Nível dos alunos melhora no CE, mas 53% termina ensino fundamental com aprendizado 'crítico' em Matemática
Resultados do Spaece 2024 mostram que 53% dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental têm desempenho “muito crítico” ou “crítico” na disciplina
A parcela de estudantes da rede pública cearense que termina o Ensino Fundamental (EF) com desempenho “muito crítico” ou “crítico” em matemática teve redução entre 2023 e 2024. Porém, eles continuam representando mais da metade dos alunos. Esse resultado reflete uma série de problemas, da vulnerabilidade social em que vivem muitos desses estudantes até falta de estrutura adequada para o aprendizado.
Se em 2023 o Estado tinha 59% dos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental com desempenho “muito crítico” ou “crítico” na disciplina, em 2024 essa proporção passou para 53%, segundo a Secretaria Estadual da Educação (Seduc).
No ano passado, o Estado teve o melhor resultado desde 2012, início da série histórica analisada pelo Diário do Nordeste. Naquele ano, esses estudantes representavam 75,9% dos alunos da rede pública no 9º ano.
Os dados são do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), avaliação externa que investiga as competências e habilidades dos alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em Língua Portuguesa e Matemática.
As informações mais recentes divulgadas pela Seduc apontam que 24% dos estudantes que concluíram o 9º Ano do EF em 2024 atingiram nível “muito crítico” em matemática, enquanto 29% finalizaram a série com nível “crítico”.
Outros 25% dos alunos dessa etapa escolar tinham nível “intermediário” e 22% estavam no nível “adequado”. Somados, os alunos com os melhores desempenhos representam 47% do total desse corpo discente.
A proficiência média dos estudantes do Estado foi de 272 pontos, em uma escala de 0 a 500. Com esse resultado, o Ceará como um todo se enquadra em situação crítica no aprendizado de matemática.
A doutora em Educação Maria José Costa dos Santos, professora associada de Matemática no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca três aspectos relacionados a essa dificuldade no aprendizado da disciplina. Um deles é o fato de que, culturalmente, ela tem sido fechada em grupos mais “elitizados”, como se fosse “para poucos, para mentes brilhantes”.
Junto a isso, há questões cognitivas, continua a docente, que é líder do grupo de estudo e pesquisa Tecendo Redes Cognitivas e Aprendizagem (G-TERCOA). Ela explica que a matemática exige concentração e desenvolvimento de raciocínio lógico, e muitas vezes há estudantes com discalculia — que afeta a capacidade de compreender números e conceitos matemáticos — ou outros transtornos “invisíveis” que nem sempre são percebidos.
O outro ponto citado é a situação vulnerável em que muitos alunos da rede pública estão inseridos, com questões familiares e sociais. “Na sala de aula, vamos ter pessoas que muitas vezes não vão ter a menor condição de estudar, porque têm muitas questões familiares em casa que impedem que ele se concentre. E isso faz muita diferença, prejudica muito o processo de ensino e aprendizagem da matemática”, afirma.
Quando chegamos no 9º ano, percebemos que estamos ali com um pré-adolescente, um adolescente, que precisa muitas vezes compreender as questões da ausência das suas necessidades básicas e, ao mesmo tempo, tem que estar na escola. O nível de concentração, de fato, tende a ter um déficit. E isso se dá justamente por conta de todas essas dificuldades que identificamos nesse processo.
Junto a isso, a professora destaca a disparidade dentro da rede pública, em que há municípios com índices elevados e outros à margem, com maior defasagem. Tudo isso tem impacto negativo também em outras disciplinas.
“Falamos de matemática, mas ela é aquela disciplina avaliada. Se formos atrás de outras disciplinas, vamos perceber que esse jovem também está com dificuldade nas outras disciplinas. A matemática apenas sinaliza, diante das avaliações de larga escala, as dificuldades que ele tem como um todo”, afirma.
Veja também
Maria José Costa dos Santos destaca a importância do Spaece para identificar os problemas existentes na educação pública e para o desenvolvimento de políticas educacionais. Mas ela chama atenção para o que está por trás dos números revelados pela avaliação.
Esse dado de [desempenho] ‘muito crítico’ não revela apenas as dificuldades nas competências e habilidades. Também revelam que, por trás desse déficit, tem um jovem, um adolescente, uma criança, que pede ajuda, que pede atenção para que possa se recuperar e melhorar esse processo de aprendizagem. Também revela o professor, que precisa que a gestão esteja junto dele, em um processo de corresponsabilidade.”
Anos iniciais do Ensino Fundamental
O Spaece também investiga esse cenário no 5º ano do Ensino Fundamental, público no qual os resultados de aprendizagem de matemática são melhores. Em 2024, 80,2% desses estudantes tiveram desempenho “intermediário ou adequado”, enquanto os que finalizaram essa série com nível “muito crítico ou crítico” representavam quase 20%.
Uma diferença entre essas duas etapas de ensino, além da faixa etária e do momento da vida em que estão os estudantes, é o vínculo com o professor. No 5º ano, Maria José Costa dos Santos pontua que as crianças, que têm em torno de 10 anos, têm apenas um docente, que “dá conta de todas as disciplinas” e, como consequência, tem mais proximidade dos alunos.
“Do ponto de vista da aprendizagem da matemática, o aluno tem um vínculo emocional com o professor e muitas vezes isso quebra um pouco a barreira que ele tem em relação à disciplina. (...) Quando você chega no 9º ano, esse afastamento acaba reforçando a dificuldade que o aluno tem com a matemática”, afirma a docente.
Além disso, as necessidades das crianças e dos adolescentes são diferentes, assim como o entendimento da realidade em que vivem. “A criança do 5º ano já tem muito entendimento, mas um adolescente tem muito mais consciência disso e, por conta dessas desigualdades, ele acaba tendo uma crítica muito maior à situação socioeconômica dele. E isso reflete muito nos resultados”, complementa.
Veja também
O que pode ajudar a melhorar o aprendizado da matemática?
Para reverter o gargalo representado pela aprendizagem da matemática, Maria José Costa dos Santos aponta que, primeiro, é necessário admitir os problemas existentes. Ela defende que é necessário criar uma política de corresponsabilidades no Estado, em que todos os gestores “precisam abraçar a escola” e identificar o que realmente tem impactado negativamente a aprendizagem.
“As salas de aula são adequadas? Os professores têm condições de trabalho? O material didático atende àquela necessidade naquela região?”, exemplifica a doutora em Educação.
Além disso, ela pontua a necessidade de se trabalhar o letramento tecnológico com os professores e desenvolver metodologias ativas de ensino que despertem o interesse dos estudantes. “Aulas inteiramente expositivas, em que os professores enchem a lousa de cálculo, não interessam mais”, pontua.
Uma questão importante: não rotular a criança. Muitas vezes, você já diz logo: ‘esse aluno não quer, não presta atenção, tem dificuldade’. A gente precisa entender quem é essa pessoa, de onde ela vem, qual a história dela, como ela chegou nessa escola, porque ela não consegue avançar nesse aprendizado. E o professor não tem culpa, porque ele não tem tempo para fazer isso, ele tem um currículo escolar e uma carga horária que ele precisa dar conta. Fora isso, ele também precisa de apoio. Muitas vezes, não há corresponsabilidade nos índices que não são adequados.
O que é o Spaece?
O Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) é uma avaliação externa que vem sendo implementada pela Secretaria da Educação do Ceará desde 1992.
Ela investiga as competências e as habilidades dos alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em Língua Portuguesa e Matemática, para identificar o nível de proficiência e a evolução do desempenho deles.
Realizado de forma censitária, ele abrange escolas estaduais e municipais. O Spaece foi expandido em 2007, incorporando a avaliação da alfabetização e incluindo o Ensino Médio.
Com isso, foi criado o Spaece-Alfa, que avalia o nível de proficiência em leitura dos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental. No Ensino Fundamental, ele é aplicado nas séries finais de cada etapa — anos iniciais (5º) e anos finais (9º). Para o Ensino Médio, a avaliação é aplicada a todas as escolas da rede estadual e seus anexos, localizadas nos 184 municípios do Ceará.