1 a cada 4 crianças e adolescentes do Ceará avaliados pelo SUS tem peso acima do ideal ou está obeso

Sedentarismo agravado pela pandemia e falta de alimentos nutritivos têm aumentado casos de sobrepeso e obesidade entre os pequenos

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Bandeja mostra hambúrguer, batata frita e frango frito
Legenda: Sobrepeso e obesidade têm avançado entre crianças de até 5 anos de idade no Ceará
Foto: Shutterstock

Ter uma boa alimentação é, além de requisito para uma vida saudável, um direito previsto em lei. Mas a falta de hábito ou de condições de consumir esses alimentos tem ampliado no Ceará os casos de uma doença comum, mas perigosa: a obesidade. Inclusive infantil.

Ao fim de 2021, pelo menos 90.219 crianças de até 5 anos e adolescentes acompanhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Ceará foram diagnosticados com peso acima do ideal, sobrepeso ou obesidade. 

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Os adultos somam um número 5 vezes maior: mais de 495 mil cearenses estão acima do peso ideal – cerca de 252 mil com sobrepeso, 155 mil com obesidade grau I, 58 mil obesos em grau II e quase 29 mil com obesidade grau III (ou mórbida).

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Os dados são do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), atualizados até dezembro de 2021 e coletados pelo Diário do Nordeste, e apontam, neste Dia Mundial da Obesidade (4 de março), para a urgência de adoção de hábitos mais saudáveis: de 365.272 meninos e meninas acompanhados, 25% estão com peso acima do adequado.

Entre as 186 mil crianças de 0 a 5 anos monitoradas, 24.852 estão com “peso elevado para a idade” no Ceará. Já entre os adolescentes, quase 40 mil estão com sobrepeso, e outros 25 mil têm obesidade em menor ou maior gravidade.

A alimentação rica em açúcares e o sedentarismo agravado pelo isolamento social levaram a filha da cabeleireira Adriana Araújo, 42, ao diagnóstico de obesidade de grau I, aos 17 anos. A família tem enfrentado, hoje, uma mudança “radical” nos hábitos.

A gente comia muito sanduíche, hambúrguer, muita pizza… Eles gostam muito de doce também. Agora, estamos mudando, substituindo arroz por integral, comendo mais frutas. E muito importante: eliminamos o açúcar.
Adriana Araújo
Cabeleireira

Adriana lembra que há histórico de obesidade na família, já que mãe, avó, bisavó e outros vários familiares também tiveram o diagnóstico; mas aponta que a pandemia foi um agravante para a situação da filha e do irmão dela, de 23 anos, também obeso.

“Eles ficaram mais ociosos, sedentários, sem poder sair de casa. Com isso, ela passou a comer mais. Filme é igual a pipoca e pizza, né? A gente fazia festivais de pizza em casa, virava a noite assistindo a filmes”, relata a cabeleireira.

Após o diagnóstico, a família mudou não apenas a alimentação, mas os hábitos diários: a adolescente iniciou a prática de atividade física e tem feito exames periódicos para controle dos indicadores de saúde.

“Obesidade não é comida em excesso”

O caso da filha de Adriana reúne pelo menos três fatores de risco para obesidade: “histórico familiar, sedentarismo, alimentação não balanceada, rica em açucarados, embutidos e industrializados; e sono de má qualidade”, como lista o nutrólogo Fernando Guanabara.

De acordo com o médico, todos esses pontos contribuem para desenvolver uma “predisposição” genética de crianças e adolescentes à obesidade, e foram potencializados com a mudança de rotina provocada pela Covid.

Fernando alerta, ainda, que “obesidade e sobrepeso não são sinônimos de comida em excesso”: comer mais do que se gasta, reforça o nutrólogo, “contribui para isso, mas não determina, até porque a obesidade é uma doença crônica”.

O problema do sobrepeso e da obesidade, como muitos erroneamente julgam, não é a estética, e sim as possíveis doenças a partir deles, como doenças hepáticas e cardiovasculares – que podem atingir igualmente crianças, adolescentes e adultos, como destaca o médico nutrólogo.

“A melhor forma de prevenir é o estilo de vida saudável, uma rotina de atividade física, um sono de excelente qualidade e uma alimentação balanceada, para evitar o comprometimento do intestino”, lista Fernando.

Insegurança alimentar

Oposta à obesidade, mas igualmente prejudicial, a desnutrição também avança entre os pequenos cearenses. Ao fim de 2021, 5.740 crianças tinham peso abaixo ou muito abaixo do ideal, e 6.836 adolescentes estavam com magreza ou magreza acentuada, segundo o Sisvan.

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A nutricionista Renata Belizário, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), reforça que o sobrepeso e a obesidade são multifatoriais, e que “a insegurança alimentar pode, sim, contribuir para aumentar e agravar esses quadros” – o que tem sido mais frequente nos últimos dois anos.

“A insegurança alimentar está relacionada não somente à qualidade da dieta, mas a ter um acesso regular e permanente de alimentos em quantidade suficiente, de boa qualidade, que sejam provenientes de uma fonte sustentável, e economicamente acessíveis”, define.

Nos supermercados, os alimentos ultraprocessados ficaram mais acessíveis. No interior, em algumas cidades, o acesso a alimentos saudáveis não é tão fácil. E há a questão da renda: populações da periferia acabam tendo as piores opções de escolha.
Renata Belizário
Nutricionista

Além de reforçar políticas públicas que promovam o acesso regular a uma alimentação nutritiva, fortalecendo inclusive a agricultura familiar, Renata alerta que uma lacuna importante deve ser preenchida: a inclusão de orientações nutricionais à grade escolar de crianças e adolescentes.

“A melhor forma de prevenir sobrepeso e obesidade é através de educação nutricional, da nutrição entrando como tema em escolas públicas e privadas do Ceará, para que as crianças consigam ter pelo menos noção das melhores escolhas em relação à alimentação. Nosso público é muito carente de informação.”

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