Réplica do Edifício São Pedro é sugerida para retomar uso do prédio; desapropriação ainda é impasse
Imóvel segue deteriorado na Praia de Iracema e, até agora, nenhuma ação foi ajuizada pelo Estado para desapropriá-lo. Donos dizem querer atualizar proposta de uso
Desde que foi desocupado em 2015, o destino do emblemático Edifício São Pedro, erguido em 1951, na Praia de Iracema, em Fortaleza, tornou-se absolutamente incerto. Em 2023, com a estrutura degradada e sem a certeza que a desapropriação decretada pelo Governo do Estado há 1 ano e 4 meses, em março de 2022, de fato, sairá do papel, o antigo Hotel Iracema Plaza é novamente alvo de propostas.
Uma construtora de Fortaleza manifesta desejo de comprá-lo, enquanto os proprietários do prédio afirmam que querem retomar o projeto já apresentado à Prefeitura em 2015, de construção de uma torre de cerca 97 metros no centro do imóvel, mas, agora com uma atualização: demolir a atual estrutura, tendo em vista a situação da mesma, e construir uma réplica do antigo hotel - do 1º ao 6º andar - ao redor da elevação a ser erguida.
Mas, não há possibilidade de concretização de nenhum dos planos da iniciativa privada, pois a questão da desapropriação precisa ser resolvida. A posse do imóvel só tem a chance de voltar aos proprietários particulares se, após 5 anos a contar de março de 2022, a desapropriação não for executada adequadamente pelo Governo do Estado.
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Isso porque no dia 17 de março de 2022, quando a Prefeitura já havia indeferido o tombamento definitivo do bem por alegar ser “inviável economicamente recuperar a estrutura do imóvel”, o Governo do Estado publicou o decreto 34.579 declarando a utilidade pública do prédio para fins de desapropriação cuja finalidade é a implantação do Distrito de Economia Criativa - um equipamento a ser gerido pela Secretaria de Turismo (Setur).
Cabe à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) proceder, por via administrativa ou judicial, a desapropriação. Mas, passado todo esse tempo, o processo pouco caminhou efetivamente, e menos ainda tem sido divulgado publicamente sobre as medidas concretas para solucionar a questão.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a Setur desde a última segunda-feira (17) para saber sobre o que foi feito até o momento para dar prosseguimento a desapropriação.
Em nota enviada de forma conjunta pela PGE e pela Setur ao Diário do Nordeste, somente na quinta-feira (20), o Governo do Ceará diz que não deu início à fase de execução da desapropriação do edifício porque “para ser iniciada, estava na dependência de entrega de documentação solicitada aos proprietários". A apresentação, diz a nota, “só foi feita recentemente”.
O empresário Francisco Philomeno Junior, da empresa proprietária do imóvel, disse ao Diário do Nordeste que “o Governo não ofereceu nada”. “A única coisa que tem é a gente tentando entender esse projeto deles. Mas dos planos sobre o Edifício São Pedro, ninguém conhece nada”, completou.
Proposta de construção de torre é resgatada
Francisco Philomeno Junior afirma que os proprietários seguem com a proposta de uso para o prédio “mantendo a identidade dele”.
“Mas, a gente aguarda uma definição do Governo porque entende que, do jeito que está lá não está legal. A gente tem a proposta de uso lá na Seuma aprovada no CPPD (Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor), mas a emissão de alvará de construção está limitada enquanto não houver a decisão do poder público”, relata.
O projeto mencionado por Philomeno é o que foi apresentado pelos proprietários à Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), em 2015, de incorporação de uma torre com cerca de 97 metros no centro da edificação, o que demandaria a demolição do “miolo” do prédio. A torre teria uso hoteleiro, compatibilizada com edifício histórico, que seria ocupado por unidades residenciais, comerciais e de serviços.
A proposta passou em 2016 pela CPPD, pois há no projeto uma demanda por mudanças de parâmetros arquitetônicos como a altura da edificação, tendo em vista que o limite na região que o prédio está localizado é de 48 metros. Em janeiro de 2016, a proposta foi aprovada na CPPD que aprovou a proposta.
Somente a representação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no Ceará votaram contra na CPPD.
Na época, também foram requisitados pareceres técnicos e o cumprimento de recomendações exigidas pela AMC e Secultfor.
“Hoje, é claro que tem que fazer a demolição do prédio e a reconstrução dele. Não dá para manter como tínhamos essa ideia antigamente. Mas a ideia da gente, como família, é de preservação do bem e da volumetria. Recriar com características iguais. Porque não tem nada que não possa ser refeito no caso do que tem lá. Não estamos falando de uma arquitetura construída com uma tecnologia que já não exista”.
Os proprietários podem retomar o imóvel?
Na nota conjunta, a PGE e a Setur destacam que, até o momento, “nenhuma medida executória ou ação judicial foi ajuizada pelo Estado para desapropriação do edifício” isso porque para a fase de execução se iniciar ou qualquer ação ser ajuizada, segundo o Governo, “é necessário a realização de estudo acerca da viabilidade técnica da desapropriação, considerando o estado do imóvel e a finalidade pretendida para ele”.
O Governo diz que existe somente o decreto declaratório de utilidade pública, “o qual não retira do proprietário a responsabilidade pela conservação do bem”.
O advogado especialista em Direito Imobiliário e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), Welvio Cavalcante, explica que o decreto, nesses casos, “é um ato prévio” e que, nessas circunstâncias, o Governo do Estado deve entrar com uma ação judicial para realizar a desapropriação.
"Ele ingressa na Justiça para consignar o valor que ele entende que é o correto e vai depositar o valor incontroverso, que é o valor que ninguém tem dúvidas. É, no mínimo, aquele valor. Então, ele entra com essa ação de desapropriação e o que cabe ao proprietário do bem é discutir valor".
Ele reforça que “o ato da desapropriação é um ato que não cabe discussão sobre ele. Ele é compulsório. Pode achar ruim, mas não pode discutir o ato da desapropriação em si. Esse ato ele se impõe. É uma das formas mais duras, mais incisiva de intervenção do Estado na propriedade privada".
Mas, diante do não prosseguimento da desapropriação é possível ao proprietário reaver o bem? O advogado esclarece que o decreto 34.579 do Governo do Estado, tem 1 ano e 4 meses e só após um lapso de tempo - estabelecido em 5 anos - se o Governo não der “a finalidade que ele previu ou a finalidade foi desvirtuada, o proprietário do imóvel pode ser valer de um instituto jurídico chamado retrocessão. Que é o direito que o dono do imóvel tem de readquirir o que foi desapropriado”.
Nesse caso, afirma, cabe ao proprietário do imóvel ingressar com uma ação de retrocessão, para reaver o imóvel que foi objeto da desapropriação e se encontra sem nenhuma função social.
Acúmulo de impasses e outro plano
De 2015 até o atual momento, o Edifício São Pedro já foi tombado provisoriamente pela Prefeitura e, em 2021, essa proteção foi retirada. Em 2022, teve decreto de desapropriação pelo Governo do Estado, mas sem um desfecho prático até o momento.
Além disso, também em 2021 um novo pedido de tombamento foi feito, agora, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, em 2022, também foi recusado.
Em agosto de 2021, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da 3ª Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, ajuizou Ação Civil Pública com a finalidade de promover a proteção e manutenção do Edifício São Pedro.
A Ação, foi movida após a Prefeitura indeferir o tombamento e, segundo o MP, diante da possibilidade de a edificação ser descaracterizada, entrar em colapso ou ser demolida. Até hoje, informa o MP, "ainda aguarda decisão da Justiça sobre o caso".
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o empresário Etevaldo Nogueira Filho, proprietário da Construtora Marte Ltda, dentre outras empresas do ramo, relatou que há mais de 20 anos, houve o início de uma negociação de venda do Edifício São Pedro a uma de suas empresas. No entanto, o negócio não prosperou.
A Construtora Marte Ltda é proprietária do estacionamento localizado ao lado do São Pedro e de mais 2 imóveis, sendo uma casa (uma das últimas do modelo no Aterrinho da Praia de Iracema) e uma pousada.
“A nossa ideia é tentar negociar alguma coisa. Abrir um canal com o Governo, para que a gente veja alguma coisa ali. Porque aquilo ali não vai prosperar. É ruim para a gente e é ruim para a Praia de Iracema. A ideia passada era fazer um hotel. Recuperar e fazer um hotel. Mas é inviável recuperar aquela estrutura”.
O Diário do Nordeste também entrou em contato com a Seuma, na quarta-feira (19) para saber se há algum processo de licenciamento em análise na área jurídica do órgão, mas não obteve resposta.