"Mank" é um elogio ao cinema “de carne e osso” na temporada do Oscar 2021

Filme de David Fincher pode ser visto na Netflix e concorre em 10 categorias na premiação da Academia

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br

As nuvens que se espalham no céu, sobre a planície onde uma equipe de filmagens roda cenas de caubóis, nasceram de computadores, a partir de modelagem 3D do cenário. Quem vê “Mank”, novo filme de David Fincher, pode não reparar, mas há retoques que fazem o real captado ainda mais real (em duplo sentido: verossímil e nobre). 

A proposta era essa, que os efeitos especiais funcionassem sem que se notasse o artifício, como magia dos ilusionistas, arte-irmã dos primeiros tempos de cinema.

Produzido pela Netflix, o longa-metragem é uma viagem saudosista aos tempos de um cinema mais concreto, feito de carne e osso, dependente de talento e intuição, sem pistas e direcionamentos de algoritmos. 

Na corrida do Oscar 2021, nenhum filme está tão bem cotado quanto este drama em preto e branco, que leva o espectador a passear pela Hollywood dos anos 1930 e 1940. São 10 indicações: melhor filme, melhor direção (Fincher), melhor ator (Gary Oldman), melhor atriz coadjuvante (Amanda Seyfried), melhor fotografia, melhor figurino, melhor cabelo e maquiagem, melhor trilha sonora, melhor design de produção e melhor som. 

Crítica do presente 

Há uma clara conexão entre “Mank” e o presente - de uma realidade não distante do Brasil, ressalte-se. Vê no filme uma disputa política ser moldada por calúnias, envelopadas como notícias. A glória de poucos às custas das tragédias de muitos. As “fake news”, como se vê, são um fenômeno antigo que apenas demorou a ser batizado.  

Legenda: David Fincher conta a história por trás de 'Cidadão Kane'
Foto: Reprodução

Na Hollywood que se vê em “Mank”, é reconstituído o tempo em que aqueles que criavam histórias e davam vida à fantasia caminhavam como gigantes. É um outro tempo, mas parece um outro mundo, quando comparada à fábrica de cinema de CGI. Filmes anabolizados de efeitos especiais e cenas de ação não são uma novidade, nem são particularmente nocivos.  

Que a oferta para o público cada vez os privilegie mais, sim. Não é sem ironia que se vê “Mank” liderando as indicações do Oscar 2021.

Não faz sentido a velha discussão se os filmes produzidos e exibidos pelas plataformas de streaming devem disputar premiações de cinema. Afinal, os estúdios tradicionais cada vez menos estão dispostos a bancar aventuras artísticas caras como  “Mank”. Um ano de pandemia, quase sem a experiência das salas de cinema, deu o ponto final da polêmica.

Artistas da palavra 

“Mank” é, em mais de um sentido, uma incursão pelo passado. Mas é também uma obra-comentário sobre o presente – de igual forma, por mais de um motivo. 

O filme de David Fincher reconstitui o contexto em que foi gestado “Cidadão Kane” (1941), obra-prima do diretor Orson Welles (1915 – 1985) que, por décadas, foi considerado o melhor filme já feito.

A trama, contudo, faz ver que o cinema é também feito por gente que não aparece em letras grandes nos cartazes. O personagem-título é Herman J. Mankiewicz (1897 – 1953), roteirista de sucessos nos anos 1920 e 1930, com temperamento insubmisso e problemas com a bebida. 

Mank passeia por gente de talento e picaretas, empresários desonestos, vedetes e gente comum, que contrasta com sua vida entre as estrelas. Gary Oldman, um ator muito acima da média, não é exatamente uma surpresa, em uma performance segura do personagem título. O ir e vir do filme e a relutância em avançar só não prejudicam o filme pelo prazer de ser acompanhar o Mank de Oldman. 

O roteiro de “Mank” é Jack Fincher (1930 - 2003), pai do diretor, que começou a rabiscá-lo ainda nos anos 1970, mas não conseguiu levá-lo às telas. Ao tornar real o sonho do pai, David Fincher fez uma dupla homenagem àqueles que fazem o filme nascer, antes de qualquer imagem, primeiro no domínio nas palavras. 

 

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