Pesquisador da música brasileira, Zuza Homem de Mello morre aos 87 anos
Ele faleceu enquanto dormia na madrugada deste domingo (4), por um infarto agudo do miocárdio
O pesquisador musical e jornalista paulistano José Eduardo Homem de Mello - mais conhecido como Zuza - morreu em São Paulo enquanto dormia na madrugada deste domingo (4), por um infarto agudo do miocárdio. Ele tinha 87 anos.
Segundo a família, Zuza havia passado o sábado (3) comemorando com a mulher, Ercilia Lobo, seus novos projetos, como a biografia do músico João Gilberto, que havia finalizado recentemente, e a série "Muito Prazer Meu Primeiro Disco", com o Sesc São Paulo - o primeiro episódio, com Gilberto Gil, saiu neste sábado.
Nos anos 1950, Zuza, que era contrabaixista e amante do jazz, foi para os Estados Unidos estudar música em Massachusetts e em Nova York, onde frequentou clubes do gênero e assistiu de perto a apresentações de ícones como Duke Ellington, Billie Holiday, Miles Davis, Thelonious Monk e John Coltrane.
O musicólogo marcou a história da música nacional por trabalhos com nomes como Elis Regina, Milton Nascimento, Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim.
Ele também escreveu obras importantes sobre a música brasileira, dentre eles "A Era dos Festivais - Uma Parábola" (2003) e "Copacabana" (2017), além de publicar "Música com Z: artigos, reportagens e entrevistas" (2014), que reuniu textos escritos por ele entre 1957 e 2014.
Em 2019, o documentário Zuza Homem de Jazz, sobre sua trajetória como músico, técnico de som e pesquisador, foi lançado. Filmado em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, tem direção de Janaína Dalri.
Segundo a família, o velório será restrito a família e amigos por causa da pandemia.
Tentativas frustradas de conversar com Ray Charles
Em texto publicado na Ilustríssima em 2018, o jornalista e pesquisador da música brasileira Zuza Homem de Mello, que morreu na madrugada deste domingo (4), contou sobre suas tentativas frustradas de conversar com o músico americano Ray Charles.
Depois de assisti-lo ao vivo no início da carreira no Carnegie Hall, em Nova York, em 1957 -quando abriu uma noite de shows que incluiu Chet Baker, John Coltrane e Billie Holiday-, Zuza esteve perto do cantor em algumas ocasiões nos Estados Unidos e no Brasil.
A primeira aconteceu poucos meses depois daquela apresentação de 29 de novembro. Zuza estagiava como técnico de som no estúdio Atlantic Records, e o engenheiro de gravação, Tom Dowd, recebeu o pianista.
"Senti um calafrio ao vê-lo de perto. Brotava uma energia, um poder enorme daquele músico negro que só enxergava escuridão. Jamais eu havia experimentado sensação de tamanha intensidade magnética", narrou.
A menos de dois metros de distância dele, Charles foi embora sem que Zuza conseguisse abordá-lo para falar de sua admiração.
Anos depois, em 1986, o segundo desencontro -Ray Charles veio para o Brasil para tocar na segunda edição do Free Jazz Festival, em São Paulo, no qual Zuza trabalhava como curador e estava certo de que conseguiria trocar algumas palavras com o pianista.
"Eu e a produtora Monique Gardenberg corremos para a entrada de artistas do Anhembi assim que recebemos o aviso: Ray Charles está chegando. De repente, lá vem ele de sobretudo. Foi rápido: passou pertinho da gente, sua aura imantava a todos, emoção indescritível. Mais uma vez, vi Ray Charles de perto, mas nenhuma palavra foi possível."
Na última visita do músico ao Brasil, em 1997, na série Dupont Basic Sounds, Zuza trabalhou como diretor artístico e acompanharia o show em Brasília, logo depois da apresentação de São Paulo. Na sala de embarque do aeroporto, deparou-se com Ray Charles sozinho, sentado com seu sobretudo de pelo de camelo e uma cadeira livre ao seu lado. Planejou em sua a cabeça todo o discurso que faria em sua melhor oportunidade.
"Vou começar dizendo que estava no Carnegie Hall e agradecer pelo bem que ele faz para a humanidade', pensei. Sentei-me ao seu lado enquanto ele folheava um caderno de partituras em braile. E ali permaneci, ao lado do gênio sagrado da música, por mais de 20 minutos. Paralisado, não consegui falar. Nem uma palavra com Ray Charles."
REPERCUSSÃO
Gilberto Gil, cantor e compositor
"Sinto muito pela passagem de Zuza Homem de Mello, pesquisador, crítico e jornalista musical, com quem estive recentemente para a gravação do programa "Muito Prazer, Meu Primeiro Disco", do qual ele foi curador. Descanse em paz."
João Bosco , cantor e compositor
"Nos melhores momentos, a gente aproveita a pessoa e não se preocupa com a qualidade da foto. Meu grande amigo se foi. Um brasileiro imenso, profundo conhecedor e apaixonado por nossa música. O mais importante pesquisador cultural que já tivemos. Sentirei muita saudade. Descanse em paz, Zuza", escreveu.
Chico César, cantor e compositor
"Ah, Zuza! Meu amigo, mestre. Grato pela sua vida tão generosamente musical. Fico com seu abraço, seu afeto, sua sabedoria de bem viver em troca e consonância. Ouvidos e coração abertos, é certo. Sempre."
Walcyr Carrasco, escritor e roteirista
"Triste domingo! Perdemos o jornalista e escritor Zuza Homem de Mello, um dos maiores nomes da produção, pesquisa e história musical no Brasil."
Ruy Castro, jornalista e escritor
"Zuza tinha uma grande vantagem sobre nós que tratamos de música por escrito -era músico. Como ex-engenheiro de som, sabia também de técnicas de gravação, o que, na era do disco, passou a ser importante na apreciação da música. E não apenas viu e ouviu quase tudo que se produziu de essencial na música popular e no jazz dos últimos 60 anos. Fez isto a dois ou três metros de distância do artista, muitas vezes indo falar com ele antes ou depois de sua apresentação- e, em alguns casos, durante!"
Yamandu Costa, violonista e compositor
"Perdemos um cavalheiro. Figura que amava o Brasil mais bonito, ajudou a criar esse lugar que tentamos manter e nos e tao profundo.Zuza Homem de Mello deixa o exemplo do incansável, da sensibilidade e dedicacao a cultura do nosso pais. Que em paz descanse e meus sentimentos a família!"
Teresa Cristina, cantora
"A cultura musical brasileira perde um grande aliado. Descanse em paz, Zuza Homem de Mello. Meus sentimentos a todos os familiares."
Alcione, cantora
"Zuza Homem de Mello foi um dos primeiros produtores com quem eu trabalhei.No início da minha carreira, ele dirigiu um show meu e de Emílio Santiago, no Anhembi, São Paulo, chamado 'O Fino da Música'! Ele prometeu que nesse show, nos apresentaria a Elis Regina e foi o que aconteceu: ela esteve no camarim para nos cumprimentar! Zuza sempre foi um homem sensível e grande amigo dos artistas. Deixará uma profunda saudade em toda a Música Brasileira. Deus o receba e conforte toda a família."
Djavan, cantor e compositor
"Faleceu nessa noite Zuza Homem de Mello, um dos maiores especialista e defensores da musica brasileira. Nosso abraco carinhoso na familia e nos inúmeros amigos que esse doce intelectual deixa. Descanse em paz, Zuza! E muito obrigado por tudo que você fez pela cultura brasileira!"