3 em cada 4 escolas públicas do Ceará não têm equipamentos eletrônicos em quantidade adequada

Especialista alerta que, quanto mais estratégias o professor conseguir oferecer, maior será o número de experiências de aprendizagem possíveis de planejar, com base nas necessidades dos alunos

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@gmail.com
Alunos em laboratório de informática
Legenda: As regiões Norte e Nordeste são as que apresentam os maiores percentuais de escolas com quantidade insuficiente de dispositivos: mais de 80% em ambas as regiões
Foto: Thiago Gadelha

Seja em casa, nas ruas, no comércio, em praças ou no transporte coletivo, o acesso à internet parece difundido por todo o País. Contudo, a realidade é diferente em muitas instituições de ensino públicas de todo o Brasil, incluindo do Ceará. No Estado, três em cada quatro escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio não têm computadores, notebooks e tablets em quantidade suficiente para uso pedagógico de alunos, professores e gestores, segundo levantamento do Ministério da Educação (MEC).

De 5.913 unidades de ensino públicas do Estado, 4.380 escolas não têm dispositivos em quantidade adequada para uso uma vez por semana, segundo o Ministério. É o equivalente a 74,1% do total das escolas estaduais e municipais do Ceará. Considerando todo o Brasil, são 96.313 escolas nessa situação — 69,6% do total.

As regiões Norte e Nordeste são as que apresentam os maiores percentuais de escolas com quantidade insuficiente de dispositivos: mais de 80% em ambas as regiões. Os estados do Sul do País, juntos, são os que têm o menor índice e, ainda assim, a metade das escolas estão nessa situação.

Os dados são de um levantamento do MEC sobre diversos parâmetros necessários para promover a conectividade na educação básica. Esse diagnóstico faz parte da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, que tem o objetivo de promover o acesso à internet em mais de 138,3 mil unidades de educação básica em todo o Brasil até 2026.

Essas informações são corroboradas pela pesquisa TIC Educação 2022, lançada em setembro deste ano pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Ela mostra que, apesar de a quantidade de escolas com conexão  à internet ter aumentado desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, parte significativa delas não conta com equipamento para uso dos alunos.

De acordo com o MEC, a conectividade adequada para fins pedagógicos permite:

  • A realização de atividades pedagógicas e administrativas online;
  • O uso de recursos educacionais e de gestão;
  • O acesso a áudios, vídeos, jogos e plataformas de streaming com intencionalidade pedagógica;
  • Disponibilidade de rede sem fio no ambiente escolar, composto por:
    • Salas de aula;
    • Bibliotecas;
    • Laboratórios;
    • Salas de professores;
    • Áreas comuns;
    • Setores administrativos.

Mais recursos para atender às necessidades dos alunos

José Alcy de Pinho Martins, professor da Educação Básica de Maracanaú, município da região metropolitana de Fortaleza, percebe no dia a dia a falta que uma conectividade efetiva e com equipamentos suficientes faz. Para ele, caso as instituições já estivessem preparadas para o uso dos equipamentos e para as aulas remotas, não haveria tantos prejuízos durante a pandemia. “Temos deficiências enormes porque nós, professores, tivemos que dar nosso jeito para tentar passar algum conteúdo para o aluno”, afirma.

Com a retomada para as aulas presenciais, a percepção do professor é que os estudantes, “de certa maneira”, adaptaram-se às aulas remotas e, na volta, cobraram essa tecnologia na escola. Porém, a disponibilidade de equipamentos não acompanhou o retorno.

De certo modo nós avançamos, porque tivemos a possibilidade de usar uma tecnologia da informação para repassar conteúdos, inclusive avaliações. E, ao mesmo tempo, ao voltarmos para a sala de aula, nós voltamos para antes da pandemia. (...) Faltou política pública de acesso a esses equipamentos dentro da escola para que eu, na sala de aula, pudesse fazer o link para eles visualizarem com rapidez alguma dinâmica e assim o aprendizado ser de grande valia.
José Alcy de Pinho Martins
Professor da Educação Básica de Maracanaú

Thais Lenhardt, consultora de Produção de Conteúdo e Tecnologias Educacionais da Mind Lab, destaca a importância do uso dos recursos tecnológicos para a recomposição de aprendizagem, atendendo às diferentes dificuldades apresentadas pelos estudantes após o período de ensino remoto devido à pandemia, tanto emocional quanto cognitivamente.

Nesse processo de diagnosticar como estão os estudantes e quais as necessidades que eles apresentam, quanto mais recursos o professor tiver em mãos, mais ele vai conseguir “contribuir para a equalização dessas diferenças”, explica a consultora. Isso porque, ao abordar um mesmo tema de diferentes formas, o docente proporciona aos alunos formas diversas de interagir com esse conteúdo.

Por isso o acesso igualitário a esses equipamentos em todas as escolas contribui: porque municia o professor, aumenta o repertório pedagógico do professor de forma que ele tenha mais uma possibilidade, mais uma estratégia. Quanto mais estratégias o professor pode oferecer, maior o número de experiências de aprendizagem que ele pode planejar, com base nas necessidades dos alunos, com o objetivo de recompor as aprendizagens que foram prejudicadas durante o período da pandemia.
Thais Lenhardt
Consultora de Produção de Conteúdo e Tecnologias Educacionais da Mind Lab

O papel dos dispositivos tecnológicos para a educação

Em um contexto social no qual inúmeras atividades cotidianas passaram a ser realizadas pela internet, a conectividade nas escolas é uma demanda da sociedade. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta o uso da tecnologia, de forma crítica e ética, entre as competências gerais da Educação Básica.

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

Sem internet ou dispositivos eletrônicos, os estudantes são prejudicados em relação aos alunos que têm acesso a conteúdos e estratégias diversas. “Você priva o estudante de ter determinadas experiências de aprendizagem que vão favorecer até uma atuação cidadã”, diz a consultora. “Agora precisamos colocar em prática o que as diretrizes já dizem, como uma política de estado”, defende Martins.

O professor aponta que é necessário capacitar os docentes para o uso dos recursos tecnológicos nas aulas e sensibilizar os estudantes. Para Martins, ao tornar os alunos coautores do conhecimento, eles desenvolvem maior criticidade. “(Isso gera) melhores condições de vida tanto para quem está dentro quanto para quem está fora da escola”, afirma.

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Thais Lenhardt também aponta a importância de os estudantes terem autonomia no consumo de conteúdos. “O professor precisa mostrar como aquele recurso tecnológico vai ser usado dentro desse cenário pedagógico, senão o aluno continua sendo um assimilador de conteúdos, de uma forma que não existe uma criticidade, um exercício de análise, e a gente continua baseado no ensino tradicional.”

Justamente para não “mascarar” os processos tradicionais pelo uso de equipamentos tecnológicos, a consultora aponta a necessidade de mesclar diferentes estratégias de acordo com a necessidade da turma, como debates e trabalhos individuais ou em grupo, entre outros.

Nesse contexto, ela também reforça a importância da educação continuada para os profissionais. “A formação inicial de professor, o primeiro curso de licenciatura que ele faz, não tem como prever quais serão todos os desafios que ele vai enfrentar.”

Estratégia Nacional de Escolas Conectadas

Lançada no último dia 26 de setembro durante a cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas visa direcionar e garantir a conectividade para fins pedagógicos às mais de 138,3 mil escolas de educação básica. O apoio à aquisição e à melhoria de equipamentos também faz parte do programa.

A proposta é que todas as escolas sejam conectadas por fibra óptica ou via satélite com uma velocidade de pelo menos 1 Mbps por aluno, além de contar com rede Wi-Fi. Para isso, o investimento será de R$ 8,8 bilhões.

Desse total, R$ 6,5 bilhões serão destinados ao eixo “Inclusão Digital e Conectividade” do Novo PAC e serão empregados na implantação de conexão à internet e rede interna nas escolas. Os outros R$ 2,3 bilhões vão viabilizar os outros eixos do programa.

O projeto elenca 6 eixos para a tecnologia e inovação na educação:

  • Conectividade: internet de qualidade para uso pedagógico nas salas de aulas e em outros espaços pedagógicos da escola.
  • Ambientes e Dispositivos: equipamentos tecnológicos na mão de professoras(es), gestoras(es) e estudantes, e modelagem de ambientes de integração digital.
  • Gestão e Transformação Digital: tecnologia apoiando a gestão mais eficiente das secretarias e escolas, integrando dados e garantindo interoperabilidade de sistemas.
  • Recursos Educacionais Digitais: recursos alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), diversificados e de qualidade, disponíveis para as(os) estudantes e professoras(es), em complementação (mas não em substituição) aos materiais impressos.
  • Competências e Formação: desenvolvimento das competências digitais das(os) profissionais da Educação Básica, promovendo práticas pedagógicas inovadoras.
  • Currículo: currículos alinhados à BNCC, incluindo cidadania digital e novas competências digitais adequadas a cada etapa de ensino (usar, entender e refletir sobre tecnologia).

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