QUE NEM TU: Karina Buhr fala sobre o que sempre se espera do artista que vem do Nordeste
A cantora, compositora, percussionista, atriz, escritora e artista visual falou da sua relação com artistas cearenses, da descrença que ainda impera em mulheres artistas e do desafio de um artista independente de furar bolhas
Mistura de Salvador com Recife, Karina Buhr é o Brasil em sua potência máxima. Cantora, compositora, percussionista, atriz, escritora e artista visual, é do tipo que transborda inventividade. Ela aprendeu desde cedo que precisaria se posicionar e criar espaços que fossem mais respeitosos para ela e outras mulheres. Na arte e em qualquer lugar, Karina não se apequena para caber nas expectativas ou nos discursos dos outros.
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Em entrevista ao Que Nem Tu desta quinta-feira (14), falou como é cansativo precisar- há tanto tempo- levantar bandeiras como o feminismo e o valor do Nordeste enquanto poderia apenas gastar energia falando do seu trabalho. "Se você é do Nordeste não pode falar sobre assuntos considerados universais. Universal seria o Sudeste. O que mais cansa nesses assuntos todos é você sempre ter que falar sobre isso e não ir pro ponto principal que é seu trabalho. Não precisa ser só na arte", pontuou.
A baiana reclamou de falta de repertório sobre a música brasileira e sobre a quase obrigação de ensinar sobre o que se faz até para quem trabalha com comunicação. "É mesmo uma ignorância generalizada que tem também na imprensa sobre música, não só no Nordeste. Então, você vai falar de maracatu de baque solto. Você tem primeiro que explicar o que é maracatu de baque solto. Isso porque maracatu é moda em todo canto. Então você acaba tendo que dar uma aula sobre isso e aí o tempo já se perdeu. Já passou o tempo da entrevista, não cabe mais na legenda nem no texto. E aí você não chega no seu trabalho de fato".
Em Fortaleza para participar da Mostra de Artes da Escola Porto Iracema (MOPI) junto com os cearenses da Procurando Kalu (Sobral), ela também falou do desafio que foi ser tutora do programa e o quanto se sente um pouco em casa também no Ceará. "Foi um presente danado isso. Eu conheci o trabalho deles e achei incrível. E aí quando eu vi me convidaram pra ser tutora. Eu nunca fui tutora. E fui descobrindo fazendo. São muitas linguagens misturadas e a gente tem isso em comum. Tem uma coisa cênica forte. Já estamos fazendo música juntos. Já estamos amigos", conta.
Cheia de amigos e parceiros na música, tanto aqueles que inspiram quanto os que trabalham juntos, ela encontra no Ceará um lugar de afeto. As letras, melodias e tambores dos cearenses tocam Karina de um jeito especial. Tanto que ela até já declarou que uma canção que poderia ser trilha sonora de sua vida pertence a Ednardo.
"Não lembro qual a música, mas poderiam ser várias. Ouvia Ednardo desde pequena. Eu tenho uma ligação muito forte com o Ceará. Esse pessoal mais antigo, o pessoal do Ceará. Mona (Gadelha), (Fernando) Catatau, Régis (Damasceno)... Tenho uma relação muito forte com esse Estado. Eu gosto muito".
Com um trabalho das mais diversas plataformas muito ligado ao feminismo, ela teve que abrir caminhos quando tocar em Maracatu ainda era espaço quase que exclusivamente para homens. Ela relatou os episódios de violência de gênero que viveu, inclusive, quando teve instrumentos tomados e foi questionada se suas músicas eram, de fato, suas. Karina falou sobre o apagamento de mulheres no manguebeat e em vários outros movimentos culturais.
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Com Selvática (2015), seu terceiro álbum solo, um manifesto feminista foi entregue com muita clareza e intenção. Apesar de ter sido muito celebrado, a artista pontua que algumas situações a surpreenderam no lançamento. "Eu não imaginava que seria censurada a capa para o disco cirular. Mas eu também não deixaria de saber se soubesse. O que me deu raiva no lançamento e foi surpresa é que Mal, o baixista que tocava comigo na época, quando falei qual seria a capa falou 'mas será que não vai tirar o foco das letras das músicas?'. E eu fiquei puta na época. Mas aconteceu exatamente isso. Só se falou sobre a capa. Não se falou sobre as letras das músicas do disco. Ou saia discurso feminista e não aprofundava. Na verdade isso é uma dificuldade em qualquer trabalho de mulher".
Os desafios dos artistas para chegar ao público na era do algoritmo
Desde os anos 90 na estrada fazendo arte, viu o modelo da indústria cultural se modificar diversas vezes. Sempre optou por lançar seus álbuns de forma independente. Não havia espaço para negociar o que ela não acreditasse. No entanto, ela analisa que nem sempre bancar suas decisões acontece de uma forma fácil. A nordestina relata o quanto é desafiador estar presente nas redes sociais e adotar estratégias que façam o algoritmo entregar seu trabalho a quem a segue ou furar sua bolha e chegar a outros públicos.
"Tem gente que naturalmente gosta de fazer não só dancinha. A dancinha é porque virou piada já. Mas eu mesmo detesto. Grava um vídeo chamando um show. Eu sofro pra fazer. Me chame pra fazer cinema, teatro, mas pra gravar um vídeo.... Parece besteira, mas eu gravo 60, acho tudo ruim e mando o menos ruinzinho. Eu fico forçando a barra [criar conteúdo para as redes] e muita gente não consegue. Tem conflito geracional. E naturalmente uma galera mais velha fica mais de fora porque não tá ali. E uma galera muito nova não tem acesso a coisas que não são nem muito antigas", pondera ela.
Karina dividiu ainda que está com um trabalho novo no forno. Ela não sabe ainda falar sobre ele porque os caminhos são muito diversos e cheios de possibilidade. No entanto é possível ter uma certeza: se tem a assinatura de Karina Buhr deve ser intenso e a cara dela.
Serviço: 11ª edição da Mostra de Artes Porto Iracema (MOPI)
O show do projeto Procurando Kalu: Dançaremos Furta-Cor com Outros Mundos com a presença da tutora Karina Buhr acontece, na sexta-feira, dia 15, às 21h, no Teatro Dragão do Mar. Grátis. A MOP acontece durante todo o mês de março em vários equipamentos públicos. Programação completa aqui.