População em situação de rua cresce 6 vezes no Ceará em 7 anos; veja cidades com maiores grupos

Levantamento aponta que a maioria destas pessoas vivem na condição por problemas familiares e desemprego

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Famílias em situação de rua estão mais presentes nas cidades
Foto: Fabiane de Paula

Numa caminhada ou no trânsito, o cearense vê pessoas em situação de rua como uma cena cada vez mais frequente. Essa percepção, inclusive, está registrada em dados: a quantidade de gente neste contexto passou de 1.541, em 2015, para 9.217, em 2022. Fortaleza tem a concentração daqueles que não possuem um lugar para viver com 6.334 pessoas.

As informações são do relatório "População em Situação de Rua", elaborado pelo Governo Federal e publicado neste mês, após o Supremo Tribunal Federal (STF) apontar a defasagem de dados sobre o assunto. Para isso, foram consultadas bases de dados sociais e de saúde, como o Cadastro Único.

Com a análise, foi observado um aumento de 6 vezes no número de pessoas em situação de rua no Estado, que tiveram as informações de perfil detalhadas no relatório. A maioria, no Ceará, é formada por homens (84,3%), de 30 a 49 anos (55,3%) e de cor parda (72,5%).

As 10 cidades com mais pessoas em situação de rua no Ceará

  • Fortaleza: 6.334
  • Caucaia: 547
  • Maracanaú: 393
  • Juazeiro do Norte: 262
  • Sobral: 190
  • Pacatuba: 172
  • Crato: 103
  • Maranguape: 99
  • Pacajus: 83
  • Russas: 58

Mas, afinal, o que leva essas pessoas a "morar" na rua? O levantamento destaca os problemas familiares como o principal motivo, tendo levado 4.574 para fora de casa. Na sequência, aparecem o desemprego (3.912), a perda de moradia (2.851) e o uso de álcool/drogas (2.850).

Messias Douglas Pessoa, mestre em Antropologia Social, contextualiza que a falta de investimentos para redução da pobreza extrema e moradias sociais, por exemplo, explicam o aumento.

“É uma herança da série de ataques às políticas sociais que tivemos nos últimos anos, como da assistência social, e do aumento do desemprego”, frisa.

Além disso, ainda são sentidos os prejuízos sociais e econômicos causados pelo coronavírus. “Chegamos numa situação na pandemia em que as pessoas ou ficavam em casa morrendo de fome ou iam às ruas para se alimentar com a distribuição de alimentos”, completa Messias.

A falta de estrutura no Governo Federal também é um fator apontado por Verônica Ximenes, professora titular do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom).

“Também temos o aumento da violência nas cidades, que impactam nos lugares de moradias, o desemprego estrutural que faz com que as pessoas não tenham como pagar o aluguel, além dos problemas familiares e uso de drogas”, analisa.

São vários elementos e as pessoas passam a viver nas ruas, porque é o único lugar que encontram formas de sobrevivência para pedir dinheiro, limpar vidro de carro, fazer serviço que outros não querem, tem possibilidade de alimentação com as doações que foram feitas
Verônica Ximenes
Coordenadora do Nucom

Permanência nas ruas

Durante a atualização dos dados no Cadastro Único, 2.490 entrevistados informaram que estavam nas ruas há menos de 6 meses. No outro extremo, 1.334 estão sem uma moradia há mais de 10 anos.

“Temos gerações e gerações de famílias, pessoas que tiveram filhos que se criaram na rua e hoje tem até netos na rua. Se você conversar com elas, tem 2 elementos principais: emprego e moradia”, destaca Verônica.

Sem acesso a esses dois fatores básicos, a rotina nas ruas pode levar a um ciclo árduo de quebrar. “Quando uma pessoa chega nas ruas é apresentada ao sistema para poder ‘se virar’ e, por vezes, vão para o uso das drogas. Quanto mais tempo cria relação com as ruas, mais difícil fica retomar as relações familiares que tinha antes”, completa Messias.

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Essa dependência das ruas prejudica o cotidiano de todos, mas para alguns a situação é ainda mais difícil: 871 pessoas em situação de rua têm deficiência física. Outras 279 foram diagnosticadas com algum transtorno mental e 202 convivem com baixa visão.

Em relação à origem dessas pessoas, 5.016 foram mapeadas vivendo no mesmo município onde nasceram, 4.150 em cidades diferentes e 51 são de outros países. Entre quem não possui moradia, há estrangeiros vindos, principalmente, da Venezuela (18), Argentina (11), Colômbia (6) e Uruguai (5).

Verônica completa que a falta de políticas públicas para essas pessoas nos municípios pequenos faz com que mais gente venha para a Capital. Isso acaba também dando a impressão de que não há população em situação de ruas nesses lugares.

“A Capital tem uma infraestrutura que dá uma qualidade de vida para quem está na rua, mas essa população aumenta e a política local não dá conta”, destaca.

O que pode ser feito?

Evitar que uma pessoa vá viver nas ruas, ou reverter a situação, depende de ações intersetoriais e distribuição de renda, como avalia Messias Douglas.

“Maior reforço nas forças de trabalho da assistência social, porque a gente só vê um grande número de pessoas em situação de rua devido a uma defasagem nas políticas básicas. Tem que haver essa intervenção forte e um suporte maior para os indivíduos”, conclui.

Verônica acrescenta que precisam ser criados empregos inclusivos, porque é comum pessoas em situação de rua não conseguirem oportunidades devido à falta de moradia.

“Temos um movimento nacional que faz conscientização para que essa população possa reivindicar os direitos, porque ninguém melhor do que elas para dizer quais são as necessidades”, finaliza. 

Plano Nacional 

Em julho deste ano, o STF definiu uma série de medidas, que compreendem os governos federal, estadual e municipal, para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, em 120 dias. Confira 5 pontos:

  • Elaboração de um diagnóstico atual da população em situação de rua
  • Previsão de um canal direto de denúncias contra violência
  • Fomento à saída da rua através de programas de emprego e de formação
  • Fortalecimento de políticas voltadas à moradia, trabalho, renda, educação e cultura
  • Incentivos fiscais para a contratação de trabalhadores em situação de rua

Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará, analisa os pontos como uma conquista para lidar com o desafio social.

“É uma série de questões que visam fortalecer a assistência e também a condição em situação de rua. Temos que compreender que a recuperação depende de vários fatores, mas quem está nessa situação precisa ser protegido”, destaca.

Legenda: Aumento está associado a falhas nas políticas públicas e aos prejuízos da pandemia
Foto: Fabiane de Paula

A Defensoria Pública faz o acompanhamento, no Estado e nos municípios, para conferir o cumprimento dos pontos definidos para a política nacional. Mariana ressalta a importância de ações intersetoriais, que compreendam as áreas de saúde, segurança e educação, por exemplo, para diminuir essa quantitativo.

“Em Fortaleza, temos observado uma rearticulação da política com consultórios na rua, a tentativa de trabalhar política habitacional com aluguel social, mas um grande desafio ainda é a criminalização”, completa sobre o contexto de quem vive na rua.

Políticas públicas

Em resposta ao Diário do Nordeste, a Prefeitura de Fortaleza informou que identifica as pessoas em situação de rua por meio de Censos Municipais. Em 2021, o mais recente, 2.653 estavam nesse grupo.

“São considerados ainda os dados do Serviço Especializado de Abordagem Social, que realiza busca ativa, identificando as demandas desse público”, completou em nota.

O número é bem inferior ao levantamento do Governo Federal pois, conforme a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), foram usados os dados do Cadastro Único, que considera a autodeclaração.

Legenda: Relatório reúne dados para elaboração de políticas públicas
Foto: Fabiane de Paula

A assistência para as pessoas em situação de rua na capital cearense acontece com 17 equipamentos municipais, que realizam diariamente cerca de 2.600 atendimentos.

São ofertados distribuição de alimentos, acolhimento, aluguel social, acompanhamento para acesso à documentação oficial, atendimento psicológico, encaminhamento para capacitação profissional e cadastro de emprego, dentre outros serviços.

A Secretaria da Proteção Social (SPS), do Governo Estadual, informou que tem como responsabilidade monitorar e assessorar os municípios cearenses no atendimento à população em situação de rua, mas "a execução da política de atendimento a essa população é de responsabilidade das gestões municipais".

A pasta informou que, como orientação, realiza visitas técnicas, capacitação com Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) e centros pop, e coletas de dados mensais. "A SPS sugere ações intersetoriais que perpassem políticas nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Qualificação Profissional e outras que o município identifique, a fim de atender às demandas dessa população específica", afirma nota enviada à reportagem.

A SPS planeja universalizar o cofinanciamento a todos os CREAS e do Estado e construir novos cinco CREAS regionais, reforçando o atendimento a situações de violações de direitos, sobretudo no interior do Estado. A SPS também integra e dá suporte ao Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (CEPOD), que realiza reuniões itinerantes do colegiado, reunindo e discutindo com pessoas em situação de rua, representações da sociedade civil e entes estaduais.
Secretaria da Proteção Social (SPS) do Governo do Estado do Ceará

Em Fortaleza, a SPS aponta a realização do programa Acolher, em que a população em situação de vulnerabilidade é atendida e acolhida. "A ação oferta diversos serviços da SPS, além de reunir parceiros em áreas de vulnerabilidade. Desde julho de 2022, já foram realizadas 53 edições do programa, atendendo mais de 41 mil pessoas", finaliza a nota.

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