Janeiro Branco: Ceará tem menos da metade do número ideal de psiquiatras para atender população

Uma média de 314 médicos psiquiatras atuaram em unidade de saúde em 2024. O ideal, de acordo com a OMS, deveria ser 920 profissionais para atender a população cearense

(Atualizado às 07:37)
Caps em Fortaleza
Legenda: Caps em Fortaleza lidam com alta demanda por falta de psiquiatras
Foto: Fabiane de Paula

O Ceará teve, numa média mensal, 314 médicos psiquiatras atuando em unidades de saúde entre janeiro e novembro de 2024. A informação foi analisada pelo Diário do Nordeste a partir de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sistema que reúne informações de todo o País, em relação à capacidade instalada e à mão de obra assistencial.

A cada mês, os estabelecimentos de saúde enviam fichas de cadastro com informações sobre recursos físicos, trabalhadores e serviços ao sistema do Governo Federal. Com isso, esse valor pode variar a cada nova submissão. Em novembro de 2024, por exemplo, havia 320 psiquiatras em atuação nas unidades de saúde do Ceará. Em janeiro do ano passado, eram 302. Para comparar a série histórica, a reportagem somou todos os valores e dividiu pelo número de meses analisados no ano.

Na “Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2024”, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também apresenta o quantitativo de profissionais de diferentes especialidades, até 2023. Naquele ano, a média de psiquiatras atuando no Ceará foi de 273 por mês. O levantamento do IBGE se baseia no CNES.

Apesar do aumento nos últimos anos, o quantitativo ainda está distante do ideal, próximo de 1.000 profissionais em atuação. Isso porque especialistas na área consideram que deve haver, pelo menos, um psiquiatra para cada grupo de 10 mil pessoas, com base em referências internacionais avaliadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Dessa forma, com uma população estimada em 9,2 milhões de pessoas, de acordo com o IBGE, o Ceará deveria ter 920 profissionais. Contudo, o Estado tem 441 médicos psiquiatras ativos e com situação regular no Conselho Federal de Medicina (CFM), no momento.

Entre os prejuízos do déficit de profissionais, há a demora geral para conseguir uma consulta que pode ser ainda maior no interior do Estado. Com isso, os pacientes podem sofrer de agravos relacionados à depressão, ansiedade e anorexia, por exemplo, com risco para a própria vida e com transtornos para famílias.

Fabio Gomes de Matos e Souza, professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará (UFC) e fundador e coordenador do Programa de Apoio à Vida (Pravida), avalia esse cenário como de um “déficit enorme”.

"Além disso, esses psiquiatras estão mal distribuídos, ficando muitas vezes na Capital e em outras cidades grandes, deixando grande parte do interior desassistido", aponta o especialista.

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O psiquiatra contextualiza que a atual assistência de saúde mental no Ceará está baseada nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Contudo, sem condições de atender a alta demanda.

Conforme os registros do CNES, em média, 109 psiquiatras atuaram em Caps, no Ceará, nos meses de 2024 analisados pela reportagem. O segundo maior registro foi de hospitais especializados, com média de 78 médicos.

O Diário do Nordeste noticiou, em 2024, a dificuldade para conseguir atendimento com psiquiatras nos Caps de Fortaleza onde há fila de espera para a população e sobrecarga aos profissionais que precisam atender uma grande quantidade de pessoas.

"Em Fortaleza, se você tem uma consulta no Caps no primeiro semestre e outra no segundo. Que assistência é essa? Não funciona", atesta Fabio.

Edmar Fernandes, vice-presidente do Sindicato dos Médicos Ceará e secretário geral da Federação Médica Brasileira, indica que além da falta de profissionais também há problemas estruturais para os atendimentos. 

“Os locais de atendimento dessas pessoas são insalubres como mofo, sem segurança, sem climatização, quando deveriam ter um clima mais convidativo para adultos e crianças”, destaca. 

Só existe uma emergência psiquiátrica para 9 milhões de pessoas e muitas vezes só há um psiquiatra de plantão. Daí, a gente observa a quantidade mínima de profissionais que possa dar assistência à população
Edmar Fernandes
Vice-presidente do Sindicato dos Médicos Ceará

O vice-presidente avalia que muitos profissionais deixam os postos de trabalho devido ao cotidiano duro. “Teve um concurso para psiquiatras e dos que entraram, devido ao baixo salário e falta de ambientes adequados para atender, dois terços saíram por falta de condições. Só ficaram 19 de mais de 40 que tinham entrado”, estima. 

Para Edmar, o ideal é ter profissionais concursados que possam acompanhar os pacientes a longo prazo com estratégias mais elaboradas. Além disso, reforça a importância de ampliação do número de emergências psiquiátricas.

“Muitas pessoas surtam por algum motivo e se neste momento não tiver um local adequado para pelo menos estabilizar, essa pessoa pode tirar a própria vida ou causar dano a alguém”, aponta.

Agravos da saúde mental

Fabio Gomes considera que a população mais vulnerável sofre mais com a falta de assistência de saúde mental. Isso fica evidente, inclusive, nos atendimentos de emergência com apenas o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, na Messejana, atuante no Estado.

"Leito em hospital geral não é para internar o paciente para sempre, são para casos específicos como de anorexia nervosa, tentativa de suicídio, crise de abstinência por drogas, surtos psicóticos…”, reflete o psiquiatra.

Para o professor, uma forma de reverter a situação pode ser a contratação de psiquiatras para atuação nas unidades básicas de saúde. "A melhor maneira da gente dar uma prestação de assistência mental às pessoas de Fortaleza é colocando um psiquiatra e um psicólogo em cada posto de saúde", frisa.

Pacientes aguardam por meses por atendimento com psiquiatras
Legenda: Pacientes aguardam por meses por atendimento com psiquiatras
Foto: Fabiane de Paula

Luísa Weber Bisol, psiquiatra e professora de Medicina Clínica na Universidade Federal do Ceará (UFC), acrescenta a relevância da formação de novos médicos voltados para a saúde mental.

“Existe a necessidade de ampliar o número de profissionais capacitados através de Programas de Residência Médica que ofereçam residência na área de psiquiatria e também na área de atuação de infância e adolescência”, completa.

A médica destaca que a Associação de Psiquiatria do Ceará foi credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) para iniciar um novo programa de Residência Médica. Isso tem maior relevância no contexto de aumento da demanda por atendimento.

“Estamos percebendo crianças com transtorno do espectro autista que precisam de atenção especializada. Hoje verificamos que existem alguns espaços com sala multissensorial, mas isso deveria ser ampliado”, destaca Luísa.

A questão também do transtorno do jogo pela internet que nos preocupa entre crianças e adolescentes e que também pode estar associado a prejuízo escolar, sedentarismo, obesidade
Luísa Weber Bisol
Psiquiatra

O que é feito no Estado

Rane Félix, coordenadora de Saúde Mental da Sesa, explica que a falta de psiquiatras é um problema que afeta o Brasil e movimenta o Ministério da Saúde em busca de alternativas.

“A gente tem no País inteiro um déficit de profissionais de psiquiatria e o Ministério tem feito o investimento na formação e na qualificação de profissionais generalistas da atenção primária para atender até nos Caps Álcool e Drogas”, aponta.

Com isso, médicos generalistas como clínicos gerais recebem formação em saúde mental para prestar atendimentos em postos de saúde e Caps. “Todo ano temos as residências que os médicos fazem e a psiquiatria não passa de 10% do total”, contextualiza.  

Além disso, ela cita a criação de equipes com a presença de psiquiatras para atendimento de forma distribuída. “Temos o investimento de equipes multiprofissionais na atenção primária, foram solicitadas 375 equipes e temos mais de 130 habilitadas pelo Ministério com os municípios recebendo recursos”, completa.

Em relação à ampliação da emergência, a coordenadora indica a existência de leitos em hospitais gerais para descentralizar o atendimento. “Temos dois hospitais que somam 470 leitos e o Estado financia a política hospitalar para 118 leitos em hospitais gerais”, indica.

 

 

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