Festival de cinema une os 9 países de língua portuguesa em programação

Desta quinta (18) até domingo (21), o Festin acontece online e terá, na abertura, a exibição do documentário "A Jangada de Welles", dos cearenses Petrus Cariry e Firmino Holanda

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Em "A Jangada de Welles", Brasil e EUA pactuavam pela "Política da Boa Vizinhança", que permitiu bancar o filme do realizador norte-americano no Ceará
Foto: Chico Albuquerque

Quando a população brasileira se dá conta que - para além do "português de Portugal" - temos mais sete nações baseadas no nosso idioma, é raro encontrar quem saiba, de cabeça, onde mais se fala a língua portuguesa. Mas eis que a produção cultural - um grande respiro em tempos de ignorância flagrante em território brasileiro - sinaliza para o que pode articular um diálogo mais envolvente entre esses povos. A partir desta quinta (18), até o próximo domingo (21), o Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (Festin) acontece pela plataforma de streaming Festin On.

Em 2020, o festival aconteceria no formato presencial, no Ceará. Portanto, o projeto chega à terceira edição do "Festin Ceará", e apresenta filmes da maioria dos nove países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé & Príncipe, e o Timor Leste. Toda a programação estará disponível para essas nações, com exceção dos filmes "Avó Dezanove e o Segredo do Soviético", e "Silêncio, Vozes de Lisboa". As duas obras não serão transmitidas para Portugal. 

Nesta quinta (18), às 19h, a programação oficial do evento terá abertura primeiro com a exibição do curta-metragem "Véu de Amani" (2019, Renata Diniz). E, em seguida, o festival segue com a transmissão do documentário em longa-metragem "A Jangada de Welles" (2019), dirigido pelos cearenses Petrus Cariry e Firmino Holanda.

Para o produtor cultural Bruno Monteiro, à frente da organização do festival, o projeto reconhece o "estado assimétrico" que existe entre a produção cinematográfica dos nove países. Com filmes inéditos ou "raramente vistos", reforça ele, o Festin teve sua primeira ediçao no Estado em 2016.

Sobre a abertura, exibir "A Jangada de Welles", reflete Bruno, expõe dois processos importantes da história do Brasil. O primeiro é o processo da cinematografia brasileira, em diálogo com a norte-americana (dada a passagem do cineasta Orson Welles pelo Ceará, retratada no filme). E segundo seria a respeito das reivindicações sociais do povo nordestino, ao retratar a luta dos jangadeiros locais por direitos trabalhistas. 

"Traz também um fato que foi trágico, né? Que durante as filmagens (do documentário It´s All True, de Welles) houve o fato do sumiço das jangadas (e, em consequência, a morte do líder dos pescadores, Manuel 'Jacaré'). Pra uma obra cinematográfica, contribui por essa veracidade, e esse cunho de mistério do que realmente ocorreu naquele momento", observa Bruno Monteiro. 

Atemporal

O produtor acrescenta que a percepção do que ocorreu na época, período do "Estado Novo" de Getúlio Vargas, ainda ajuda a levantar os desafios políticos e sociais de agora. Co-diretor do documentário, o cineasta Firmino Holanda aprofunda o contexto pelo qual aconteceu a passagem de Welles pelo Ceará e identifica o que ainda reverbera na contemporaneidade. 

Legenda: O cineasta Firmino Holanda
Foto: Divulgação

"Na Segunda Guerra afirmou-se no Brasil o domínio econômico, político e cultural dos EUA. Os norte-americanos instalaram bases militares no Nordeste. Se não fossem cedidas, seriam por eles criadas à força. A tragédia dos "Soldados da Borracha" foi, então, outro caso de adequação da ditadura Vargas à geopolítica de Washington. Hoje ainda vivemos desdobramentos deste ciclo, ali iniciado com a "Política da Boa Vizinhança", que pagou o filme de Welles. Às vezes, o título 'república-banana' nos cabe, principalmente quando nossos analfabetos políticos hoje requentam a retórica da posterior Guerra Fria", analisa o cineasta.

Para Firmino, inserir o documentário na programação do Festin é um passo válido na direção de estimular um intercâmbio ainda desigual, dentre os países de língua portuguesa. 

"O Brasil ainda precisa saber muito dos países de mesma língua. Em termos de consumo de massa, aqui ignoramos o que em Portugal e em suas ex-colônias é produzido. Nosso público de cinema pouco sabe dos filmes de Pedro Costa ou de Manoel de Oliveira. Na literatura, Saramago e Mia Couto são exceções razoáveis. Mas quem ouve a moderna canção portuguesa? Por outro lado, países lusófonos consomem telenovelas e música popular brasileiras em grande proporção", reflete. 

Herança

Segundo Bruno Monteiro, o cinema teve a "vantagem", durante a pandemia, de realizar programações online afinado ao hábito de consumo das pessoas no presente. Com larga audiência fiel às plataformas de streaming, os festivais resolveram apostar também no formato de exibição e vislubram - mesmo com a retomada dos eventos presenciais no futuro - digerir essa herança para a realização de projetos híbridos. 

A visão do produtor cultural se afina à perspectiva de Wolney Oliveira (diretor do Cine Ceará), por exemplo, que assimilou bem a presença dos streamings na difusão dos filmes para o público dos festivais

"Penso que no setor do audiovisual, diferente de outras áreas em que vejo com mais dificuldade esse engajamento, as plataformas digitais tendem a ficar para hospedar filmes. É um mecanismo a mais pra atingir um maior número de público assistindo as obras. Mesmo que seja por um período limitado, em paralelo à realização do evento presencial", reflete Bruno. 

Para ele, um exemplo está na possibilidade de "maratonar" vendo filmes durante a realização do Festin até domingo (21). "A programação fica aberta a um maior número de pessoas, pois o público pode se programar para ver no horário mais adequado para cada um", detalha.  

Programação:

Quinta (18)

19h – Abertura da programação oficial

- Exibição do curta metragem “Véu de Amani” (Brasil, 2019, Renata Diniz)

- Exibição do longa metragem “A Jangada de Welles” (Brasil, 2019, Petrus Cariry e Firmino Holanda)

Sexta (19)

19h – Exibição do curta metragem “A cobra tá a fumar” (Angola, 2019, Nuno Barreto)

Legenda: Cena do filme angolano "A cobra tá a fumar"
Foto: Reprodução

- Exibição do curta metragem “A menina do vestido azul” (Cabo Verde, 2019, Ivanildo da Luz)

- Exibição do longa metragem “Avó Dezanove e o Segredo do Soviético” (Moçambique/Portugal/Brasil, João Ribeiro)

Sábado (20)

14h – Webinário: os “Aspectos dos Mercados e da Produção cinematográfica em países de língua portuguesa" na visão dos realizadores independentes. Com Nuno Teixeira (Angola), João Ribeiro (Moçambique), Rodrigo Tavares (Portugal/Brasil), Renata Diniz (Brasil). Mediação: Clébio Viriato Ribeiro (Brasil) e Bruno Monteiro (Brasil). Abertura do secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba. 

17h – Abertura da programação do 'Festinha' com a exibição dos filmes:

A Galinha Ruiva (Brasil, 2019, Irson Jr. e alunos do CMEI Princípio do Saber)
Lá do Alto (Brasil, 2018, Luciano Vidigal)
Nana & Nilo em dia de sol e chuva (Brasil, 2017, Sandro Lopes)
Vivi Lobo e o Quarto Mágico (Brasil, 2019, Isabelle Santos e Edu Mz Camargo)
Zana - O filho da mata (Brasil, 2018, Augustto Gomes)

Legenda: Trecho da animação brasileira "Vivi Lobo e o Quarto Mágico"
Foto: Reprodução

19h – Exibição do curta metragem “Roupa de Sair” (Brasil, 2019, Amarildo Martins)

- Exibição do media metragem “Os Guerreiros da Rua” (Brasil, 2018, Erickson Marinho)

- Exibição do longa metragem “Silêncio – Vozes de Lisboa” (Portugal/Hungria, 2019, Judit Kalmár e Céline Coste Carlisle)

Domingo (21)

19h – Encerramento

- Exibição do curta metragem “Carnaval Sujo” (Portugal, 2019, José Miguel Moreira)

- Exibição do curta metragem “Transfugo” (Portugal/Brasil, 2019, Rodrigo Tavares)

- Exibição do longa metragem “Rapaz Só” (Portugal, 2019, António Borges Correia)

Assuntos Relacionados