Quando as emoções impactam a saúde física: conheça a Síndrome do Coração Partido e como ela acontece

Especialistas situam que estresse crônico – decorrente de traumas, perdas, decepções ou desilusões – pode afetar a saúde de maneira geral, comprometendo a imunidade e a qualidade de vida

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Síndrome do Coração Partido está relacionada a como emoções impactam a saúde do corpo
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Atire a primeira pedra quem nunca teve o coração partido. Tão doloroso quanto comum, o sentimento acompanha gerações e persiste na ordem dos dias. Seja pelo fim de um relacionamento, de uma amizade ou mesmo pela desilusão diante da família, do trabalho ou da própria vida, ninguém está imune ao sofrimento. É coisa humana.

O que talvez poucos saibam é que esse comportamento nomeia algo cada vez mais estudado pela ciência. A Síndrome do Coração Partido ou Cardiomiopatia de Takotsubo é uma condição cardíaca temporária que ocorre geralmente após eventos de forte estresse emocional ou físico. Em suma, está relacionada a como emoções impactam a saúde do corpo.

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Dor no peito, falta de ar, sudorese e palpitações são formas de manifestação da síndrome. É semelhante a um ataque cardíaco, mas sem a presença de artérias bloqueadas, como em infartos tradicionais. Acredita-se que o excesso de hormônios do estresse, a exemplo da adrenalina, afeta temporariamente a capacidade de bombeamento do coração.

“Na Psicologia e na Psicanálise, o termo ainda não é amplamente utilizado de forma técnica, pois está mais relacionado ao campo médico. No entanto, a ideia de que as emoções impactam a saúde física é amplamente reconhecida”, situa Mônica Dantas, psicóloga, sexóloga e terapeuta sexual.

Legenda: Emoções atuam como um sistema de alarme, ajudando-nos a reagir a situações de perigo, desafio ou oportunidade
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Sentir, de fato, desempenha papel vital no corpo. As emoções atuam como um sistema de alarme, ajudando-nos a reagir a situações de perigo, desafio ou oportunidade. Quando sentimos medo, tristeza ou alegria, nosso corpo responde fisiologicamente, liberando hormônios e ativando o sistema nervoso para preparar reações adequadas.

No caso de um coração partido, a tristeza e o sofrimento emocional podem nos ensinar muito sobre nossas vulnerabilidades e capacidades de recuperação. “Essas experiências dolorosas nos forçam a olhar para dentro, refletir sobre nossas relações e expectativas, e podem ser um ponto de partida para o autoconhecimento e o crescimento pessoal”.

Quais os efeitos de um coração partido?

Segundo Mônica, um coração partido pode causar série de efeitos emocionais e físicos. Emocionalmente, é capaz de gerar tristeza profunda, ansiedade, desesperança e luto. Fisicamente – como se percebe na Síndrome de Takotsubo – o impacto pode ser severo, levando até a problemas cardíacos temporários. 

Estresse crônico – decorrente de traumas, perdas, decepções ou desilusões – pode afetar a saúde de maneira geral, comprometendo a imunidade e a qualidade de vida. Embora com os efeitos tão claros, ainda são muito subjetivos os motivos pelos quais um coração pode se “partir”. Perdas significativas ou até o fracasso em um projeto podem gerar essa dor intensa.

Legenda: Na Psicologia, entende-se que coração partido não é apenas uma metáfora; ele pode ser devastador para o psiquismo humano

“Na Psicologia, entende-se que ‘coração partido’ não é apenas uma metáfora. Ele pode ser devastador para o psiquismo humano”, compreende Mônica, em sintonia com outra estudiosa, a psicóloga clínica especialista em psicoterapias de terceira geração e professora de no Instituto Fratelli, Angélica Lacerda.

Para esta, quando a dor do término chega, muitas vezes queremos encontrar atalhos – seja enviando aquela última mensagem ou revisitando memórias. Contudo, essa é uma tentativa de evitar a dor em vez de atravessá-la. Mandar mensagem ou tentar reviver o passado pode dar uma sensação temporária de controle, mas no fundo, prolonga o sofrimento.

“O importante é entender que não há atalhos para superar a dor. Enfrentar o que foi perdido, sentir a tristeza, o luto e até a raiva, é necessário para seguir em frente. Psicologicamente, tentar evitar esses sentimentos cria um ciclo de dependência emocional. A ciência nos ensina que, quando evitamos situações difíceis, acabamos prolongando o sofrimento. Viver o luto emocional sem evitar a dor é um passo essencial para a recuperação”.

A história da Síndrome

A Síndrome do Coração Partido provavelmente sempre existiu, mas só foi descrita cientificamente no início dos anos 1990, no Japão. À época, observou-se que o coração de algumas pessoas, principalmente de mulheres pós-menopausa, assumia um formato semelhante ao de uma armadilha de polvos chamada “takotsubo” após eventos emocionalmente intensos. 

Com o tempo, o termo passou a ser mais conhecido, e os médicos começaram a identificar mais casos. Pode-se dizer que a maior recorrência percebida atualmente está ligada ao aumento da visibilidade e do diagnóstico, além do aumento do estresse crônico na vida moderna, com tantos desafios e pouco espaço para o acolhimento das emoções.

Eventos como a pandemia de Covid-19, crises econômicas e sociais e mudanças abruptas nas dinâmicas de vida podem ter contribuído para o aumento da frequência de casos de sofrimento emocional extremo. Pesquisa Nacional Remota (Registro Multicêntrico de Takotsubo) avaliou 169 pacientes, no período de 2010 a 2017, e tem resultados alarmantes.

A idade média dos acometidos pela Síndrome é de 70 anos, com as mulheres na maioria dos casos (90%). No registro realizado no Rio de Janeiro, foi encontrada uma mortalidade de 10% – realidade não muito distante da mortalidade do infarto em pessoas com essa faixa etária. 

Afinal, por que sofremos?

À luz da Psicologia, a resposta está em saber que o sofrimento humano é, em grande parte, verbal. As histórias que contamos a nós mesmos sobre o que perdemos, sobre como as coisas poderiam ter sido diferentes, alimentam essa dor. Ao evitarmos essa aflição, evitamos também a possibilidade de crescer e de aprender com ela.

“A lógica de fugir ou evitar o sofrimento, pode nos levar, ao longo do tempo, a uma vida cheia de arrependimentos e sonhos não-realizados. As renúncias feitas no calor da dor criam uma sensação de vidas não vividas, e essa é uma das fontes mais profundas de angústia. Em uma sociedade que muitas vezes nos diz que somos responsáveis por nosso próprio sucesso ou fracasso, esse tipo de sofrimento pode gerar uma sensação de inadequação”, diz Angélica.

Legenda: Em vez de buscar alguém que preencha nossos vazios, precisamos aprender a cuidar de nós mesmos
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Porém, é justamente nesse ponto que reside o potencial de transformação. A dor é inevitável, mas o sofrimento prolongado é uma escolha. Ao enfrentar a dor de forma corajosa, nos abrimos para novas possibilidades. O coração partido não precisa ser o fim da linha, mas um ponto de partida. 

De acordo com a psicóloga, precisamos abraçar a ideia de que, para nos encontrar, muitas vezes temos que nos perder. E, paradoxalmente, ao nos perdermos, acabamos encontrando um caminho de sentido e significado.

“O erro que muitas vezes cometemos ao nos relacionar é buscar no outro a solução para esses vazios internos. Tentamos preencher o que falta em nós com a presença de outra pessoa, e quando isso não acontece, o vazio parece ainda maior. Para estabelecer relações saudáveis, precisamos, antes de tudo, cuidar de nós mesmos, dos nossos contornos”.

A possibilidade de conviver com a dor do término

Relacionar-se bem consigo mesmo é o primeiro passo para evitar relações baseadas na dependência. A solidão, que tantas vezes vemos como castigo, pode ser um espaço de recriação. Ela nos permite olhar para dentro e começar o processo de cura interna. No amor, não há garantias – amar é, por natureza, um ato de coragem e vulnerabilidade. 

Para amar de forma saudável, defende Angélica, precisamos antes encontrar em nós mesmos um caminho de significado e autocompaixão. “Conviver com a dor do término é possível, sim, mas requer coragem para encará-la de frente. A primeira coisa a entender é que a dor emocional não precisa ser evitada ou negada. Ela é parte do processo de cura”, percebe.

Logo, o sofrimento prolongado surge apenas quando evitamos lidar com os sentimentos, quando procuramos distrações ou tentamos manter uma falsa sensação de controle. Por isso mesmo, ao invés de evitar a dor, por que não aprendemos a navegar por ela? 

Legenda: Conviver com a dor do término é possível, sim, mas requer coragem para encará-la de frente
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“Como uma pedra no sapato que fere o pé, nossa tendência é apenas querer retirá-la. Mas, com o tempo, ao não enfrentar a questão de frente, vamos acumulando cicatrizes emocionais que nos tornam reféns de nossos próprios padrões”.

Em suma: em vez de buscar alguém que preencha nossos vazios, precisamos aprender a cuidar de nós mesmos. Quando isso acontece, estamos mais preparados para entrar em uma relação com mais equilíbrio, sem depositar no outro a responsabilidade pelo nosso bem-estar.

Mônica Dantas concorda: “O processo de cura envolve aceitação, autocompaixão e, eventualmente, a capacidade de dar novos significados às experiências dolorosas. O suporte social, a psicoterapia e o cultivo de práticas de autocuidado são fundamentais para passar por essas fases com mais leveza e entendimento. Sim, é possível conviver bem com essa situação, e aprender a lidar com frustrações e perdas nos torna mais resilientes”.

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