Fundada por cearenses, editora Moinhos busca ser referência na publicação de obras sul-americanas
Casa editorial mineira terminou 2019 conquistando o Prêmio Oceanos e inicia o novo ano com boas prerrogativas; entrevista com o editor Nathan Matos confere maiores detalhes
Aconteceu em 2016. Nathan Matos saiu do Ceará para morar em Belo Horizonte visando iniciar o doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). À época, era um dos editores da Substânsia, mas pensava em publicar algumas obras e tentar outras coisas no mercado que não caberiam naquela casa editorial.
“Então, conversando com a Camila (Araujo), minha esposa e sócia, chegamos à conclusão de abrir uma nova editora”, explica o fundador, junto à companheira, da editora Moinhos.
A empreitada já nasceu com o desejo de publicar mais obras traduzidas, sem deixar de olhar para a literatura brasileira contemporânea e a possibilidade de também reeditar livros necessários.
“Aos poucos, fomos afunilando nossa ideia de tradução e chegamos ao ponto de que era necessário e importante traduzir cada vez mais obras latino-americanas”.
Conforme Nathan, esse deve o ser o tom abraçado com ainda mais vigor em 2020 pela casa – que, nesses quase quatro anos de atuação, completados em maio, já ultrapassou a marca de 100 livros publicados (média de 3 a 4 por mês).
Nesse movimento, estão previstas para integrar o catálogo, por exemplo, os novos projetos das chilenas Alejandra Costamagna e Alia Trabucco Zeran, e dos argentinos Tom Maver, Carla Maliandi e Natalia Litvinova.
Sob a pena de Costamagna, sairá “Impossível sair da terra”, de contos, e o romance “Sistema del Tacto”. Já Trabucco ganhará as vistas do público leitor com “A subtração”, também romance. Ainda contemplando esse gênero, Maliandi lança “O quarto alemão” e, no ramo da poesia, Natalia Litvinova sai com “Cesto de tranças”, ao passo que Tom Maver chega ao Brasil com “Sara Luna”.
Aprofundamento
A proposta, com os livros, é que a Moinhos possa virar uma referência quanto à publicação de obras sul-americanas, não lançando mão de um olhar atento e específico para a literatura portuguesa, principalmente a poesia. “É um nicho que muito nos interessa. Temos o objetivo de ter um catálogo poético”, revela o editor.
Além dos projetos já citados, a editora também publicará uma obra de uma autora de Omã, país árabe. E, quem sabe, publicações também do italiano e do romeno. “E não irá faltar obras argentinas este ano!”.
Essa dinâmica pode ser encarada como uma continuidade do boom de publicações estrangeiras lançadas pela editora especialmente no segundo semestre do ano passado. Títulos da Dinamarca (“Ascensão e queda”, de Josefine Klougart), França (“Sociologia da literatura”, de Gisele Sapiro) e Portugal (“O livro das mãos”, de Gisela Ramos Rosa) cumpriram bem a tarefa de preparar a audiência para o que vem.
Nacionais
É igualmente importante destacar que, como bons cearenses, os editores também fomentarão nossa literatura em 2020. “O silêncio daqueles que vencem as guerras”, novo livro de Marco Severo, será um dos publicados, assim como “E, no princípio, ela veio”, de Bruno Castro; “Um lugar para si”, reunindo crônicas de Cristina Fontelene; e, provavelmente, um livro de Talles Azigon, poético ou infantil, ainda a decidir.
“Quanto a outros nomes nacionais, teremos publicações de autoras, como Ana Elisa Ribeiro, Ágnes Souza e Laís Ferreira, e autores, como Jonathan Tavares, Franck Santos e Michel de Oliveira. Apenas pra citar alguns nomes”, elenca.
O debruçar-se constante nas letras brasileiras, inclusive, tem rendido positivos retornos para a editora. No fim do ano passado, a Moinhos conquistou o terceiro lugar no Prêmio Oceanos de Literatura, com “Sorte”, de Nara Vidal, algo que não apenas alegra Nathan, mas também convoca a uma nova percepção sobre as pequenas empreitadas do livro.
“Isso só mostra que a literatura brasileira contemporânea que vem sendo publicada por editoras independentes é de qualidade. Eu queria que os leitores e leitoras tivessem um olhar a mais sobre o trabalho das pequenas empreitadas e buscar ler livros que são produzidos por nós. Nem só de grandes editoras vive a literatura nacional”, comenta.
Perspectivas
Perguntado sobre como tem percebido o movimento das editoras independentes, feito a Moinhos, no que toca ao fomento da publicação de escritores estrangeiros no Brasil, especialmente contemporâneos, Nathan é bastante direto: “Isso é algo que teria que ser pesquisado mais atentamente”, diz.
Segundo ele, “diria que não é algo de agora, isso falando das independentes. Mas talvez seja algo recente no sentido em que, a partir do momento em que editoras independentes conseguiram publicar livros com tiragens menores, e compreender que seria possível publicar traduções, isso acabou virando meta de publicação para outras casas menores, como a Moinhos”.
Algumas das editoras que, em sua visão, seguem esse caminho, conferindo nova face ao nosso mercado editorial, estão a Letramento, Macondo, Jabuticaba, Olho de Vidro, Relicário, Chão da Feira, Amelí, Mundaréu, Instante e Dublinense.
A prosa com Nathan Matos finaliza a partir das expectativas do editor para a recepção das novas obras pelo público (“apesar de todos os males que vêm acontecendo no mundo, quero acreditar que este ano será o momento em que subiremos um degrau a mais para atingir nossos objetivos futuros”), e sobre como é ser um editor cearense em terras além-fronteiras, como é o caso dele.
“Manter uma editora por aqui, em Belo Horizonte, acaba sendo ‘mais viável’ para se crescer profissionalmente e se integrar ao mercado. Infelizmente, muita coisa ainda acontece pro lado de cá”, observa.
“Ao mesmo tempo, tenho percebido que o eixo não é mais tanto RJ-SP, como sempre falamos. Espero muito que o Ceará vire um polo no Nordeste para o mercado editorial. Há muito mercado pra nós por aí e ele tem sido muito mal aproveitado. Espero que alguém abra os olhos o quanto antes”.