou como ponto de encontro da elite econômica da Capital
A imponência e o luxo da concepção do Edifício São Pedro, na Praia de Iracema, em Fortaleza, mudaram ao longo dos últimos 70 anos: hoje, o que resta é um espaço de abandono e decadência, prestes a ser demolido pela Prefeitura de Fortaleza. Em breve, as lembranças de um prédio pioneiro na cidade ficarão restritas apenas a fotografias, estudos escritos e memórias de quem viveu por lá.
O Edifício São Pedro não recebeu esse nome inicialmente. Inaugurado em 1951 como Iracema Plaza Hotel, foi o primeiro prédio e o primeiro hotel da orla, abrindo caminho para esse tipo de atividade na Praia de Iracema.
Idealizado pelo empresário sobralense Pedro Philomeno Gomes, ele recebeu influência arquitetônica de hotéis de Miami, nos Estados Unidos. Popularmente chamado de “Copacabana Palace cearense”, tinha um formato que lembra um cruzeiro e foi erguido em concreto armado, sendo um dos pioneiros no uso dessa tecnologia na cidade.
Devido a um grande evento que iria acontecer na Capital e à falta de local para abrigar os visitantes, o governador solicitou à imobiliária de Philomeno Gomes, proprietária do imóvel, que parte do prédio fosse transformada em hotel.
Para o presidente do departamento cearense do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-CE), Jefferson John, o São Pedro trouxe novidades tanto na forma arquitetônica quanto em seu programa de uso.
“Foi o primeiro hotel a sair do Centro da cidade e a se instalar no litoral, sendo pioneiro em uma vocação que a cidade construiu após a sua implantação. Hoje, a orla de Fortaleza é ocupada por condomínios de alto padrão e a rede hoteleira”, considera.
As características físicas também são únicas na cidade, apresentando “um caráter eclético, influenciado por um movimento que mescla algumas características de um certo protomodernismo ou art déco”. “Não é fácil enquadrá-lo em um padrão exato de um estilo arquitetônico”, aponta o arquiteto.
Como era o Edifício
Ao todo, ele tinha sete andares - o último inacabado, por uma lenda de que o dono sonhou que morreria se o completasse -, cerca de 100 apartamentos de hospedagem, salões de convenções, café, barbearia e cerca de 40 apartamentos residenciais de mais de 200 metros quadrados.
À época da construção, o Iracema Plaza era rodeado de coqueiros e permitia aos frequentadores avistar a serra de Maranguape, que ficava a cerca de 40 km de distância. “Isso só era possível porque não havia nenhum outro prédio com mais de três andares na orla de Fortaleza”, indicam as pesquisadoras Alessandra Oliveira e Virna Benevides no artigo "Gaiola em decomposição, a história do Edifício São Pedro".
Em seus tempos áureos, funcionou como ponto de encontro para a elite econômica de Fortaleza - geralmente no restaurante Panela, localizado no térreo do edifício. Seu auge ocorreu na década de 1960.
No fim da década de 1970, devido à baixa procura, o hotel foi desativado e passou a servir apenas como residência e comércio. Nesse período, também trocou de nome e passou a ser chamado de Edifício São Pedro. A última reforma data de 1980.
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Em matéria de 2003, o Diário do Nordeste já mostrava a degradação do local. Segundo a reportagem, “o edifício São Pedro não oferece segurança nenhuma aos moradores: o prédio, em si, está mal cuidado e até cachorro de médio porte anda pelo elevador sem nenhuma restrição”.
Jefferson John, do IAB-CE, entende que o que contribuiu para a deterioração do Edifício foi “seu declínio econômico enquanto negócio e falta de habilidade dos proprietários em achar alternativas para novos usos, para que o mesmo pudesse ter a devida manutenção preventiva”.
Seja o bem próximo ao litoral ou distante, requer procedimentos que são mensais e anuais. Prevenir (dar manutenção) é bem mais barato do que remediar. O preço pago pelo abandono da edificação está aí: a edificação com graves problemas estruturais e, segundo as informações que nos chegam oficialmente, em uma condição de inviabilidade financeira para sua recuperação.
Tombamentos frustrados
O São Pedro foi tombado provisoriamente pela Prefeitura de Fortaleza em 2006, após solicitação dos proprietários do imóvel. Em setembro de 2015, o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza (Comphic) aprovou, por unanimidade, o tombamento definitivo da edificação.
Segundo a instrução de tombamento, o Edifício “é um marco de enorme importância na construção da imagem da cidade graças ao seu estilo arquitetônico e sua excêntrica e maciça volumetria que se destaca do seu entorno”.
Em 2015, foi apresentada uma nova proposta arquitetônica com a construção de uma torre de 97 metros no “miolo” do imóvel, mas mantendo a estrutura externa. Já naquele ano, o prédio tinha condições críticas, com quedas de reboco, infiltrações e ferragem na fachada. No térreo, os acessos haviam sido fechados com alvenaria.
No entanto, após anos de espera, o tombamento definitivo foi indeferido por decisão assinada pelo prefeito Sarto Nogueira, em agosto de 2021. Para a Prefeitura, a manutenção da estrutura seria "inviável".
Em novo esforço, de 2022, o Governo do Estado decretou a utilidade pública do local para fins de desapropriação - assim, seria recuperado e transformado em equipamento cultural gerido pela Secretaria de Turismo (Setur). Porém, em novo revés, o Governo revogou o decreto em julho do ano passado, e o prédio voltou a ser de domínio da família Philomeno Gomes.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) chegou a ser acionado no caso para uma possível proteção federal, mas também rejeitou o pedido. “Concluímos que o imóvel não apresenta elementos suficientes para a identificação da representatividade nacional para a memória, a identidade, a história e a formação da sociedade brasileira”, declarou em documento.
Agora, em março de 2024, a Prefeitura de Fortaleza decide pela demolição total do empreendimento, sob a justificativa de riscos estruturais e conclusão do projeto de revitalização da Praia de Iracema. O processo deve ser concluído em até 90 dias.
Linha do tempo do desgaste
A estrutura do São Pedro está oficialmente condenada desde setembro de 2014, quando a Defesa Civil de Fortaleza realizou uma visita e constatou “risco iminente de colapso” diante da grave deterioração de vigas de sustentação, paredes, forros e instalações elétricas e hidráulicas.
Em 2015, a Secretaria Regional II notificou o proprietário sobre a necessidade de adotar “providências urgentes” quanto ao imóvel. Veja a sequência:
- 2012 – Laudo técnico pericial da Prefeitura de Fortaleza alerta para “risco crítico” estrutural
- 2014 – Condenado pela Defesa Civil
- 2015 – Titular da SER II pede à AMC interdição de parte da Av. Historiador Raimundo Girão, por iminência de colapso de uma mureta do 8º andar do Edifício
- 2015 – Relatório do CREA condena a estrutura do São Pedro, recomenda escoramento e isolamento do entorno e prevê desabamento
- 2018 – Edifício também é condenado pelo Grupo de Pesquisa em Materiais de Construção e Estruturas (Gpmate/UFC)
- 2019 – O Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil reitera risco estrutural do edifício: “não há como determinarmos por quanto tempo a estrutura permanecerá estável, sem risco de colapso estrutural”
Além dos desgastes físicos, ao longo dos anos, diversos problemas ocorreram nas dependências do prédio - habitado, em geral, por pessoas em situação de rua. Em abril de 2021, por exemplo, uma jovem de 23 anos morreu após cair do terceiro andar numa tentativa de grafitar as paredes.
Uma semana depois, um incêndio de pequenas proporções atingiu um dos andares do edifício. Em novembro de 2022, o prédio voltou a queimar, mas as chamas foram contidas pelo Corpo de Bombeiros. Apesar dos riscos, grupos de jovens já foram flagrados no topo da edificação.