O que fazer para o transporte público de Fortaleza voltar a atrair passageiros e ter qualidade?

Mesmo antes da pandemia o serviço já perdia usuários. Na crise sanitária o recuo aumentou. Em que as empresas e a Prefeitura podem e devem investir?

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
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Legenda: Para manter o valor da tarifa, a Prefeitura garantiu um subsídio de R$ 32 milhões ao serviço de transporte coletivo
Foto: Fabiane de Paula

Ônibus em boas condições físicas; frota relativamente nova; valor da passagem inteira a R$ 3,60 desde janeiro de 2019; circulando em ao menos 123 km de faixas exclusivas para transporte coletivo. Por outro lado, em horários de pico, a superlotação permanece; o intervalo entre um coletivo e outro, a depender da linha, é grande; e a cada reajuste de passagem, os gargalos crescem. Na pandemia, com as aglomerações, andar de ônibus em Fortaleza, se tornou mais difícil ainda.

Apesar dos avanços na Capital, nos últimos anos, com a ênfase no transporte público, o cenário é complexo. Antes mesmo da crise sanitária, os ônibus já perdiam passageiros. Parte deles para os transportes por aplicativo. Com a pandemia, essa perda se ampliou. 

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Em janeiro de 2020, a Prefeitura registrou cerca de 23 milhões de embarques nos coletivos, em abril de 2020 caiu consideravelmente para 5 milhões. Até setembro de 2021, com 15,4 milhões de embarques, o índice de janeiro de 2020 ainda não foi retornado. 

A demanda por transporte coletivo é uma das certezas nas grandes cidades.

Além das questões financeiras, estimular o uso dos ônibus em detrimento dos carros particulares é uma das estratégias para tornar o tráfego sustentável e possível. Diante disso, o que deve ser feito para o transporte público de Fortaleza voltar a atrair passageiros e ter qualidade?

Das ações experimentadas por outras cidades brasileiras para continuar mantendo a quantidade de passageiros, Fortaleza já adotou várias. São elas: 

  • Implantação de faixas/corredores exclusivos para ônibus;
  • Melhorias na infraestrutura com a construção de novos terminais de integração (José Walter e Washington Soares)
  • Implantação da bilhetagem eletrônica;
  • Criação de novas linhas para interligar regiões, após a realização de pesquisas periódicas nas localidades;
  • Criação de aplicativo com horários dos ônibus que possa dar previsibilidade aos usuários;
  • Melhoria na qualidade da frota, de modo a gerar mais conforto aos usuários;
  • Manutenção do valor da passagem;
  • Mas, a redução de passageiros gera um dilema que é justamente a capacidade de manter esse sistema operando de forma equilibrada. 

Medidas a serem adotadas

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Legenda: A criação de faixas exclusivas é uma das apostas para gerar qualidade ao transporte coletivo
Foto: Fabiane de Paula

O problema vivido em Fortaleza, diz o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, é o mesmo que as demais cidades grandes vivenciam. “Entre 80% e 100% da frota operando, com uma receita de passageiros em torno de 65%”, afirma. 

Mas, argumenta ele, apesar desse grande dilema “não tem nenhuma experiência no Brasil que esteja trabalhando no sentido de reestruturar o sistema como um todo”. Ele explica que não há perspectiva de recuperação de passageiros em curto prazo. 

As apostas, afirma Otávio, são um conjunto de ações como: investimento em infraestrutura; criação de faixas exclusivas, pesquisa de satisfação com usuários; regularidade do serviço - com ônibus rápidos e chegando no horário; empresas com contabilidade auditada; e uma política tarifária na qual o usuário não pague todo o custo. 

No atual modelo adotado em Fortaleza, o pressuposto é de que o custo operacional do transporte coletivo, em geral, é bancado pela tarifa cobrada. Mas, quando essa arrecadação reduz, leva junto a capacidade de manter, por exemplo, a mesma quantidade de ônibus em circulação. E para continuar, argumentam os empresários, é preciso o poder público "subsidiar" essa verba. 

“A política tarifária unicamente amparada pelo passageiro pagante não se sustenta mais. Com a pandemia se tornou mais aguda, mais perceptível”. 
Otávio Cunha
Presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)

Na Capital, diz a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), a Prefeitura garantiu a manutenção da tarifa de ônibus com o subsídio de R$ 32 milhões ao serviço de transporte coletivo. O pagamento desse valor é dividido entre a Prefeitura e o Governo do Ceará. Contudo, essa verba será paga até esse mês. 

Para 2022 não foi ainda publicizado nem pela gestão municipal, nem pelos empresários o que será adotado em Fortaleza para que não haja um reajuste significativo no valor das passagens, e isso gere mais perda de passageiros.

Desde janeiro de 2019 o valor cobrado não sofre alteração. Questionada sobre os próximos períodos, a Etufor diz que “é uma definição que depende da previsão orçamentária do Município”.

Soluções apontadas em projeto lei


Conforme o presidente da NTU, Otávio Cunha, a possível solução para o problema passa pelo subsídio a ser garantido pelo poder público. Ele menciona duas cidades - São Paulo e Brasília - nas quais parte da tarifa dos ônibus conta com recursos do orçamento local. Em São Paulo, diz ele, o subsídio chega a 35% do custo, e em Brasília ultrapassa os 50%. 

Outra ação necessária, menciona Cunha, é o estabelecimento de um marco legal que ampare e ordene um sistema nacional de transporte. Um Projeto de Lei (PL 3278/2021) tramita no Senado e traz novas diretrizes para o transporte de passageiros. Dentre elas, mudanças e incrementos nas fontes de custeio do serviço. 

Propostas do PL 3278/2021:

  • Ao serem estabelecidos estacionamentos nas cidades, a receita deve ser vinculada ao subsídio pago pela gestão pública para garantir o serviço de transporte coletivo;
  • Escalonamento do horário de funcionamento das atividades urbanas para assim distribuir de forma mais uniforme a demanda de viagens urbanas durante o dia;
  • Em casos em que há valorização imobiliária com a implantação da infraestrutura de transportes, seja instituída uma "contribuição de melhoria" ao proprietário do imóvel para financiar projetos de mobilidade urbana;
  • Os déficits tarifários devem ser cobertos por receitas extra tarifárias, subsídios orçamentários, dentre outros recursos instituídos por prefeituras, governos estaduais ou federal.
  • Os contratos de prestação de serviços de transporte público devem distinguir a tarifa pública cobrada dos usuários e a tarifa de remuneração da prestação do serviço (a ser paga pela gestão pública);

Em Fortaleza, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus), ressalta em nota que:

“O desafio agora é equilibrar financeiramente o transporte público e torná-lo mais competitivo em relação às alternativas individuais, pois tratam-se de empresas que arcam com os encargos inerentes à formalidade e há um peso enorme com muitas gratuidades e outros benefícios sem fonte de custeio”. 
Nota Sindiônibus

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Legenda: Capitais anunciam gratuidade do transporte público para o segundo turno das eleições
Foto: Fabiane de Paula

Impactos na mobilidade

A entidade reitera que “as melhores práticas mundiais já são muito bem estabelecidas e mostram que o que se investe em transporte público retorna com folga em inclusão e cidadania, fluidez e produtividade para os cidadãos e para a economia”. 

E acrescenta que, “cada pessoa que troca uma viagem de transporte coletivo pelo individual custa mais caro à cidade, ocupa mais de 12 vezes mais espaço e polui 5 vezes mais”. 

Para o presidente da NTU, Otávio Cunha, outro ponto chave é garantir maior proximidade com as necessidades dos passageiros. “Pesquisas precisam estar sendo atualizadas para que você esteja com uma rede que atenda efetivamente o desejo das pessoas de se deslocarem”. 

Na Capital a pesquisa origem-destino, iniciada pela Prefeitura em 2019 foi finalizada. Questionada sobre o tema, a Etufor respondeu que “os dados estão em análise. O estudo é coordenado pela Secretaria da Conservação e Serviços Públicos, envolvendo áreas afins”.  

 

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