Por que praias da área nobre de Fortaleza têm mais pontos próprios para banho do que a periferia
Contaminação da água pode causar doenças estomacais, além de infecções virais e bacterianas
Os fortalezenses têm o privilégio do banho de mar, mas a contaminação da água ameaça o lazer: apenas 35,3% das praias estão adequadas para mergulhos nesta semana. Menos gente, então, tem acesso aos benefícios do litoral e as praias da periferia são mais prejudicadas com o risco de proliferação de doenças.
Somente 12 dos 34 pontos monitorados no mar de Fortaleza estão adequados para banho, conforme o boletim elaborado pela a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), válido até o dia 12 de março. Antes disso, o cenário era pior, porque só 6 pontos estavam apropriados para o banho por duas semanas.
A Praia de Iracema e a Praia do Meireles, em bairros nobres da cidade, aparecem de forma recorrente entre os pontos adequados. Os outros dois ficam na Sabiaguaba e na Abreulândia. Numa análise dos boletins dos últimos 3 meses, consultados pelo Diário do Nordeste, pode-se ver um padrão.
O litoral Oeste de Fortaleza, onde ficam as praias da Leste Oeste, do Pirambu e da Barra do Ceará, esteve constantemente impróprio para banho. Em geral, apenas o ponto da Praia do Pirambu-Praia da Leste, na altura da Avenida Filomeno Gomes, estava adequado.
Já as praias do litoral Centro – na trinca Mucuripe, Meireles e Iracema – tiveram o maior número de pontos, proporcionalmente, próprios para o banho de mar. Os trechos no Porto dos Botes e ao lado do Mercado dos Peixes foram os locais impróprios para banho desde o último dezembro.
O mar das praias do Futuro, do Titanzinho, da Abreulândia e da Sabiaguaba, que formam o litoral Leste, passou por mudanças desde janeiro. Durante o mês de dezembro, grande parte dos pontos estava própria para banho.
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Mas o início do ano marcou o aumento dos pontos em que o banho de mar deixou de ser recomendado, principalmente na Praia do Futuro. A Praia do Titanzinho foi a que esteve inadequada a maior parte dos últimos 3 meses.
No último boletim, entrou para o monitoramento o ponto conhecido como Praia dos Crush, na altura do Centro Cultural Belchior, quando o alerta foi para não tomar banho.
Mas, afinal, existe alguma ligação entre a qualidade da água do mar e as condições socioeconômicas da região?
“É possível fazer uma correlação, justamente, porque nos bairros onde há menor cobertura de esgotamento sanitário, a tendência é o solo receber esse material que não é encaminhado para uma estação de tratamento”, explica Michael Barbosa Viana, doutor em Saneamento Ambiental.
Apesar de ser algo essencial para viver com dignidade, o esgotamento sanitário ainda não é realidade em 3 a cada 10 casas de Fortaleza. A cobertura da rede atinge apenas 67% dos lares, conforme a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
Daí surgem, apesar de haver outros casos, descartes irregulares de esgoto. Esse material, seja despejado em galerias para água da chuva, rios ou na terra, podem chegar até o mar.
O esgoto dessas regiões descobertas acaba chegando no solo, nos rios e no oceano, e tornam a água contaminada. Em regiões mais saneadas, a água do mar tende a ter uma taxa de balneabilidade maior
Essas irregularidades são vistas pela Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) em parceria com a Cagece. As ações são feitas em imóveis desconectados à rede de esgoto, uso inadequado ou descarte irregular.
No último ano, foram feitas 3.117 fiscalizações com relação à poluição hídrica e às águas servidas, em Fortaleza, conforme a Agefis.
Por que o mar fica impróprio?
Michael Viana, que também é professor e pesquisador no Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que a água do mar fica imprópria, principalmente, por contaminação fecal.
“Os microrganismos acabam chegando nos rios, que deságuam no oceano ou mesmo quando a água pluvial é despejada diretamente no oceano”, acrescenta o especialista.
Os critérios de balneabilidade usados pela Semace são da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) Nº 274, de 29/11/2000.
As amostras são coletadas toda segunda-feira, entre 8h e 16h, a 1 metro de profundidade, já que é a região mais frequentada pela recreação.
- Própria: Quando em 80% ou mais das amostras numa análise de 5 semanas tiver, no máximo, 100 Enterococos por 100 mL.
- Imprópria: Quando não atendidos os critérios estabelecidos para águas próprias ou na presença de resíduos sólidos ou animais.
A Semace orienta que os banhistas devem evitar tomar banho de mar após a ocorrência de chuvas de maior intensidade (devido aos detritos carregados) e nadar em locais com manchas de coloração vermelha, marrom ou azul-esverdeada.
Em relação à rede de esgoto, ess cobertura deve crescer nos próximos 10 anos, como destaca a Cagece. “A companhia informa ainda que até 2033 alcançará 90% de cobertura de rede na capital e também em todo o estado do Ceará, o que significa que o serviço estará universalizado, conforme prevê o Novo Marco Legal do Saneamento”, completa.
Além da coleta, o tratamento da rede precisa eliminar os microrganismos e outras impurezas, como pondera Michael.
“A população precisa saber da importância de ter um esgotamento sanitário, porque em alguns locais passa a rede, mas algumas pessoas preferem usar fossa ou mesmo ligação clandestina para não pagar a taxa”, analisa.
É claro que isso envolve uma questão socioeconômica, porque muitas pessoas não tem condições de pagar isso e acabam eliminando os dejetos de forma inadequada
Qual o risco de tomar banho no mar impróprio?
Em geral, a água contaminada do mar pode causar doenças do trato gastrointestinal, como explica Lisandra Damasceno, infectologista do Hospital São José e presidente da Sociedade Cearense de Infectologia.
“As pessoas podem ser acometidas por gastroenterites agudas, que são diarréias agudas, causadas por diversos microorganismos, principalmente, bactérias, vírus e parasitas”, detalha. Confira algumas doenças citadas pela especialista.
Risco de doenças
- Hepatite A
- Rotavírus
- Cólera
- Febre tifóide
- Leptospirose
- Salmonelose
- Shigella
As pessoas precisam ficar muito atentas a esses banhos em água imprópria porque podem vir ter a essas doenças que levam a náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreias, que algumas vezes podem vir com sangue ou muco
Também é possível ter infecções das mucosas do olho, ouvido e nariz, além de doenças de pele, sobretudo, se houver uma ferida aberta. Normalmente, esses problemas de saúde aparecem entre 48h e 72h depois do banho de mar.
“As pessoas devem procurar uma unidade básica de saúde ou de pronto atendimento para que sejam rapidamente diagnosticadas. Os sintomas de alerta são desidratação, nas crianças e idosos, principalmente, e presença de muco e sangue nas fezes”, completa.
Políticas públicas
A Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), em resposta à reportagem, destaca iniciativas para o cuidado com a qualidade da água do mar. Entre elas, o projeto Se Liga na Rede, que fez a conexão de 2 mil casas à rede de esgoto.
Também foi frisado o uso da Vídeo Inspeção das Galerias Pluviais, que resultou na retirada de 250 toneladas de resíduos da rede de drenagem.
“As pinturas educativas em ‘bocas de lobo’ para conscientizar a poluição sobre a limpeza urbana e a implementação da Captação em Tempo Seco, para interceptar resíduos que poderiam chegar no mar. As iniciativas da Seuma se estendem, ainda, a ações de limpeza de praia e blitzes educativas na Sabiaguaba, Praia do Futuro e Praia de Iracema”, completa.