Ceará tem mais de 100 bebês em unidades de acolhimento; número subiu 32% em dois meses

No total, 851 meninos e meninas vivem em “abrigos” à espera de retorno à família de origem ou de uma adoção

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Close de mão segurando os pés de um bebê
Legenda: Número de bebês de até 2 anos incompletos foi o que mais cresceu entre acolhidos no Ceará
Foto: Rene Asmussen/Pexels

Viver “sozinho” no mundo é duro em qualquer idade, mas essa realidade começa desde o nascimento para dezenas de cearenses, todo ano. Neste mês, 108 bebês estão em unidades de acolhimento do Ceará, à espera de retorno à família biológica ou de adoção.

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O número tem crescido de forma que nem os especialistas conseguem explicar. Em janeiro, eram 82 bebês nos “abrigos”, como as instituições são conhecidas. Em 2 meses, o aumento foi de 32%. Os dados são do Sistema Nacional de Adoção (SNA), fornecidos pelo Ministério Público do Estado (MPCE).

Junto aos pequenos de até 1 ano, somam-se 351 crianças de 2 a 11 anos de idade, 356 adolescentes de 12 a 17 anos, e 36 meninos e meninas de 18 anos, idade em que o amparo nos “abrigos” deve terminar. No total, 851 aguardam um lar-destino, 6,6% a mais que em janeiro.

O que chama atenção, segundo o promotor de Justiça Dairton Oliveira, é o aumento expressivo entre bebês, que destoa do crescimento geral, o que ele define como um “fenômeno novo do qual ainda não se sabe as causas”.

O aumento de acolhidos é comum, no início do ano, devido ao recesso do Judiciário. Mas entre os bebês não está dentro do natural. Não sabemos as causas, mas só vejo as exclusões sociais da pandemia como possível.
Dairton Oliveira
Promotor de Justiça do MPCE
 

Para Dairton, que é coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caopij) do MPCE, é necessário um estudo para confirmar “se a criança foi pro abrigo porque os pais perderam a capacidade de criá-la”.

“Precisamos investigar as estruturas das famílias. Um bebê muda toda a dinâmica familiar de rotina e custos, e as desigualdades sociais agravadas pela pandemia interferem nisso”, avalia o promotor.

Dairton explica também que o chamado “recesso do Judiciário” interfere na vida dos pequenos, já que, sem atuação dos servidores, "que tiram férias no início do ano", os processos ficam parados e os acolhidos “se acumulam” nas unidades.

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Em nota, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) afirmou que "o serviço é ininterrupto e as férias são programadas de modo a não interferir no andamento dos trabalhos". Segundo o TJ, dos 13 servidores que atuam na 3ª Vara da Infância e Juventude e no setor de Adoção, apenas dois estão de férias hoje.

Efeitos do acolhimento

Menino num berço em unidade de acolhimento de Fortaleza
Foto: Helene Santos

Adriana Meireles, pedagoga e coordenadora do Lar Batista, entidade que acolhe crianças em Fortaleza, revela que há 12 bebês acolhidos na casa, hoje, quando a capacidade é de no máximo 10. 

As crianças, ela aponta, “vêm das mais diversas vulnerabilidades, como abandono, entrega legal e violência”, sendo as duas primeiras causas as mais frequentes.

“O Lar estava preparado para o aumento, mas o que surpreende é a idade das crianças. A mais velha aqui tem 1 ano e 8 meses. A procura de vagas é muito maior do que a oferta. Se me ligarem, tenho que dizer que não tenho”, lamenta.

Temos um trabalho muito direcionado de desenvolvimento biopsicossocial, mas não posso dizer que isso é pertinente à maioria das unidades. Há muitos bons profissionais, mas não há estrutura.
Adriana Meireles
Coordenador do Lar Batista
 

As perdas para as crianças, como avalia a pedagoga, podem ser irreparáveis, se não houver um olhar sensível da família de origem (caso a Justiça decida pelo retorno) ou da substituta (em caso de adoção).

“Estudos mostram que se essa criança for acolhida por mais de 6 meses e não for devidamente estimulada por profissionais, ela começa a ter perdas cognitivas, que refletem na vida educacional e futura. É preciso esse olhar”, reforça Adriana.

Os abrigos estão preparados?

A resposta, dada por Dairton Oliveira, é enfática: “não estão”. O promotor destaca que as unidades de acolhimento de Fortaleza já previam aumento da demanda e, por efeito, se estruturaram melhor para lidar com ele – embora a grande quantidade de bebês tenha saído do “script”.

Outros municípios cearenses, porém, têm amargado os impactos da superlotação. “Em Caucaia, por exemplo, tivemos uma audiência sobre isso. Lá, vão precisar de uma solução urgente. São 17 bebês acolhidos”, afirma o coordenador auxiliar do Caopij.

50
bebês cearenses de até 1 ano vivendo em abrigos estão em Fortaleza. A Capital concentra um terço dos acolhidos no Estado.

Além dos sérios prejuízos ao desenvolvimento global e à criação de vínculos pelos bebês, “ruins pra toda a sociedade”, Dairton destaca os gastos de se manter os pequenos nas unidades: cerca de R$ 6.500 por mês. “Há muitas famílias disponíveis pra cuidar e amar essas crianças”, finaliza.

De acordo com o artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o prazo máximo para conclusão de um processo de adoção é de 120 dias (4 meses), “prorrogável uma única vez por igual período”.

Apesar disso, a indefinição da situação de bebês, crianças e adolescentes nos abrigos do Ceará prolonga a permanência deles nas unidades de acolhimento. 

“O que prejudica é o atraso na solução dos processos. Cada criança é um ser individualizado, com sua história de vida. O ideal seria resolvermos a situação de cada uma nos seus prazos legais”, frisa Dairton.

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