O que é a 'faixa azul' para motos e como ela é avaliada por especialistas em segurança viária
A estrutura consolida o tráfego pelo chamado "corredor" da via e busca reordenar o trânsito, mas pode acabar incentivando o emprego de altas velocidades
Fortaleza entrou na corrida para a implantação das "faixas azuis" — que priorizam o tráfego de motos — e conseguiu autorização da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para testar as estruturas em quatro avenidas da Cidade até março de 2026: Alberto Craveiro, Humberto Monte, Santos Dumont e Presidente Costa e Silva.
Criado em 2022 pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo para tentar reduzir o número de mortos no trânsito, o recurso consolida o tráfego pelo chamado "corredor" da via — quando as motocicletas deixam de ocupar o espaço de um veículo e passam por entre os demais.
Segundo a CET, as faixas reduziram em quase 50% o número de mortes no trânsito de São Paulo em 2024. No entanto, especialistas em segurança viária afirmam ainda não ser possível garantir que a proposta reduz mortes e lesões e pontuam que ela, na verdade, oferece alguns riscos, como o emprego de velocidade excessiva.
É mais uma política de incentivo ao uso da motocicleta do que uma política de segurança no trânsito. E isso é muito preocupante porque esse grupo já é o que mais morre e mais fica ferido no trânsito, hoje, em Fortaleza e em todo país. Ou seja: estimular que mais pessoas usem esse meio de transporte vai sobrecarregar ainda mais os hospitais, serviços de reabilitação e previdência".
Em Fortaleza, até julho deste ano, motocicletas e motonetas representavam 30,9% do total da frota de veículos em circulação, de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE). Esse número tende a crescer ainda mais, uma vez que, só no primeiro semestre, as vendas de veículos novos chegaram a 14,6 mil unidades na Capital — um aumento de 29,08% em comparação com o primeiro semestre do ano passado.
Neste ano, também, o Relatório Anual de Segurança Viária apontou que os ocupantes de motos representam 55% do total de mortos nas vias da Capital, seguidos de pedestres (32%) e ciclistas (8%). Eles são, ainda, os que mais se ferem, sendo 78% do total registrado no ano passado.
Mas, afinal, o que é essa "faixa azul"? Os motociclistas serão obrigados a transitar somente por ela? É como uma "ciclofaixa" para motos? Em que lado da via ela será instalada? Como será feita a fiscalização? O Diário do Nordeste reuniu as principais informações sobre o recurso e explica nesta matéria.
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O que é a "faixa azul"?
A "faixa azul" é resultado de um projeto-piloto criado por profissionais da CET de São Paulo nas áreas de segurança viária, sinalização, planejamento, projetos e operacional. Como as ciclofaixas e as faixas exclusivas de ônibus, a estrutura busca harmonizar a convivência entre modais e proporcionar mais segurança especificamente a motociclistas.
Segundo os criadores, o projeto é baseado em dois princípios de segurança viária: o "Visão Zero", que não aceita mortes no trânsito, e o "Sistema Seguro", que reconhece as falhas humanas e foca em projetar sistemas de infraestrutura que evitem que os erros dos condutores provoquem mortes ou ferimentos graves.
De acordo com Renato Campestrini, especialista em trânsito, mobilidade e segurança, o propósito da faixa é positivo, mas o mau uso por parte dos usuários beneficiados é o que pode impedir que a iniciativa se torne política pública. "Foi criado em caráter experimental, meio que na esteira de uma previsão do uso do 'corredor' pelo Código de Trânsito Brasileiro [CTB] em 2021, mas isso acabou sendo vetado", contextualizou.
Campestrini lembrou que, no início dos testes em São Paulo, os motociclistas costumavam respeitar o limite de velocidade das vias. No entanto, com o tempo, a estrutura começou a ficar "superlotada", com condutores buzinando, querendo ultrapassar uns aos outros. "O comportamento do condutor acaba tornando o projeto inviável", afirmou. Para ele, a faixa azul deveria ser utilizada somente em situações de congestionamento e trânsito lento, não para empregar altas velocidades.
"Muitos, de forma equivocada, acabam se posicionando na faixa azul como se ela fosse exclusiva da moto. A natureza da faixa azul não é que você a utilize o tempo todo. A proposta de regulamentação do 'corredor', inclusive, previa que a moto só iria transitar no 'corredor' em situação de trânsito lento ou parado. Fora dessa situação, ela teria que ir para a faixa [de rolamento] normal", comentou o especialista.
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Quais são as características das faixas azuis de Fortaleza?
As faixas azuis são localizadas entre as faixas da esquerda e do meio e têm largura e extensão pré-estabelecidas pelo Senatran. No caso dos testes que serão feitos em Fortaleza, as estruturas terão larguras de 1,1 metro ou 1,20m, ajustadas às velocidades máximas permitidas das vias em que serão instaladas — 50 km/h ou 60 km/h.
A Capital teve autorização para testar o modelo em quatro avenidas. Veja, a seguir, as especificações de cada uma, conforme publicado no Diário Oficial da União:
- Avenida Alberto Craveiro: extensão de cerca de 2,7 km por sentido;
- Avenida Humberto Monte: no trecho entre a rua José de Pontes e a rua Rio Grande do Sul, extensão de cerca de 1,6 km por sentido;
- Avenida Santos Dumont: no trecho entre a avenida Engenheiro Santana Júnior e a rua Professor Otávio Lobo, extensão de cerca de 1 km, sentido único;
- Avenida Presidente Costa e Silva: trecho entre a avenida Juscelino Kubitscheck e a avenida Godofredo Maciel, extensão de cerca de 4 km por sentido.
Os motociclistas são obrigados a transitar somente pelas faixas?
O uso da faixa azul não é obrigatório, até porque a estrutura não é considerada definitiva e está apenas em fase de testes em algumas cidades do Brasil. Além disso, a proposta é que os motociclistas utilizem o espaço somente em momentos em que o trânsito estiver lento ou parado, e não como um corredor exclusivo.
No projeto de indicação assinado pelo vereador Professor Enilson (Cidadania) e aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza, há, inclusive, um trecho que reforça essa falta de obrigatoriedade e que assegura que a medida é somente para "disciplinar a atual dinâmica do trânsito": "Os principais objetivos deste projeto são a redução no número de conflitos entre autos e motocicletas e a organização do espaço compartilhado do trânsito", escreveu o parlamentar.
A própria CET de SP, na concepção do projeto, determinou que a estrutura não é "exclusiva" para motos e, sim, preferencial. "Há uma demarcação da via entre as faixas 1 e 2, normalmente usada pelos motociclistas, para que as motos possam transitar com mais disciplina e segurança, sem alterar a dinâmica já existente da via", explicou o órgão.
Quais são os riscos da estrutura?
Para Dante Rosado, coordenador nacional de Segurança Viária da Vital Strategies, a faixa azul tem sido utilizada para substituir diversas outras medidas eficazes de segurança viária e gera uma falsa impressão de resolução do problema das mortes e lesões no trânsito.
Um estudo feito pela Vital em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Cordial, apresentado em julho deste ano à Senatran, concluiu que as faixas testadas em SP provocaram um aumento de 33% nas ocorrências com motociclistas nos cruzamentos. Além disso, os pesquisadores identificaram que sete em cada dez motociclistas ultrapassam o limite de velocidade em vias com faixa azul — em vias sem faixa, esse dado baixa para um em cada dez.
Os dados da pesquisa consideram 190 km de faixas existentes em São Paulo e ainda serão complementados até novembro, quando o relatório final será apresentado à Senatran. Para análise de velocidade, o estudo se baseou em filmagens de drone e processamento com Inteligência Artificial. Já os sinistros foram analisados com base no banco de dados municipal.
"A gente não pode dizer que a faixa reduz os sinistros de trânsito com motociclista. Ela não entrega o que promete em relação à segurança", observa Rosado. Por causa disso, ele recomenda cautela na expansão da estrutura para outras cidades do País e reforço na fiscalização em relação à velocidade. "Por causa da narrativa que São Paulo criou, muitas cidades não estão vendo a faixa azul nem como teste, mas já como política pública de sucesso e estão correndo para implantar", censura o especialista.
A Vital Strategies lembra ainda do caráter inédito do experimento e reforça que os estudos precisam ser complexos para garantir a segurança e a eficácia, não podendo deixar de considerar, além das mortes, dados como lesões graves e leves e danos materiais. "Medições simplistas podem acusar sucesso ou fracasso de forma equivocada", aponta a apresentação feita à Senatran no último julho.