População em situação de rua cresce 54% em Fortaleza e cidade tem 2,6 mil pessoas sem moradia

Diário do Nordeste teve acesso exclusivo ao censo elaborado pela Prefeitura, que revela um cenário associado à escalada da pobreza e do desemprego na pandemia

Escrito por Lucas Falconery e Theyse Viana , metro@svm.com.br
População
Legenda: Desigualdades se ampliam e aprofundam vulnerabilidades relacionadas à pobreza nas capitais
Foto: Kid Júnior

Basta um trajeto rápido por Fortaleza para notar semáforos, calçadas, praças e esquinas repletas de pessoas em situação de rua. Caso o cenário fuja aos olhos, os números o escancaram: pelo menos 2.653 pessoas vivem sem um lar na capital cearense, 54,4% a mais do que há 7 anos. O primeiro e último levantamento oficial anotava 1.718 pessoas, em 2014.

Os dados atuais são do Censo Geral da População em Situação de Rua de Fortaleza de 2021, obtido com exclusividade pelo Diário do Nordeste. As informações foram coletadas pela prefeitura 6 meses atrás, entre os dias 19 e 23 de julho.

Além de estimar a quantidade de pessoas vivendo sem o direito básico à moradia, a pesquisa também investigou aspectos sociais, econômicos, identitários e as causas da entrada e da permanência no contexto de vulnerabilidade, em entrevistas feitas entre setembro e outubro passados.

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É na Regional 12, onde ficam o Centro, o bairro Moura Brasil e trechos da Praia de Iracema e do Jacarecanga, que se concentra a maior parte das pessoas em situação de rua na cidade: cerca de 970 delas vagam pelas vias públicas dali, cerca de 36,7% do total.

Na sequência, aparece a Regional 2, de bairros como Aldeota e Cais do Porto, onde a pesquisa identificou quase 480 pessoas vivendo nas ruas. Isso corresponde a cerca de 18% da população sem lar dividindo espaço com os moradores da região mais rica de Fortaleza.

Os profissionais atuantes no Censo encontraram pessoas em situação de rua em 1.462 pontos da Capital. Nestes locais, a fragilidade das famílias também se evidencia com a presença de crianças vivendo sem a garantia de direitos básicos.

Em 83 pontos, foram encontradas crianças ou adolescentes acompanhados de adultos. Em outros 14, os menores de idade estavam sozinhos. Mais da metade das abordagens (56,7%) foram realizadas em calçadas.

Além dos números

Fernanda de Sousa, secretária da Pastoral do Povo da Rua, alerta que o censo "é uma conquista", mas que não basta: é urgente executar políticas e ações a partir dele. "Senão fica número por número. E números são frios, mas falam de uma realidade gritante e de situações que merecem cuidado, atenção e investimento."

De acordo com o prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira, o levantamento deve embasar políticas públicas num plano emergencial para atender a essa população, com ações voltadas a alimentação, ampliação de abrigos e assistência psicossocial. Os detalhes devem devem divulgados nesta quarta-feira (2).

Centro
Legenda: Prejuízos sociais ampliam desafio antigo de dar suporte à camada mais vulnerável da população
Foto: Thiago Gadelha

O maior número de pessoas nas ruas da cidade – que, segundo o Fórum da Rua, deve ser maior do que o oficial – está associado ao contexto de escalada do desemprego e da pobreza, acentuado durante a pandemia de Covid-19, como aponta Andréa Esmeraldo, psicóloga e pesquisadora sobre população em situação de rua.

Estamos convivendo com a ampliação da pobreza de um modo geral, aumento da insegurança alimentar sobretudo nos bairros mais populares. Temos como desafio a reinserção produtiva e o déficit habitacional, que é imenso em Fortaleza.
Andréa Esmeraldo
Psicóloga e pesquisadora sobre pessoas em situação de rua.

A pesquisadora destaca, ainda, que o uso de imóveis públicos ociosos pode ser uma alternativa para a geração de moradias, ponto endossado por Fernanda de Sousa. "Os prédios ociosos são um escândalo social. É um absurdo ter famílias expostas na rua quando temos vários prédios fechados que poderiam ser requalificados”, critica.

Outro fator que se soma aos múltiplos motivos que levam as pessoas às incertezas das ruas é a violência doméstica, principalmente contra a mulher. "Ao mesmo tempo em que as famílias ficaram mais vulneráveis, do ponto de vista econômico, houve uma maior desproteção do Estado", completa a especialista.

Para Andréa, programas sociais como Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil não conseguem atender à totalidade das pessoas que perderam emprego ou tiveram a situação de vulnerabilidade econômica agravada.

"Quando há essa retração das oportunidades de trabalho nos bairros mais periféricos, a rua é um lugar que é possível exercer uma atividade, precária, mas pelo menos para alimentação", destaca.

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