No Dia do Meio Ambiente, conheça a Serra da Aratanha, que abriga espécies da Amazônia no Ceará

Umidade do mar banha o brejo de altitude onde nasce o Rio Cocó e permite a existência de espécies raras e ameaçadas de extinção

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Pacatuba
Legenda: Serra da Aratanha compreende os municípios de Pacatuba, Maranguape e Guaiúba
Foto: Arquivo DN

Floresta amazônica e Mata Atlântica já se encontraram no Ceará, há dezenas de milhares de anos, quando deixaram uma riqueza ambiental não mensurada. Hoje a principal testemunha disso se ergue em 6,4 mil hectares, de abrigo para animais raros, flora e nascente de rios: a Serra da Aratanha, em Pacatuba.

Ainda são necessários estudos aprofundados sobre fauna e flora, mas o conhecimento adquirido já mostra a imensa relevância do espaço, como indicam biólogos ouvidos pelo Diário do Nordeste sobre o Dia Mundial do Meio Ambiental - 5 de junho.

O brejo de altitude, denominação dada por cientistas, é morada do único tipo de esquilo vivente no Ceará e de espécies raras de aves. De lá, brotam as nascentes que alimentam o Rio Cocó, que deságua em Fortaleza, a cerca de 45 km.

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“Por ser uma serra úmida, guarda uma riqueza incomensurável. É muito importante em nível local, nacional e, quem sabe, internacional. E esse ‘quem sabe’ é um ponto muito importante”, levanta o biólogo Hugo Fernandes.

Isso porque o “palco histórico de investigação zoológica'', como define, foi analisado por naturalistas há mais de um século, mas ainda falta aprofundamento sobre aquele ambiente. Algumas pesquisas e resultados históricos, na verdade, foram perdidos.

Amazônia e Mata Atlântica eram uma coisa só e essas serras são testemunhas dessa união. Por isso, você encontra espécies amazônicas ainda lá
Hugo Fernandes
Biólogo e professor na Uece

Entrando na mata há cerca de 22 anos, o biólogo Thieres Pinto estuda os mamíferos na Serra da Aratanha e observa o pequeno roedor Guerlinguetus brasiliensis, conhecido como esquilo fura côco, única espécie no Ceará.

Só há registros do animal naquele espaço. “Os padrões dos brejos são diferentes do resto da caatinga e, entre si, também são diferentes. Então assim, Pacatuba, Maranguape, Baturité, Ibiapaba são brejos e cada um deles tem seus elementos próprios", destaca.

E na Serra da Aratanha, algumas populações de animais raros estão em maior número do que em outras serras. São exemplos a araponga-do-nordeste (Procnias averano) e o udu-de-coroa-azul (Momotus momota).

Projeto de refaunação
Legenda: Projeto de refaunação busca devolver espécie extinta na Serra da Aratanha
Foto: Fábio Nunes

“No Ceará, tem registro em Baturité, mas é muito visível como essas duas espécies muito importantes, na Aratanha, são bem maiores do que nos outros brejos”, reforça.

No entanto, não deixam de ser afetadas por doenças, caça, tráfico e ocupação humana desordenada. “Proteger a Aratanha é uma forma de proteger a maior fonte da população regional dessas espécies, da genética que nós temos aqui no Ceará”, frisa o pesquisador.

Entre os sinais dessa importância está o sumiço do bicho simbólico da Serra. “Essa espécie de esquilo era comum na Aratanha, todos os moradores que você conversar vão te dar notícia do fura côco, mas acontece que essa espécie sumiu. Há uns 20 anos ninguém tem notícia próxima desse esquilo”, descreve Thieres.

Minha principal busca hoje em dia, na Aratanha, é descobrir se ainda temos uma população de fura côco, se pode ser protegida e como protegê-la ou se já está extinta
Thieres Pinto
Biólogo

Não existe um motivo óbvio para o declínio da espécie, mas o pesquisador aponta a possibilidade de uma zoonose - como uma doença transmitida por animais domésticos - como uma causa para o desaparecimento. Não há interesse de caça ou de valor comercial.

Da Serra da Aratanha também surgem espécies de plantas com preservação de destaque, como observa Thieres durante a estadia no local.

“É uma área de mata úmida, então tem muita orquídea de várias espécies diferentes, é lindo. Maranguape tem muita orquídea, mas lá houve um processo de coleta na mata e foi muito reduzida. Na Aratanha não aconteceu isso, então é fácil ver espécies diferentes”, compara.

Saiba algumas espécies da Serra da Aratanha, conforme a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará

Fauna:

  • Gato-do-mato
  • Tatu-peba
  • Cassaco
  • Guaxinim
  • Raposa
  • Quandu 
  • Mambira
  • Veado-catingueiro
  • Esquilo fura côco 
  • Araponga-do-nordeste
  • Udu-de-coroa-azul
  • Gavião-preto

Flora

  • Pau-marfim
  • Piroá 
  • Pacotê 
  • Catingueira
  • Jucá
  • Juazeiro
  • Jurema-preta
  • Trapiá
  • Cedro
  • Mulungu
  • Pau-de-jangada
  • Pau-d'arco-roxo

A biodiversidade do local, devido à formação, tem destaque no Estado, como reforça Thieres. “Advindos dessa época em que o contato entre Mata Atlântica e floresta amazônica era feito aqui no Ceará. Isso acaba tornando (a Aratanha) mais única, porque em nenhum outro lugar nós temos isso”.

Defaunação na Aratanha

A Serra da Aratanha, mesmo sendo um espaço de preservação, já perdeu bichos e teve populações reduzidas, como o esquilo fura côco. Isso acontece devido à caça e o tráfico de animais, além da interferência no espaço dos animais.

“Essa perda e degradação de habitat é decorrente de uma ocupação humana desordenada. Então, é preciso a gente estabelecer um ordenamento dessa ocupação, garantir áreas prioritárias para conservação”, contextualiza Hugo Fernandes.

Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) informou à reportagem 67 ocorrências relacionadas à crimes ambientes contra a fauna foram registradas nas áreas integradas de segurança 12 e 24, onde ficam Maracanaú e Pacatuba, entre 2019 e 2022.

A SSPDS não detalhou quantos destes aconteceram, especificamente, na Serra da Aratanha. Os casos são referentes ao artigo 29 da Lei nº 9.605/1998, que criminaliza o ato de matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória.

O espaço da Serra fica entre os municípios de Pacatuba, Maranguape e Guaiúba é considerado uma Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 5 de junho de 1988, como informou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).

“A APA possui um Plano de Manejo elaborado pela Superintendência do Meio Ambiente (Semace), que deverá ser atualizado em 2023. Quaisquer alterações nas atuais características da APA precisam ser debatidas com a Sema e o seu Conselho Gestor Consultivo”, adiantou a Pasta em nota.

Espécies
Legenda: Espécies raras se abrigam nas matas da Serra
Foto: Fábio Nunes

Ainda assim, os pesquisadores consideram que a área protegida deveria ser ampliada com maiores restrições para a intervenção humana. Intervenção essa que pode e deve acontecer de modo a preservar a riqueza local.

“O uso sustentável da flora e da fauna, como por exemplo, o turismo de observação e de outros animais. Passagens de fauna, sejam aéreas ou terrestres, para mitigar os efeitos do atropelamento de fauna”, propõe Hugo.

Nós precisamos, de fato, do estabelecimento de área de conservação, de uma maior fiscalização em relação aos problemas ambientais, de monitoramento tecnológico para poder avaliar esses impactos
Hugo Fernandes
Biólogo

Potencial turístico

Existem atividades turísticas, como trilhas, rappel, banhos de cachoeira, mas o potencial turístico da região deve gerar intervenções. Mas a formação de guias e o estímulo à preservação daquele ambiente ainda carece de atenção.

“Tem muita gente que acampa lá, algumas propriedades recebem esses campistas, e não como o que fazer com o lixo e acabam acumulando esse lixo perto dos córregos”, comenta Thieres.

Temos uma extensa área de floresta que ainda não não conhecemos também então a gente também precisaria que as instituições de ensino e pesquisa se envolvessem mais fossem pesquisar mais na Aratanha
Thieres Pinto
Biólogo

O especialista analisa a necessidade de melhoria na gestão da APA. “Para saber se que tipo de unidade de conservação, que tipo de instrumento de gestão poderia melhorar a conservação ali na área da Aratanha”, completa.

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