Filme dirigido pela cearense Bárbara Cariry é selecionado para dois festivais americanos

Produzido pela Iluminura Filmes, “Pequenos Guerreiros” investe no diálogo entre a infância e a cultura popular nordestina

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O filme, de caráter infanto-juvenil, apresenta uma família de pescadores do litoral do Ceará que decide viajar para o sertão
Foto: Priscila Smiths

Apesar de nascida em Fortaleza, Bárbara Cariry teve a infância marcada por profundas vivências na região do Cariri cearense, terra natal dos pais. Ali, entre a diversidade de tipos humanos e a profusão de manifestações populares, a cineasta passou a conhecer a magia dos costumes típicos do sul do Estado, num entrecruzamento de histórias, vozes e cores.

“Eram sempre viagens cheias de novidades e descobertas: as romarias de Juazeiro, a Expocrato, a Festa do Pau da Bandeira, de Santo Antônio de Barbalha, o reisado do mestre Aldenir, as bandas de pífanos…”, enumera. Toda essa rica bagagem memorialística alcança agora as fronteiras além-Brasil a partir da seleção do novo filme da diretora, “Pequenos Guerreiros” (“Young Warriors”, em inglês), para dois festivais americanos. 

Neste mês, a obra será exibida dentro da programação do 13th Milwaukee Film Festival, em Wisconsin, de 6 a 20 de maio; e, entre os dias 13 e 23, no 40th Minneapolis St. Paul International Film Festival, em Minnesota. 

O momento acontece após o início da trajetória da película por mostras internacionais, em fevereiro deste ano – durante a competição do Children's Film Festival Seattle, um dos mais importantes encontros audiovisuais de cinema infanto-juvenil.

Legenda: Início da trajetória da película por mostras internacionais aconteceu em fevereiro deste ano
Foto: Priscila Smiths

Estreia de Bárbara na direção de longas-metragens – a realizadora tem no currículo os curtas Verão (2009), O Silêncio do Mundo (2011) e A Canção de Alice (2018), além de ter atuado como produtora em vários outros trabalhos nacionais – o filme, de caráter infanto-juvenil, apresenta uma família de pescadores do litoral do Ceará que decide viajar para o sertão.

Eles seguem até a cidade de Barbalha, na região do Cariri, almejando pagar uma promessa durante a Festa do Pau da Bandeira – uma das mais fortes manifestações culturais do lugar, responsável por reunir milhares de pessoas em torno da fé em Santo Antônio. Na estrada, conhecem as singularidades da identidade nordestina, entrelaçando componentes como memória, reconhecimento e tradição.

Retrato das lembranças

Além de assumir o leme da direção do trabalho, Bárbara Cariry também é corroteirista e atua nos cargos de produção executiva e montagem – esta função é dividida com o irmão, Petrus Cariry, que igualmente assina a direção de fotografia da película.

Em entrevista ao Verso, a cineasta explica que o projeto acumula muitos anos de gestação, desde que foi pensado até a realização. Nesse movimento, ela também dimensiona como se deu o processo de filmagem da obra. 

“Começamos pelo litoral, na praia do Batoque, depois fomos seguindo o percurso da estrada litorânea e pegando a estrada do algodão, passando por Quixadá até chegarmos a Juazeiro do Norte, Crato, Santana do Cariri e, finalmente, Barbalha, onde acontece a grande Festa do Pau da Bandeira”, descreve.

No elenco, estão os atores Bruno Goya e Georgina Castro – intérpretes, respectivamente, de Cosme e Maria, os adultos responsáveis pelas crianças no filme; e os pequenos Juan Calado (Benedito), Daniel Almeida (Matheuzinho) e Lara Ferreira (Bruna). Na trama, Benedito é filho de Cosme e Maria, ao passo que Matheuzinho e Bruna são sobrinhos do casal.

De acordo com Bárbara, foi uma oportunidade interessante lidar com diversas pessoas ao longo da travessia empreendida pelo filme. De igual forma, estar com atores de menor tamanho representou envolvimento. “Trabalhar com crianças é sempre um desafio, mas muito estimulante por conta da alegria e da vontade que elas têm em realizar as coisas, quase como um divertimento”, situa.

Legenda: Na estrada, a família conhece as singularidades da identidade nordestina, entrelaçando componentes como memória, reconhecimento e tradição
Foto: Priscila Smiths

O roteiro da obra foi alicerçado nas lembranças da diretora quando nas paisagens onde transcorre a narrativa, transmitindo ao público o mesmo encantamento e suavidade dos olhos ainda meninos de Bárbara. Não à toa, o road movie ultrapassa o componente primeiro, de simples cumprimento de uma promessa, para evocar outros panoramas que dialogam com as brincadeiras da infância e o despertar para as pluralidades do mundo.

Produzido pela Ilumina Filmes, “Pequenos Guerreiros”, ao longo de 74 minutos, ainda se destaca por ter contado com uma equipe formada predominantemente por mulheres e por apresentar, com ternura e magnetismo, algumas das figuras e horizontes mais interessantes do Cariri cearense. Entre elas, estão os fascinantes cenários, artistas de rua, salas de cinema, parques de diversões e até mesmo dinossauros. Imaginação e cultura andando de mãos dadas.

Legenda: O roteiro da obra foi alicerçado nas lembranças da diretora quando nas paisagens onde transcorre a narrativa
Foto: Priscila Smiths

Outros públicos

Ao alcançar pessoas e geografias que possivelmente ainda desconhecem os lugares por onde a história passa, o longa também promove reflexões sobre a importância da conexão entre diferentes culturas, otimizando um generoso olhar a respeito de outros costumes e tradições.

Segundo Bárbara, esta mais recente empreitada sob sua pena se diferencia dos outros filmes por ela produzidos porque aqueles estão situados em contextos bem distintos. “Mesmo os curtas-metragens que realizei eram diferentes, dramas mais existenciais e de personagens mais complexos. Esse meu primeiro longa-metragem guarda muitas diferenças, pela abordagem do tema e a forma como é tratado”, explica.

Há semelhanças, contudo. O maior ponto de intersecção é com os roteiros dos filmes de curta-metragem infanto-juvenis que a realizadora escreveu.

“‘Pequenos Guerreiros’ tem uma característica muito especial. Não é um filme de ação e de efeitos, é um filme de poética, de pequenas descobertas e contemplações, de acontecimentos cotidianos e de pequenas brincadeiras de crianças. Quase um fluir cotidiano. Um filme de afetos e de alegria. Gosto que ele seja assim, diferente de outros modelos”. 

A expectativa é fazer o lançamento do longa em salas de cinema e TV. A equipe também estuda novas formas de circulação do trabalho na internet. A proposta é que, durante todo este ano, haja a divulgação da película em algumas mostras e festivais, preparando o terreno para os passos seguintes.

Legenda: Bárbara Cariry descreve "Pequenos Guerreiros" como um filme de poética, pequenas descobertas e contemplações
Foto: Divulgação

“Estamos pensando o lançamento em salas de cinema para o segundo semestre deste ano, se os protocolos, em relação à pandemia da Covid-19, assim permitirem. Caso contrário, deixaremos o momento para o início de 2022", estima.

"Espero, sinceramente, que até lá a situação pandêmica no Brasil tenha melhorado e possamos trabalhar com novas esperanças, não apenas com o cinema, mas em relação às nossas vidas. O mundo precisa sair dessa tristeza. O Brasil merece melhor destino”, torce a diretora.

Até lá, valendo-se de uma fluida conversa entre temáticas e panoramas tão marcantes quanto acentuados em encanto, fica a vibração de Bárbara pelo reconhecimento do projeto em outras praças. 

“Fiquei muito feliz com essa boa recepção de festivais internacionais, notadamente nos Estados Unidos. O filme teve boa recepção e atingiu um grande público em exibições on-line nesses festivais. O espectador infanto-juvenil norte-americano se interessou muito pela obra, talvez movido pelo fascínio das diferenças culturais e paisagísticas na aventura dos nossos pequenos guerreiros”, conclui.

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