Pinacoteca do Ceará convida a pensar e mover o corpo em nova exposição
"Corpos explícitos, corpos ocultos” reúne mais de 100 obras de 48 artistas que representam e refletem sobre o corpo de maneira diversa
Em um convite para ver, pensar e sentir o próprio corpo de formas diversas, a Pinacoteca do Ceará reúne em nova exposição mais de 100 obras que trazem diferentes representações dessa estrutura — indo do humano ao fantástico, do físico ao simbólico.
Com curadoria assinada por Agnaldo Farias e Adolfo Montejo Navas, "Corpos explícitos, corpos ocultos" traz instalações, esculturas, pinturas, vídeos e obras em outros suportes de um total de 48 artistas.
A proposta da mostra é a de evidenciar diversas reflexões a partir do corpo, sejam elas políticas, tecnológicas, materiais ou simbólicas. Além do pensamento, quem visita também é instado ao movimento.
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Essa intenção se mostra desde a entrada inclusive a partir da construção do espaço da exposição, organizado de maneira específica para receber as pessoas.
“Quando a gente entra, já entende a exposição inteira como esse corpo. A iluminação, a expografia, trazem um pouco essa ideia de imersão”, ressalta Simone Barreto, artista e coordenadora de Arte e Educação da Pinacoteca.
Guiando a visita da reportagem, a arte-educadora ajuda a delinear em palavras a experiência da exposição: “Tem uma ideia de corpo não óbvio, não previsível”. A curadoria definiu cinco linhas temáticas que norteiam as escolhas, mas essa divisão não é explícita ou indicada.
Cada sala e ambiente da mostra mistura linguagens, artistas e gerações, evidenciando a porosidade entre as próprias temáticas propostas:
- Corpo máquina e ficção especulativa;
- Corpo político e regimes de controle;
- Corpo desejo, corpo ausência;
- Corpo-matéria: orgânico, simbiótico, mutável;
- Arquivos do corpo.
Uma vez acostumado com a iluminação mais sutil, o corpo de quem visita é convidado de partida a se mover para observar de vários ângulos a escultura “O impossível”, de Maria Martins, datada da década de 1940.
“Esse trabalho pede do corpo outra forma de entrar na exposição. Você já entra percorrendo a obra. Ela é esse destaque da primeira sala como um elemento que traz o corpo como primordial, relações de repulsa e atração”
Ao lado de “O impossível”, a sala também acolhe, entre outras, a instalação "Sem título" da série “Palíndromo Incesto” (1990/2006), de Tunga; vídeo-performances de Berna Reale; o vídeo “Brincando de corpo e alma” (2012), de Hermeto Pascoal — “que evoca o corpo inteiro como obra” ao mostrar o músico produzindo sons de formas diversas a partir de si mesmo —; e fotografias de Mario Cravo Neto, Anna Maria Maiolino e Miguel Rio Branco.
A difusão da “ideia de corpo” da exposição é concretizada justamente a partir das “muitas técnicas e perspectivas de artistas diferentes”, como ressalta a coordenadora. Há a visão mítica de Walmor Corrêa, por exemplo, nas pinturas “Ondina” e “Ipupiara” (ambas de 2005), onde destrincha a anatomia de uma sereia e um boto.
Já o olhar mordaz marca as instalações da série “Equipamentos” (2005), de Patricio Farías, que propõem “vestimentas” batizadas sugestivamente de “Rastejante. Equipamento para alpinistas socioeconômicos e rastejadores político-culturais” ou “Cornudo. Equipamento para entender a arte contemporânea”, por exemplo
A diversidade está, também, na forma. Ao mesmo tempo em que traz a série “Meu Cérebro Desenha Assim”, de Paulo Bruscky — na qual o artista mostra o registro das ondas cerebrais a partir das imagens geradas por um eletroencefalograma —, há na mostra também a clássica pintura a óleo.
O destaque da linguagem é a obra “Figura” (1927), de Ismael Nery, pintor paraense considerado “maldito” no modernismo. “Ele é de outro período. (Traz a) pintura com vigor diante de obras mais ‘tecnológicas’, mas com um pensamento super contemporâneo de tentar desvendar esse corpo que se desdobra”, aponta Simone.
Além das paredes, as obras da exposição também ocupam outros espaços, como o teto de um corredor construído no espaço expositivo — numa escolha que procura emular as partes de “passagem” do corpo humano.
É lá que figuram duas imagens de uma mulher se equilibrando em um cabo de aço. Elas são capturas de tela da videoinstalação “Por Um Fio”, da artista Helena Martins-Costa.
A obra original da artista mostra uma equilibrista caminhando a 6 metros de altura e foi primeiramente projetada no teto do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
O trabalho se desdobrou na série fotográfica “Por um Fio | Partitura”, na qual ela escolheu oito imagens do vídeo original nas quais é possível reparar nos movimentos mínimos em busca de equilíbrio da retratada.
“O tempo inteiro ela precisa lidar com uma situação de compensação de forças contraditórias atuando sobre o corpo: a força da gravidade, a tensão interna emocional. Às vezes ela precisava mexer um dedinho para se sustentar e harmonizá-las”
Duas delas, então, foram escolhidas pela curadoria da mostra no Ceará para serem expostas no teto do corredor criado ali. Para vê-las, é preciso sair do nível da visão direta e olhar para cima, em um gesto que aproxima da pessoa visitante a vertigem da equilibrista.
“Se você caminha olhando pro teto, você experimenta essa sensação”, define Helena. O público mais atento à obra, ela partilha, é o infantil, justamente pela necessidade natural de mirar o alto.
Por isso, a obra da artista, de certa forma, convida a ver como criança. “Ela está sempre com esse primeiro olhar de maravilhamento, ideia que a arte busca e que a criança é por excelência. Adoro que sejam elas as que mais percebem o trabalho”, partilha.
No escopo educativo da Pinacoteca do Ceará, a instituição promove aos domingos o Ateliê Criança Cria, programa ligado às exposições em cartaz. Em “Corpos explícitos, corpos ocultos” — que tem classificação indicativa livre, à exceção de uma obra de classificação 14 anos, com acesso restrito e devidamente sinalizada —, a intenção será evidenciar procedimentos e testá-los junto do público infantil.
Uma das obras disparadoras da criação, adianta Simone, será a série “Passagem”, de Julio Castro. Nela, o artista faz a junção de retratos de si e do pai a partir de uma série de intervenções nas imagens.
“A gente já pensou muito sobre ela, sobre como fazer isso com as crianças trazendo a reflexão e, além de apresentar a obra, apresentar também o procedimento”, explica.
Outras que se destacam nessa relação de criação junto ao público infantil são a série “Epidermic Scapes” (1977-2023), de Vera Chaves Barcellos, e “Sem título” (2001), de Adriana Tabalipa.
A primeira apresenta “negativos” de texturas e marcas da pele humana, enquanto a segunda “constrói” corpos a partir de plantas arquitetônicas. "São pensamentos que os artistas vão transformando em obras", resume Simone.
Seja na fruição independente, em uma visita guiada pela equipe arte-educativa ou na criação a partir das obras, a exposição "evoca no corpo outra forma de ver", arremata a coordenadora: "Como é que se vê essa exposição? Com o corpo inteiro".
Exposição "Corpos explícitos, corpos ocultos"
- Quando: visitação de quarta a sexta, de 10 às 18 horas; sábado, de 12 às 20 horas; e domingo, de 10 às 17 horas (sempre com entrada até 30 minutos antes); em cartaz até 26 de abril de 2026
- Onde: Pinacoteca do Ceará (rua 24 de maio, Praça da Estação s/n, Centro)
- Entrada gratuita.
- Mais informações: @pinacotecadoceara e www.pinacotecadoceara.org.br
- Classificação indicativa: Livre, à exceção de uma obra com classificação indicativa de 14 anos, com acesso restrito e devidamente sinalizada