Missionária Maria Amélia Leite lança o livro "Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência"

Organizada pela Secult-CE, pesquisadores e entidades da causa dos povos indígenas, obra reúne relatos de Maria Amélia sobre a experiência que viveu em defesa dos direitos da comunidade Tremembé

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Maria Amélia completou 90 anos no mês passado e celebra a publicação após três anos de preparação da obra
Foto: Felipe Abud

Enxergar o Brasil em profundidade passa pela tradição indígena e dos demais povos que levantaram os alicerces - nem sempre tão reconhecidos - da formação do povo brasileiro. No Ceará, o percurso dos índios é também parte desse olhar e se "somos o que somos", como cearenses neste século XXI, a contribuição das aldeias dos Tremembés é um capítulo inevitável. Maria Amélia Leite, hoje aos 90 anos de idade, completados no último dia 24 de setembro, captou essa necessidade de reconhecimento das raízes e, desde a década de 1980, dedicou a vida à "Missão Tremembé", em defesa dos direitos indígenas e de seus territórios.

Para honrar essa história, foi lançado na data de seus 90 anos o livro "Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência". A publicação foi realizada pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult/CE), em parceria com pesquisadores indigenistas e entidades de defesa dos direitos da comunidade indígena no Ceará, a exemplo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado (Fepoince). "Eu tô muito feliz, esse livro foi algo que a gente sonhou e planejou", pontuou Maria Amélia, ao fim do evento de lançamento da obra.

Getúlio Tremembé, diretor da  Escola Indígena Tremembé Maria Venância, em Almofala,  reforça como a publicação era um "sonho grande" de Maria Amélia, e agradece pela "ousadia" do projeto do livro.

"Já era para ter acontecido há muito tempo. É mais um capítulo na história na defesa dos povos indígenas, não só do povo Tremembé. Nós, Tremembés, só temos o que agradecer a toda equipe envolvida", sinalizou.

Segundo o historiador João Paulo Vieira, responsável pela digitalização dos relatos de Maria Amélia, o livro faz um apanhado de uma longa atuação da militante junto ao povo Tremembé, "mais precisamente de Almofala nos anos 1980 e 1990, e posteriormente junto aos Tremembés da Barra do Mundaú, em Itapipoca", detalha. As aldeias ficam localizadas no Litoral Oeste do Ceará.

Legenda: Cacique João Venâncio, uma das lideranças dos Tremembés, em homenagem à comunidade na última edição da Bienal do Livro do Ceará
Foto: Helene Santos

Toda estrutura da publicação, elaborada de três anos até hoje, foi pensada por Maria Amélia. A primeira parte reúne textos de apresentação, com as narrativas de Diana Tremembé, Fernando Tremembé e o Pajé Luís Caboclo. O secretário de Cultura do Estado, Fabiano Piúba, apresenta o livro. E os pesquisadores João Paulo Vieira, Olga Paiva, Janete Lira, João Alfredo e Rosana Marques assinam o texto coletivo que antecede os relatos da missionária. A Ilustração  da capa é de Maria de Fátima Andrade (Navegante Tremembé) e Maria Ferreira dos Santos (Maria Rosa Tremembé), as fotos são de Felipe Abud e acervos pessoais. Adriana Rodrigues e  João Maropo assinam o design gráfico.

Maria Amélia escreveu o conteúdo do livro em meados da década de 1990 e início dos anos 2000. Os textos narram a experiência vivida entre os Tremembés, com uma forte carga de indignação a respeito de como o direito estabelecido pelo homem moderno não contemplou - justamente - as demandas de preservação das tradições indígenas.

"São recheados de uma perspectiva etnográfica. Ela fala um pouco do que ouviu dos indígenas. E ao mesmo tempo é um testemunho profundo com observações do cotidiano, de território, das relações de poder, de parentesco, de fatos marcantes dessa trajetória", alinha João Paulo.

Fortalecimento

Para Fabiano Piúba, a obra é publicada em um momento de "esvaziamento", por parte do Governo Federal, em relação às políticas de proteção aos povos originários. "Isso aconteceu com a Funai, com os segmentos de demarcações (das terras indígenas). Há décadas que esse processo de demarcação não se consolida. O livro vem no fortalecimento dessa luta. Ele anima, é um sopro de esperança, para reativar o que o Gilberto Gil chamava de 'do-in antropológico', um ponto vital da nossa cultura. As comunidades indígenas também são esses 'do-ins'", reflete o Secretário da Cultura do Estado do Ceará.

Além da fala institucional para validar a publicação, Piúba tem sua memória afetiva relacionada à obra. Também historiador, professor e escritor, o titular da Secult (CE) se recorda de ter feito parte de três viagens aos territórios dos Tremembés ao lado de Maria Amélia, quando integrava o mandato do então deputado estadual João Alfredo (1987-1991).

"Trabalhando com o João, essa pauta dos povos indígenas era muito presente e a Maria Amélia me chamou para o processo de criação da Missão Tremembé. Era muito novo, minino réi. Tive a felicidade de fazer essas viagens, e me impressionou a dedicação dela, ela já aposentada no seu retorno para o  Ceará. Me comovia muito vê-la nisso, numa situação até violenta (de defesa pelos direitos dos índios). A gente andava no meio das veredas, atravessando rio. E foi uma coisa que me inspirou muito", lembra.

Legenda: Capa da publicação

OS TREMEMBÉ NO CEARÁ: TRADIÇÃO E RESISTÊNCIA
Maria Amélia Leite
Organização: Pesquisadores indigenistas

Secult
2020, 204 páginas
R$ 30

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