Mais de 20 incubadoras foram ligadas no 'Beco da Poeira' após incêndio no Hospital César Cals

Comerciantes fecharam boxes e cederam espaço para proteger bebês prematuros.

“Você não pensa, só faz.” Foi com essa atitude que trabalhadores do Beco da Poeira, centro de comércio popular na Avenida Imperador, em Fortaleza, contribuíram para salvar a vida de mais de 20 bebês durante o incêndio que atingiu o Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), nessa quinta-feira (13).

Quando a fumaça preta subiu na subestação elétrica da unidade de saúde, foi iniciada uma força-tarefa entre eles para ajudar a retirar as gestantes, puérperas e os bebês, vários deles prematuros, que estavam internados no local.

Só nos três boxes de Anderson Oliveira, 22 incubadoras foram ligadas para manter o suporte aos pequenos. “Fechei as lojas e botei eles. Desligamos tudo, só deixamos o ar-condicionado. Eram uns ‘bichinhos’ tão pequenininhos…”, lembra. “O que a gente podia fazer era ajudar”, relata.

Anderson chegou a recusar a entrada de um cliente porque não pensava em vendas no momento. Para ele, com a proximidade das reflexões de fim do ano, a lição que fica do dia atípico é a “sensação de dever cumprido”.

Foto mostra um homem em um ambiente de loja, cercado por várias caixas empilhadas. Ele veste uma camisa polo preta com um logotipo no peito e usa acessórios dourados no pulso e no pescoço. Tem cabelo curto, barba bem aparada e parece estar explicando algo, com a mão levantada em gesto de fala. O fundo é colorido e movimentado, com bolsas e objetos pendurados.
Legenda: Anderson Oliveira cedeu as três lojas para acomodar os bebês em incubadoras.
Foto: Fabiane de Paula.

O pequeno espaço da loja em que a jovem Isabelly Kilvia trabalha também foi ocupado por quatro incubadoras. “Tiramos um móvel da loja e afastamos outros pra botar eles aqui, tentar ligar eles. Tentamos fazer de todos os modos pra ajudar tanto as enfermeiras como as mãezinhas”, diz.

Ela narra que, quando a fumaça começou a invadir o Beco e os gritos de “fogo! fogo! fogo!” começaram, “era muita criança e grávida” saindo da unidade, todas sendo acolhidas nos boxes do tradicional centro comercial da cidade.

Foto de uma mulher jovem cercada por prateleiras com vários tipos de acessórios eletrônicos. Ela usa óculos brancos de armação grossa, tem cabelo castanho ondulado e veste uma blusa rosa de mangas longas. A expressão é suave e atenta, com as mãos unidas enquanto conversa.
Legenda: Isabelly Kilvia ajudou a afastar produtos de loja de eletrônicos para acomodar quatro incubadoras.
Foto: Fabiane de Paula.

“Já tinha muita criança nas outras lojas. Pegamos várias extensões pra ligar tudo. Pediram água e a gente dava pra acalmar as mãezinhas, álcool (para higienizar)… A gente só auxiliava mesmo. Eles ficaram por uma hora aqui”, relata.

Eu fiquei em choque ‘meu Deus, o que é isso?!’, mas a gente conseguiu agir nessa situação de choque. Eu acredito que ficou a lição de que devemos ajudar independentemente da situação e do que vai acontecer.
Isabelly Kilvia
Comerciária

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'Embrulho era um bebê'

O relógio marcava pouco depois das 10h, perto do almoço de Genilson Silva, quando o incêndio começou. Para ele, o HGCC, vizinho do local de trabalho, era um hospital de trauma – mas ao ver um enfermeiro sair “com um embrulho”, descobriu que não.

“Quando fui perceber, o embrulho era um bebê, um recém-nascido. Quando vi isso, fui lá pra frente perguntar se precisavam de ajuda. Foi quando as enfermeiras começaram a trazer os carrinhos com os bebês maiorzinhos e os prematuros”, relata o homem.

“Não pensei duas vezes. Só pensei ‘temos que tirar eles daqui’, porque os corredores já estavam cheios de fumaça. Botamos na lateral da calçada, no meio fio, aí o pessoal das lojas começou a abrir espaço e se mobilizar”, descreve Genilson.

As incubadoras eram pesadas, mas eu ficava dizendo ‘gente, não bate, não treme!’. É uma criancinha pequena, você vê o pezinho, a mãozinha, ainda não totalmente formada…
Genilson Silva
Comerciário

Foto mostra um homem de pé atrás de um balcão em uma loja de eletrônicos e acessórios. Ele é careca, usa óculos de armação preta, corrente prateada e uma camisa preta simples. Seu semblante é sério e atento, possivelmente escutando uma pergunta. Atrás dele há uma parede repleta de produtos embalados, como cabos, carregadores e pequenos eletrônicos.
Legenda: Genilson Silva correu até o hospital para ajudar a retirar bebês em situação de risco.
Foto: Fabiane de Paula.

Ele lembra que, em meio ao caos, “tinha muita gente filmando com o celular”, e “só depois que eu e outro cara fomos lá pra frente ajudar foi que outras pessoas começaram a ajudar também”. O desespero de mães, acompanhantes e profissionais de saúde era palpável – mas “nessa hora, tem que deixar o emocional de lado e agir”.

“Tinha muita gente chorando, mas era hora de agir, ajudar. Você não pensa, só faz. Assim como meu patrão fez também: ele só empurrou as incubadoras, derrubando tudo. O importante era trazer segurança aos bebês.”

Ao fim da operação de transferência dos pacientes do Hospital César Cals, que durou cerca de 8 horas, 153 mulheres e 117 bebês foram levados a outras várias unidades de saúde da Capital, segundo informações oficiais da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

Incêndio no hospital

O incêndio no Hospital Geral Dr. César Cals ocorreu na parte externa da unidade, na área das docas, onde fica a subestação de energia da instituição. A informação oficial da Sesa é de que não houve vítimas no incêndio.

Com 97 anos de funcionamento, o HGCC é referência em obstetrícia e neonatologia, e possui mais de 290 leitos. Só de janeiro a setembro deste ano, realizou mais de 3 mil nascimentos, uma média de 338 por mês. Além disso, possui diversos serviços especializados, como o Banco de Leite Humano e a assistência a gestantes de alto risco.

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