'Primavera Clubber' em Fortaleza: com musicalidade e público mais diversos, coletivos de DJs resgatam cultura clubber

Em momento positivo para a música eletrônica da Capital, DJs e produtores musicais independentes atraem novos públicos para as pistas de dança e fortalecem a cena

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
(Atualizado às 20:05, em 01 de Fevereiro de 2025)
Pistas de dança cearense se multiplicam no início de 2025; na foto, público em festa do projeto Dezenove Nove Dois
Legenda: Pistas de dança cearense se multiplicam no início de 2025; na foto, público em festa do projeto Dezenove Nove Dois
Foto: Mateus Monteiro/Divulgação

Nas últimas semanas, ainda que os fortalezenses já estejam em clima de Carnaval, a capital cearense tem vivenciado um fenômeno que pouco se aproxima do que é naturalmente pensado para o período e para uma cidade litorânea, afeita a eventos ao ar livre: um revival da cultura clubber, que une a nostalgia das festas em danceterias dos anos 90 e 2000 e novos nomes de destaque na cena musical.

Nas redes sociais, entusiastas da música eletrônica underground têm se referido ao momento como “primavera clubber”, em celebração à grande quantidade de festas destinadas a esse público, principalmente espaços no Centro e na Praia de Iracema. Tendência nos últimos meses de 2024, os eventos prometem se intensificar neste ano.

Entre as dezenas de publicações feitas sobre o tema no X, uma se destaca: um link para uma planilha intitulada “Logística Clubber”, feita por um usuário da rede social, que busca catalogar as iniciativas que acontecem entre janeiro e fevereiro em Fortaleza, numa tentativa de conseguir ajudar os interessados a participarem do maior número de eventos possível. Até agora, quase 20 festas preenchem a tabela.

A cultura clubber foi um movimento que surgiu na Inglaterra no fim dos anos 80 e ajudou a popularizar vertentes menos comerciais da música eletrônica à época, como house techno, além de ter criado uma estética própria que impactou a moda mundial. No Brasil, a cena atingiu seu ápice entre os anos 90 e 2000, ocorrendo principalmente em pequenas casas noturnas de grandes cidades.

Festas e DJs de talento na cena local não são algo novo, é verdade; mas Fortaleza parece viver a cultura clubber de maneira mais intensa hoje do que no auge da cena nacional, já que o público local de fã de música eletrônica sempre preferiu as raves aos clubs. É o que aponta o DJ e pesquisador musical Rodrigo Lobbão, brasiliense que atua na cena de música eletrônica da Cidade há 30 anos.

Rodrigo foi um dos fundadores do coletivo Undergroove, criado em 2000 e considerado o primeiro núcleo de música eletrônica de Fortaleza
Legenda: Rodrigo foi um dos fundadores do coletivo Undergroove, criado em 2000 e considerado o primeiro núcleo de música eletrônica de Fortaleza
Foto: Nicolas Gondim/Divulgação

Para ele, pelas próprias características locais, os amantes do gênero musical sempre tiveram mais interesse em outros eventos, o que dificultou a permanência da maioria dos clubes que se dedicavam unicamente ao eletrônico. 

“As pessoas não queriam ficar em lugares fechados, no ar-condicionado e tudo. Elas gostavam de estar dançando ao ar livre – isso deu muito certo aqui e continua dando certo”, explica Rodrigo, que destaca barracas de praia como a Órbita Blue e a Sunrise como pontos desses encontros na Praia do Futuro.

“Mas em grande parte do movimento, da cena, seja clubber ou raver, eu acredito que as pessoas têm comportamentos muito parecidos, no sentido de ir pra festa para ficar de frente pro DJ, sentir a música, e não só ir para uma balada. Essa é a diferença, talvez, de uma balada mais comercial”, explica.

Essa tendência não impediu que alguns DJs e produtores locais tentassem emplacar clubes underground na capital cearense ao longo dos últimos anos, a exemplo do On The Rocks, considerada uma das casas pioneiras neste sentido. Assim como as demais tentativas, o espaço não se sustentou, mas marcou a história da Capital.

Outras iniciativas que começaram com essa proposta, mas tiveram que diversificar os estilos musicais para seguir em pé foram o Mucuripe Club e o Órbita Bar, que ficou conhecido como casa de rock, mas foi criado inicialmente como uma aposta na música eletrônica, lembra Lobbão.

Músicas mais experimentais e conexão com os DJs fazem parte da cultura clubber
Legenda: Músicas mais experimentais e conexão com os DJs fazem parte da cultura clubber
Foto: Imani/Divulgação

A esperança ainda existe, no entanto, e reside no público mais jovem, especialmente da Geração Z, que tem voltado a se interessar pelas boates alternativas. “É até uma surpresa para mim ter essa nova geração, que é vista como uma geração que bebe menos, que não vara a noite como varavam as gerações anteriores, curtindo uma cena clubber”, comenta Lobbão.

Fuzuê Club foi inaugurado em novembro do ano passado
Legenda: Fuzuê Club foi inaugurado em novembro do ano passado
Foto: Rafael Luz/Divulgação

Recentemente, além das festas e coletivos já em atividade nos últimos anos, um novo espaço dedicado à “reviver a cultura clubber em Fortaleza” surgiu, buscando cativar esse público: o Fuzuê Club, na Praia de Iracema, que tem recebido festas semanais com DJs locais e de outros estados. 

Para o pesquisador musical, é um primeiro passo importante no resgate da cultura de clubes, já que a maioria das festas do gênero foram engolidas por festivais e megaeventos. “Um clube é, realmente, o alicerce de uma cena eletrônica, ao meu ver. Muito mais que um festival ou uma grande festa com uma grande atração. Cena se faz com rotina, e um clube é a rotina para a cena”, conclui.

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Coletivos de DJs movimentam a cena e garantem representatividade

Formação original do 1992, que movimentou a cena com cursos para DJs: Arquelano, Kysia, Fluorescent Sound e Charlotte Killz
Legenda: Formação original do 1992, que movimentou a cena com cursos para DJs: Arquelano, Kysia, Fluorescent Sound e Charlotte Killz
Foto: Mateus Monteiro/Divulgação

Apesar da relevância de espaços físicos para que artistas e público possam encontrar constância e se conectar, Rodrigo Lobbão é enfático ao ressaltar o que tem reanimado e mantido a cultura clubber em Fortaleza: os coletivos de DJs e produtores musicais, que realizam colaborações entre si e estão cada vez mais jovens e diversos.

“Eles acabam trazendo novos DJs, com cabeças diferentes, com musicalidades diferentes, que não seguem só o óbvio, o previsível”, pontua. “Os coletivos são as grandes estrelas que estão movimentando a Cidade”, completa, destacando que, hoje em dia, esses grupos têm cada vez mais protagonismo feminino e LGBTQIAP+. “Como devia ser desde o início, inclusive nos line-ups”, acrescenta. 

Entre os nomes cearenses que se destacam estão projetos como Atrita, Bateu, Pode Comemorar, Dezenove Nove Dois, Houzeria, Festa Lá em Cima e Pacific Discs, entre outros. Há ainda festas que unem música eletrônica a outros gêneros, como funk, tecnomelody e pop, como Charme 2000 e Numalaje

Conheça, a seguir, algumas dessas iniciativas:

ATRITA e o foco no protagonismo LGBTQIAP+

Gabriel Tuusmyr e Ryanbnog estão à frente da Atrita
Legenda: Gabriel Tuusmyr e Ryanbnog estão à frente da Atrita
Foto: Murilo da Paz e Felipe Mota/Divulgação

Criada em 2019 pelos DJs Gabriel Tuusmyr e RyanBNog, a ATRITA resistiu à pandemia por meio de lives e conseguiu se manter fiel ao propósito inicial da dupla: oferecer uma curadoria musical diferente e experiências únicas, que unissem música e performance. 

Desde o início, as festas do duo focam na “inserção, segurança e protagonismo de pessoas dissidentes, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+ e pessoas pretas” – o que tem resultado em eventos com casa cheia e público fiel, além de parcerias com outros DJs e produtores.

O sucesso acontece porque, na opinião de Gabriel e Ryan, Fortaleza vive um momento de “explosão cultural”. “São vários eventos e espaços surgindo ou retornando, buscando atender a demanda clubber. Fortaleza é o momento!”, ressaltam, com orgulho.

As festas do duo acontecem, geralmente, a cada dois meses, ocasionalmente com edições menores entre elas. Entre os DJs frequentes nos line-ups da Atrita estão nomes como os cearenses Viúva Negra, Rennó, Perigo e Nandi, além da artista pernambucana IDLIBRA, que recentemente se uniu ao coletivo como residente. 

1992: ‘Do underground para o underground’

Conexão do público com a música é principal característica da cena
Legenda: Conexão do público com a música é principal característica da cena
Foto: Mateus Monteiro/Divulgação

Assim como a Atrita, o projeto Dezenove Nove Dois (1992) também surgiu pouco antes da pandemia, em 2019, e precisou se adaptar para manter o propósito durante o isolamento. Pensando em alternativas para movimentar a cena, o coletivo seguiu com pesquisa musical e lives durante o isolamento, e ainda auxiliou diversos cearenses a se profissionalizarem como DJs por meio de cursos para pessoas pretas e LGBTQIAP+, impulsionando novos talentos.

Performer e produtora Sy Gomes lidera o coletivo junto a Kysia
Legenda: Performer e produtora Sy Gomes lidera o coletivo junto a Kysia
Foto: Mateus Monteiro/Divulgação

Hoje liderado pela DJ Kysia Cardoso Mendes e pela produtora e performer Sy Gomes, o projeto em parceria com outros DJs e é fruto de um outro grupo que surgiu em 2017, o Eletrogeras, que serviu de “laboratório” para diversos artistas da cena local. Atualmente, Kysia e Sy realizam festas semestrais, já que a DJ reside em Brasília (DF) há dois anos.

DJ Kysia é uma das co-fundadoras e atual CEO do projeto Dezenove Nove Dois
Legenda: Kysia é uma das co-fundadoras e atual CEO do projeto Dezenove Nove Dois
Foto: Pedro Travassos/Divulgação

“Acredito que Fortaleza está muito mais que pronta para essa ‘primavera clubber’ que o Twitter tanto fala”, brinca Kysia. “Mesmo de longe, estou acompanhando o que está acontecendo e fico feliz de ter feito parte disso de alguma forma”, destaca. 

Para a DJ, a construção de um cenário local mais potente não é um movimento nacional, já que em outros espaços a cultura dos clubes permaneceu viva, ainda que reduzida. “Acredito que a cena  [no Brasil] continua a mesma – Fortaleza que está acompanhando isso agora. Além disso, a cena nacional está voltando os olhos pra gente”, celebra.

Bateu, Pode Comemorar!

Bateu é um dos coletivos mais conhecidos e festejados da Capital
Legenda: Bateu é um dos coletivos mais conhecidos e festejados da Capital
Foto: Harrison Neri/Divulgação

Produtora na ativa desde 2016, a Bateu, Pode Comemorar! se destaca na cena cearense pela versatilidade das produções, que vão de festas focadas em música eletrônica independente até bailes de funk e de música latina, sem deixar de lado o espírito underground.

“Em uma festa underground há essência própria. Ela não impõe um estilo, e sim te convida a vivenciar uma experiência através da música, seja qual seja ela. É estar aberto ao desconhecido e gostar mesmo assim. Em uma festa de musica comercial, as pessoas vão comprar o que já conhecem”, explica Bárbara Soares Rodrigues, a Babita, DJ residente e CEO da Bateu, que lidera o coletivo junto ao DJ Lucas Bmr.

Babita é CEO e DJ residente da Bateu, que já realizou dezenas de festas na cena local
Legenda: Babita é CEO e DJ residente da Bateu, que já realizou dezenas de festas na cena local
Foto: Harrison Neri/Divulgação

Apesar de reconhecer o avanço de novas festas e clubes – e a relevância da Bateu na cena local –, Babita destaca que ainda há um grande desafio para ampliar o público e as festas: a falta de apoio público e de infraestrutura.

“Tentamos nos adaptar como podemos, mas é muito difícil, ainda assim, encontrar esses espaços”, pontua. “A cena clubber de Fortaleza é uma das mais movimentadas do país. E sim, estamos vivenciando um grande 'rebuliço' na cena atualmente”, afirma.

Parte importante do “rebuliço”, a Bateu realiza de 9 a 11 festas por ano, contemplando diferentes estilos em cada uma delas. Os DJs residentes do coletivo são alguns dos destaques da cena cearense: além de Babita, tocam com frequência nos eventos da casa os DJs Lucas Bmr, Wavezim e Rennó. 

Para se programar

Confira algumas das principais festas que acontecem nos próximos dias e prometem movimentar a cena:

Pacific Fever

Atrações: DDZIN, +Cedo, Isa e Volúpio
Quando: 1º de fevereiro (sábado), a partir das 17h30
Onde: Skina de Casa* (rua dos Tabajaras, 429 - Praia de Iracema)
Mais informações: @pacific.discs
*Após o término no Skina de Ksa, a festa segue pela madrugada no Fuzuê Club, a partir das 23h, com os DJs De Farias B2B Fefo, Charlotte Killz, Bené e Rennó

Primavera Clubber

Atrações: Tiiito B2B Matusa, Tuusmyr, Quiro B2B Nandi, Babita e DJ FugaQuando: 1º de fevereiro (sábado), a partir das 22h
Onde: Mangangá Pub (rua Gal. Bezerril, 373 - 3º Andar - Centro)
Mais informações: @mangangapub

Festa Lá em Cima

Atrações: Paulete Lindacelva, Trepanado, Tomé e Thales B2B Vicente de Castro
Quando: 8 de fevereiro (sábado), a partir das 16h
Onde: Náutico Atlético Cearense (av. Abolição, 2727 - Meireles)
Mais informações: @festalaemcima

Bunda com Bunda

Atrações: Brunoso, Fuga e mais
Quando: 14 de fevereiro (sexta-feira), a partir das 23h
Onde: Fuzuê Club (rua José Avelino, 349 - Praia de Iracema)
Mais informações: @bunda.com.bunda

Atrita de Carnaval

Atrações: Kontronauta e mais
Quando: 22 de fevereiro (sábado), a partir das 22h
Onde: Fuzuê Club (rua José Avelino, 349 - Praia de Iracema)
Mais informações: @atr1ta

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