Entre superlotação e trajetos longos, as viagens no transporte público de Fortaleza estão mais desconfortáveis há quase 3 anos devido à falta de ar-condicionado durante a pandemia. Sem previsão para a volta do uso do equipamento, mesmo com a queda dos casos de Covid, os deslocamentos se confundem com prova de resistência.
“Quando entrei no transporte estava quente e com um mau cheiro, várias pessoas, que também passaram o dia trabalhando, estavam suadas. Fiquei em pé, imprensada no ônibus pela lotação. Não tinha onde me segurar e eu tive vontade de chorar”.
Ingrid Leite, de 30 anos, foi marcada pela situação após 40 minutos de espera pelo coletivo. Logo ao entrar, ficou presa na porta. Mas o sufoco não é isolado; faz parte da rotina de 1h30, em média, no trajeto da Messejana até a Avenida Dom Manuel feito pela assistente social.
Além do longo tempo de espera, da lotação do transporte, do calor e do preço da passagem, é desagradável não ter ar-condicionado. Às vezes é insuportável fazer alguns percursos na cidade
Ingrid está ao lado de milhares de passageiros numa frota de 1.747 ônibus em circulação na Capital e na Região Metropolitana. São 780 veículos equipados com ar-condicionado, ou seja, 44,6% da rede.
Sem o equipamento, durante o período de chuva - concentrado entre fevereiro e maio -, as janelas dos ônibus são fechadas para evitar que os passageiros sejam molhados, mas o ar abafado causa mal-estar e eleva o risco de contaminação.
Já no período de calor intenso, marca da segunda metade do ano no Ceará, o pouco vento que circula entre os braços estendidos nos ônibus não é suficiente para conter o desconforto. Por vezes, o ambiente estressante gera conflitos nos coletivos.
Nenhum ônibus roda com climatização desde 16 de março de 2020 para evitar a transmissão do coronavírus, conforme decisão do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Ceará (Sindiônibus). Na época, o Estado registrava os primeiros casos da doença.
De lá para cá, foram quatro períodos mais intensos de transmissão, as chamadas “ondas de Covid”. A 4ª onda, inclusive, aconteceu entre maio e junho no Estado. Em Fortaleza, a semana de transição entre junho e julho atingiu o pico de 5.289 casos.
Já na última semana, entre os dias 10 e 16 de outubro, a Capital teve apenas 12 casos confirmados de Covid e 84 pacientes ainda aguardam o resultado. Os dados são da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
“Compreendo que a suspensão do ar-condicionado nos ônibus ocorreu por causa da pandemia, porém mesmo com flexibilização das condições sanitárias e a vacinação avançada muitos ônibus ainda não voltaram a usar o ar condicionado”, pondera Ingrid.
A reflexão da jovem está alinhada à opinião de especialistas e autoridades, com base no atual cenário de menor circulação de vírus, menores índices de infecções, hospitalizações e óbitos por Covid-19, como avalia a Secretaria da Saúde.
“Não há mais recomendação das autoridades sanitárias (no nível estadual - Sesa) para que os ônibus e outros veículos de transporte público circulem com janelas abertas”, completa.
O infectologista Keny Colares concorda com o uso do equipamento num cenário como o atual, de baixa transmissão. Caso seja registrado aumento de casos, a medida deve ser reavaliada.
“Talvez a utilização desses recursos tenha que ser feita dependendo da realidade da época”, explica.
"A gente sabe que essas doenças respiratórias, especialmente a Covid e a gripe, são altamente transmissíveis em ambientes fechados. Então, a ventilação reduz muito a chance de transmissão quando você está com outras pessoas, como é o caso do transporte público”, pondera o médico
Contudo, não há estimativa para o retorno do alívio térmico nos coletivos. “Diante da lotação, trânsito, congestionamento e o desconforto de passar horas em pé dentro do transporte, o uso do ar condicionado é importante para proporcionar algum conforto”, reforça a assistente social.
Ingrid também pontua que “o preço da passagem aumentou e não teve melhora nos equipamentos”. Em janeiro deste ano, houve aumento da passagem inteira de R$ 3,60 para R $3,90, o que representa aumento de 8,3%. O último reajuste tinha sido em 2019.
O Diário do Nordeste conversou com passageiros e esteve em linhas de ônibus durante a produção desta reportagem em que há insatisfação coletiva com a falta de climatização. São exemplos dos itinerários abordados: 026 Antônio Bezerra / Messejana, 600 Frei Cirilo / Messejana, 078 Siqueira / Mucuripe, 076 Conjunto Ceará / Aldeota, 668 Parque Betânia / Messejana, 650 Messejana / BR Nova.
Quando os ônibus voltarão a ter ar-condicionado em Fortaleza?
A Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) enviou ofício, em outubro, às operadoras de transporte solicitando a retomada do uso do ar-condicionado.
“Devido à necessidade de manutenção dos equipamentos, o Sindiônibus irá apresentar um cronograma viável para o retorno dos aparelhos”, adiantou a Etufor ao Diário do Nordeste.
O Sindiônibus não repassou à reportagem uma previsão de quando os equipamentos devem voltar a funcionar, mas informou que antes disso acontecer será necessário revisar o equilíbrio financeiro dos contratos de operação, além do cronograma de reparo.
“Os aparelhos não são projetados para ficar tão longo período sem ligar e isso traz consequências severas ao funcionamento e limpeza”, completou o Sindônibus.
Sem máscaras e sem ar
Quem anda de ônibus já deve ter ouvido uma questão recorrente: “por que pode entrar sem máscara e não pode usar o ar-condicionado?”. Os passageiros podem entrar nos coletivos sem a proteção desde setembro por causa da queda contínua na transmissão de Covid.
“Apesar da desobrigação do uso de máscaras, ainda há a recomendação. Ligar o ar-condicionado implica fechar as janelas e interromper a renovação constante do ar dentro dos ônibus”, informou o Sindiônibus à reportagem.
Quando internamente houver a decisão para restabelecer os equipamentos, deve ser feita revisão dos contratos de operação e a manutenção dos aparelhos antes do retorno da climatização.
Essa incerteza está associada à insatisfação de quem acompanhava uma série de melhorias no transporte público, como é o caso da estudante universitária Isabelly Carvalho, de 22 anos.
"Foi uma conquista tão grande e entendemos que isso é por conta da pandemia, mas visto que já está controlado pela vacina, é um benefício que conseguimos com muito custo e que está fazendo muita falta", avalia.
O trajeto do Jangurussu rumo a região do Benfica, acontece desde o ensino médio, no que observa as mudanças na estrutura dos ônibus e das vias para facilitar o deslocamento. Agora, entre os deslocamentos para a faculdade e o trabalho, Isabelly entra em 7 coletivos.
Já é muito desgastante pegar essa quantidade de ônibus pelo desgaste de não ter um fácil acesso da minha casa para os lugares e fica ainda pior com ônibus lotado, quente e sem circulação de ar
A estudante usa a linha 650 BR Nova / Expresso, que “passa de 10 em 10 minutos, mas mesmo assim vai parecendo uma lata de sardinha, extremamente apertado com muita gente", como observa.
"Às vezes as janelas não abrem e, como é um ônibus que sempre vai lotado, com a janela fechada e no engarrafamento da Aerolândia... É algo de meia hora com a gente sem conseguir respirar", frisa.