Como esgoto bem tratado ajuda na qualidade da água, no retorno de espécies a rios e na saúde humana
Monitoramento da rede e iniciativas externas são importantes para a manutenção de bons indicadores ambientais
O esgoto que sai de residências, comércios e indústrias precisa passar por um complexo tratamento para remoção de contaminantes porque, ao fim do processo, é despejado novamente em corpos d’água seguindo normas da legislação ambiental. Quando o método é bem executado, permite até mesmo o ganho de qualidade nos ambientes aquáticos.
Exemplos disso se enumeram em operações da Aegea Saneamento, empresa que venceu o leilão para realizar o esgotamento sanitário de 24 cidades do Ceará. Atualmente, ela elabora o plano de 100 dias de obras para o Estado, com intervenções que prometem transformações de impacto “da balneabilidade das praias à mobilidade urbana”.
Em março, a convite da empresa, o Diário do Nordeste viajou a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde atua em 69 cidades. Além de conhecer o modelo de operações pautado pelo uso eficiente da tecnologia, a reportagem também verificou impactos positivos no meio ambiente de algumas cidades.
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Themis de Oliveira, diretor presidente da Águas Guariroba, braço da Aegea que opera em Campo Grande, elogia, por exemplo, a qualidade de entrega da Estação de Tratamento de Esgoto Imbirussu, nome de um córrego que corta a cidade. Ela funciona com 100% de automação.
“A gente faz as análises físico-químicas à montante (antes da estação) e à jusante (depois da estação). A água chega com uma qualidade X, e depois sai com uma Y, melhor do que a inicial, mais transparente, com menos conteúdo. Entregamos muito efluente que melhorou a qualidade do rio, com certeza”, afirma.
Esses parâmetros são avaliados rigorosamente pelo laboratório da empresa, que segue padrão internacional e tem capacidade de realizar 90 mil análises por ano. Diariamente, ele emite resultados para exames bacteriológicos e físico-químicos em amostras coletadas em diversos pontos, tanto de esgoto bruto quanto do tratado.
“Os ganhos vão para os organismos que vivem naquele corpo hídrico, como tilápias e cágados que vivem aqui. Você tem ganho de peixes e de flora porque tem plantas que sobrevivem naquele rio - além da paisagem harmonística que fica mais bonita”, complementa o químico Renato Vilela, coordenador de operações de esgotamento sanitário.
Segundo eles, esses dados dão mais agilidade e confiabilidade às decisões tomadas pela empresa, que deste modo sabe onde é preciso agir para que o tratamento seja realizado seguindo os parâmetros ideais e dentro do limite outorgado.
Retorno de cavalos-marinhos
Outra experiência de êxito ocorreu na região dos Lagos, no Rio de Janeiro: com as obras para coleta e tratamento de esgoto nas cidades do entorno, cavalos-marinhos passaram a habitar e procriar na Lagoa de Araruama, em 2021. Esses animais são considerados muito sensíveis à poluição, o que indica a saúde ambiental do corpo hídrico.
Por lá, o programa Imersão, realizado pela Universidade Veiga de Almeida em parceria com a Prolagos - concessionária da Aegea na região -, faz análises dos parâmetros físico-químicos da água da laguna, com a produção de relatórios trimestrais.
No início dos anos 2000, quando a Prolagos começou a atuar, a Araruama era considerada degradada e recebia o lançamento de muitas substâncias poluentes. Através da revitalização da lagoa, espécies de peixes como carapeba e perumbeba também aumentaram de população.
A Aegea diz atuar para que as praias da região de Lagos permaneçam próprias para banho. Segundo o último relatório de balneabilidade do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA), de março, quase 60% das praias de Araruama estão aptas.
Menor risco de doenças
A incidência de doenças de veiculação hídrica, diarreia, amebíase, cólera, hepatite A e esquistossomose, é inversamente proporcional à implantação da rede de esgoto, como ressalta Themis de Oliveira. Ou seja, quanto maior a cobertura, menos “falta de crianças na escola”, exemplifica o diretor.
Renato Vilela frisa que a preocupação com o esgoto não é exclusividade das estações, mas de toda a rede de quilômetros de ligações subterrâneas que o bombeiam, para evitar o escape para os corpos hídricos voltados para o abastecimento humano.
Assim, fortalecer as bacias hidrográficas que também geram água para captação e tratamento do esgoto são outro ponto trabalhado pela empresa através da plantação de mudas de mata ciliar às margens dos rios. A exemplo dos cílios dos olhos, como o nome diz, ela impede que parte dos sedimentos e poluentes cheguem à água.
A identificação de lançamentos de esgoto irregulares nos corpos hídricos é mais uma iniciativa para melhorar a qualidade dos recursos. “No monitoramento, pegamos esses desvios e a Secretaria de Meio Ambiente faz ações de fiscalização para identificar quem está causando aquele problema”, detalha Vilela.
Responsabilidade ambiental
Consolidar atividades que tirem o termo “desenvolvimento sustentável” do papel pode parecer um desafio, mas projetos simples podem se tornar de grande importância com os devidos estudos técnicos.
Em Mato Grosso do Sul, o “Lodo Sustentável” vai na contramão da maioria das concessões, que basicamente seca o lodo gerado no tratamento do esgoto e manda pro aterro sanitário, com grandes volumes e gerando custos operacionais.
Com esse projeto, o lodo das estações do Estado (cerca de 500 toneladas por mês) é processado por uma empresa que o mistura com esterco bovino e produz um biofertilizante. Parte desse material será empregado na recuperação de áreas degradadas e hortas comunitárias.
A replicação do modelo depende das diferentes composições do lodo, do potencial de uso local e das propriedades químicas e energéticas do material.