Por que Pacatuba não está na Rota do Café? Documentário resgata a história do plantio no município
Disponível no YouTube, produção investiga por que Pacatuba deveria integrar a famosa rota no Maciço de Baturité e de que forma a bebida se conecta afetivamente com o cotidiano
Mulungu, Guaramiranga, Pacoti e Baturité integram a Rota Verde do Café, famosa por reunir plantações cultivadas à sombra de árvores da Mata Atlântica. O que talvez pouca gente sabe é que Pacatuba também poderia compor esse trajeto. Possui história de plantio de café na Serra da Aratanha – fato até agora pouco explorado, não fosse um documentário lançado neste ano.
“Pacatuba na Rota do Café” está disponível no YouTube e tem direção de Eduarda de Lemos Pinho. A concepção do projeto é de dois anos atrás, mas a produção foi realizada nos últimos seis meses. Na obra, uma pesquisa apurada sobre como o município do título – distante 33 quilômetros de Fortaleza – foi moldado pelos cobiçados grãos.
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Segundo Eduarda, no livro “Pacatuba - Geografia Sentimental”, consta que o lugar deixou de ser vila e se tornou cidade devido a um comerciante de café e aos feitos conquistados a partir desse investimento. Foi como a localidade cresceu em população, casarões e infraestrutura, tudo devido à bebida. “Tem muita história pra ser contada, é só procurar”, divide a diretora.
Além de intensa pesquisa, várias expedições foram feitas. Uma delas em Pacoti, a fim de entrevistar o professor Levi Jucá – referência no assunto – no histórico Sítio São Luís. E outras duas na já citada Serra de Aratanha. Nestas, em determinado momento, a equipe percorreu oito horas de trilha caminhando em busca dos pés de cafés antigos.
“Passamos pela Casa da Baronesa, procurando pés de café remanescentes dos antigos, e nada. Já quase chegando no Boaçu, na trilha mesmo, encontramos o primeiro pé. Nossa, deu uma esperança... E, para provar que era mesmo um pé de café, demos a sorte de ainda ter um fruto seco. Mostro essa cena no filme”, detalha Eduarda.
Entre outros sítios e paisagens, o que se vê na tela é o resultado de muito esforço, curiosidade e criatividade para vasculhar um passado de fartura, influência e sabor inconfundível. No total, cinco entrevistados dimensionam esse panorama. São eles:
- Auricelia Assunção: nascida e criada na Serra de Aratanha, conta como aprendeu a fazer o pó do café, a ponto de não precisar comprar café de terceiros. Mulher negra, traz ainda a memória afetiva da bebida. Conforme a diretora do documentário, havia muitos casos de romances nas plantações, de onde nasciam os “filhos” do café;
- Franderlan Campos: antropólogo e pesquisador, fala sobre a história do plantio de café nas serras e os conflitos com os povos indígenas. A direção achou importante incluir o relato a fim de não atribuir um teor romantizado da história do café;
- Josué Lima: guia da equipe do documentário e conhecedor de histórias do café na serra;
- Boneco (Gerardo Filho): morador nativo, nascido e criado na serra. Conhecedor de causos e histórias;
- Professor Levi Jucá: historiador e pesquisador sobre a história do café que, no próximo mês de setembro, lançará um livro sobre a trajetória da bebida no Ceará.
“Foram tantas histórias. Não deu para colocar tudo”, confessa Eduarda, cuja dor maior em todo o processo foi mesmo o tempo. Nada que impeça o alcance e a qualidade do trabalho. “Pacatuba na Rota do Café” foi contemplado no edital municipal da Lei Paulo Gustavo de 2023 com prazo para execução neste ano.
Ainda tem café na Serra de Aratanha
Ao longo de pouco mais de 24 minutos, o documentário não apenas mostra a que veio, mas também comprova um fato: ainda tem café na Serra de Aratanha. Não deixa de ser uma provocação – inclusive, sobre o potencial não-aproveitado dos grãos. “Mas entendo que existem questões muito mais complexas do porquê isso não acontece”, diz Eduarda.
Por sua vez, a respeito das surpresas ao longo do percurso, saber que o primeiro comerciante de café do Ceará foi de Pacatuba gerou emoção grande. O homem era pai do escritor Juvenal Galeno e alavancou melhorias no município mediante o tino para os negócios e a lida com o ouro líquido. Entrou para a História.
Outro fato inusitado é que Capitão Henrique Gonçalves da Justa – figura muito importante na cidade – já naquela época criou uma máquina de madeira para despolpar o café e acelerar o processo de secagem dele. E voluntários de Pacatuba que se apresentaram para a Guerra do Paraguai foram à Praça da Matriz com ramos de café na cabeça.
De acordo com Eduarda, “essa jornada toda começou há dois anos, quando realizei o curta-metragem ‘Trilha do Boaçu – Patrimônio Ambiental e Cultural da Serra da Aratanha’. Nele, mostrei a conhecida Casa da Baronesa, um dos pontos da trilha, citando que os pais de Juvenal Galeno eram comerciantes do café produzido na serra”.
Foi então que um colega da Bahia, pesquisador da cultura do café, ao assistir ao curta comentou: “Como assim, existiu café em Pacatuba? Estive no Ceará visitando a Rota Verde do Café do Maciço de Baturité e não ouvi falar da cidade”. A premissa serviu de gatilho para a realizadora audiovisual, sempre com olhar atento sobre o tema.
“Comecei a procurar livros que contassem a história de Pacatuba. E, a minha maior surpresa foi quando numa visita ao museu da cidade vejo lá estampado no brasão da cidade ramos de café. Pensei, ‘olha, o café parece que tem mais importância do que o que eu imaginava’”.
Contar mais da História do Ceará
“Pacatuba na Rota do Café” foi lançado virtualmente, mas a equipe ainda deseja fazer uma exibição especial do filme. De forma pessoal, Eduarda de Lemos Pinho ficou ainda mais empolgada em estudar sobre a história do café no Ceará após o trabalho. Depois dessa experiência, pretende conseguir outros projetos abordando mais causos e perspectivas.
“O lugar que esse primeiro documentário ocupa em minha carreira é de abertura de caminhos para mim, artista experimentadora na linguagem do audiovisual. Sempre gostei de filmes. Quando jovem, era cinéfila fissurada, sonhava em fazer Cinema e Audiovisual e já gostava muito do gênero documentário. Mas os caminhos da vida me levaram para outras formações”, explica.
“Se eu te disser que depois desse doc até vontade de plantar café me deu? Até já tenho um pezinho, só que esse veio lá da Serra da Meruoca. Vou plantar aqui na Caapora umas mudinhas que trouxe lá de cima da Aratanha, mas ainda passa pela minha cabeça: “Ah se eu fosse herdeira de um sítio desse cheio de pés de café já encaminhados…”, ri.
A prosa termina com uma confissão da diretora, sobre um personagem muito afetivo presente no filme. Trata-se do pilão grande de madeira surgido no início da projeção, manipulado por dona Auricelia para pilar o café. “Esse pilão foi feito pelo meu falecido avô João, pai da minha mãe. Também minha bisavó, Bibi (mãe de minha avó materna), pilava outras coisas além de café”, conta.
“Peguei o pilão emprestado na casa da tia, e quando ele voltou pra casa pura a café, foi aquela conversa da lembrança afetiva, de quando minhas tias sentiam o cheiro do café pilado pela vó Bibi”. No fim das contas, é isso que o documentário provoca: a sensação de vidas, muitas vidas, interligadas pela delícia preta.
Serviço
Documentário “Pacatuba na Rota do Café”
Disponível neste link e nas redes sociais do projeto