Festival de Música da Juventude: artistas convidados analisam conquistas e desafios do formato
Com quase uma década de atuação, festival tem se firmado como possibilidade para novos nomes da cena cearense, mas é preciso ampliar política cultural
O Cuca Jangurussu recebe, nesta sexta-feira (22) e sábado (23), as últimas apresentações da primeira fase do 6º Festival de Música da Juventude de Fortaleza. Nos dois dias, serão realizados doze shows gratuitos: dez de artistas cearenses que concorrem na seletiva e dois dos artistas convidados Donaleda e Rapadura, que encerram as noites de festa.
Os primeiros shows da etapa inicial do projeto ocorreram no último fim de semana, no Cuca José Walter. Na ocasião, outros dez artistas do Estado que concorrem ao prêmio final mostraram seus trabalhos, com apresentações de encerramento dos artistas Gabriel Aragão e Makem.
O concurso, realizado pela Secretaria Municipal da Juventude de Fortaleza e pela Rede Cuca desde 2016, nasceu com o intuito de reconhecer, premiar e incentivar jovens talentos locais – e se destaca por ser um evento musical que chega às periferias da Cidade, não só com shows, mas também com programação formativa.
Nas cinco primeiras edições do projeto, foram vencedores Indiada Buena (2016), Pulso de Marte (2017), Lascaux (2018), Luiza Nobel (2019) e Outragalera (2022). Não houve edição do festival em 2023.
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Além de uma apresentação remunerada em um dos Cucas da Cidade, os participantes têm acesso a aulas de canto, criação musical, harmonia e rítmica. Os cinco primeiros colocados na 6ª edição do Festival se apresentam na segunda fase da seletiva no próximo dia 12 de abril, em um show especial na Praia de Iracema – data em que o vencedor será anunciado.
Desde a última edição, além do prêmio em dinheiro (R$ 12 mil para o primeiro lugar, R$ 8 mil para o segundo e R$ 6 mil para o terceiro), o vencedor também ganha a oportunidade de se apresentar no Circo Voador, no Rio de Janeiro, uma das casas de shows mais conhecidas e relevantes do País.
A convite do Verso, e a partir das próprias experiências e trajetórias no cenário musical cearense, os artistas convidados Makem, Gabriel Aragão, Donaleda e Rapadura refletem sobre possibilidades e desafios para artistas na Capital e no Ceará como um todo, e os caminhos para uma política pública cultural que seja realmente inclusiva.
Ponte para a cultura
Cantora que ficou nacionalmente conhecida após ser semifinalista no The Voice Brasil em 2022, a cearense Makem sabe bem o impulso que um concurso pode trazer à carreira de um artista que ainda está tateando o mercado musical, sem recursos e informações suficientes para divulgar seu trabalho para um público mais amplo.
Após encerrar a primeira noite da sexta edição do Festival da Juventude na última sexta (15), levando ao Cuca José Walter um repertório variado – com nomes como Belchior, Ednardo, Rodger Rogério, Gal Costa e Rita Lee –, a artista conta que se apresentar em um palco da Rede Cuca foi como fechar um ciclo.
Ainda adolescente, foi no Cuca Barra que a cantora teve oportunidade de ter mais acesso à cultura, ao acompanhar recitais, saraus e batalhas de rap. “O Cuca sempre foi um espaço para bandas independentes ensaiarem, onde rolavam festivais, a galera se reunia e as bandas mais desassistidas podiam criar um movimento autoral. O festival é um reflexo, uma ampliação de tudo isso”, comenta.
A cantora destaca que a iniciativa foge da rota dos grandes eventos culturais da Capital, que costumam ocorrer na área considerada mais nobre da Cidade, em bairros como Aldeota, Meireles e Papicu.
“A gente sabe que nem todo mundo vai ter condição de sair do seu bairro, da sua quebrada, para ver um show – seja um artista com visibilidade maior ou de um que está começando. Ver o Cuca sendo um equipamento cultural que dá acesso a shows, entretenimento e palestras é muito importante, porque traz uma importância maior e devida para essas comunidades, que são os celeiros dos talentos”, ressalta.
O baixista e produtor da banda de reggae Donaleda, Daniel Feitosa, também destaca a relevância de um festival feito para revelar e projetar jovens artistas do Ceará. O músico conta que quando a banda começou, há 23 anos, não havia iniciativas para bandas autorais, e que o grupo vê grande avanço nas políticas públicas culturais da Cidade nos últimos anos.
"É muito importante apoiar essa nova geração e passar mensagens positivas para eles, porque a arte é muito envolvida com o sentimento, com o que as pessoas querem trazer pra sociedade. E, para nós, é importante estar antenado no que as novas gerações têm a dizer. É um elo importante para nortear o futuro do nosso povo", afirma.
Fato curioso, inclusive, é que a banda participou da inauguração do Cuca Barra, em 2009 – uma das políticas que Daniel considera essenciais para que haja mais apoio aos novos nomes.
“Existem grandes talentos que só precisam de uma oportunidade, assim como a que nos foi dada em 2001, quando eu chegava nas casas de show e as pessoas não acreditavam no reggae. Uma oportunidade vale muito, e às vezes é tudo que falta para um jovem”, aponta.
Apesar da relevância e de achar que o evento "está caminhando bem", Daniel destaca que o Festival, assim como outros eventos culturais com seleção pública, ainda precisa investir em acessibilidade para chegar a todos os artistas. "Tem gente que não tem laptop ou celular para se inscrever em um concurso como esse, e quem anda nas comunidades sabe", conclui.
Festival como vitrine
Responsável pelo show de encerramento da primeira etapa do festival, que ocorre neste sábado (23), às 21h20, o rapper Rapadura destaca o formato como um modo de mostrar ao público que a música cearense é uma "mistura de vários universos" e uma possibilidade de levar a cultura local para o mundo.
"Acho muito empolgante porque me faz lembrar da época em que eu tinha 13 anos de idade e ganhei meu primeiro concurso – na época, na dança, porque eu ainda não cantava rap. Essas iniciativas são muito válidas para trazer autoestima para o jovem da periferia e mostrar que também é possível para ele, porque talento a gente sabe que não falta", destaca.
O artista, que hoje vive em São Paulo, afirma que artistas do Nordeste ainda têm muita dificuldade para se inserir no meio artístico, especialmente a nível nacional. "Para quem mora em Fortaleza, a passagem é cara, e ir para o Rio ou São Paulo é muito complicado. Então, quem ganhar deve aproveitar a oportunidade, porque o Circo Voador é um espaço muito emblemático, histórico. É para botar ‘pra lascar’, mostrar para o que veio, fazer contatos", aconselha.
Apesar de ressaltar a importância do festival para artistas que residem em regiões periféricas da Capital, Rapadura lembra que o evento não pode ser único – afinal, é necessário realizar muito mais que um festival para dar conta da nova cena criativa de Fortaleza.
"É preciso que, a partir dessa iniciativa, outras possam vir também para somar. Às vezes tem um concurso desse em um ano e no resto do ano não tem outras coisas. É preciso que seja algo mais periódico, para que mais artistas possam ter esse espaço para mostrar seu talento. Quem é conhecido já está lá; a gente precisa da surpresa", conclui.
Descentralização e o desafio de ser "artista local"
Apesar de ser a primeira vez em que apresentou seu projeto solo para o público do Festival da Juventude, o músico Gabriel Aragão se considera “um parceiro antigo do festival”. Nas últimas edições, deu workshops e se apresentou com a banda Selvagens à Procura de Lei, onde atua como vocalista.
“É muito legal poder ir ao encontro dos fãs que moram no entorno [do Cuca], em vez de ficar sempre tocando em bairros como Meireles e Praia de Iracema. Esses fãs sempre têm que vir ao nosso encontro para nos ver, então é legal poder retribuir”, comenta.
Após tocar pela primeira vez no Cuca José Walter, o artista afirmou ter se encantado com o teatro do equipamento, que afirmou não dever nada a casas de shows renomadas, como as unidades do Sesc em São Paulo – e não compreender porque não há ali uma circulação maior de artistas e shows.
“Achei muito legal essa iniciativa do Circo Voador, porque demonstra muita boa vontade de colocar a galera para circular, para tocar. Mas sempre há pontos a serem melhorados”, pontua.
Gabriel afirma que vê o Festival da Juventude como um acerto entre uma série de erros que o poder público ainda comete em relação aos artistas de Fortaleza. Ele relata que, geralmente, os artistas da Cidade costumam ser tratados como “menores” em outros line-ups de festivais organizados pelo poder público, o que dificulta a consolidação de uma carreira artística.
“Já vi um tratamento não tão legal com artistas locais. Quanto o artista é ‘nacional’, o cachê é super diferenciado, pago em dia. Quando é artista local, ele é tirado do camarim, demora a receber”, denuncia.
Ainda assim, em uma Fortaleza que difere da que Gabriel conheceu quando começou a tocar com os Selvagens, por volta de 2010 – sem a cena pulsante que existia, especialmente, no entorno do Dragão do Mar –, o artista vê o Festival da Juventude como uma forma de descentralizar a produção artística na Capital, caminho que encontra percalços, mas que começa, aos poucos, a ser trilhado.
“É muito bom que esse festival aconteça em um local com artistas que precisam muito desse espaço, para quem está começando poder circular", conclui.
Serviço
Festival de Música da Juventude de Fortaleza
Quando: Sexta-feira (22) e sábado (23)
Horário: A partir das 18h
Onde: Cuca Jangurussu (av. Gov. Leonel Brizola, s/n - Jangurussu)
Mais informações: @musicajuventudefortaleza
Acesso gratuito