Festa de Iemanjá em Fortaleza ganha novo formato neste ano e chega aos fiéis por canais virtuais

Com transmissão pelo canal do YouTube da Secretaria da Cultura do Ceará, programação da importante data acontece até segunda-feira (17)

Escrito por Mylena Gadelha , mylena.gadelha@svm.com.br
Legenda: Devido à pandemia do novo coronavírus, tradição celebração teve que ser ressignificada; relevância, contudo, permanece
Foto: Kid Júnior

Sentir a areia sob os pés e o cheiro da maresia, fazendo festa à Iemanjá, é tradição em Fortaleza quando chega o mês de agosto. Com cantos e rosas na Praia de Iracema ou na Praia do Futuro, centenas de pessoas se reúnem todos os anos para homenagear a Rainha do Mar e emocionam os que escolhem ver o movimento. Entretanto, a ação é mais uma das que tiveram que passar por ressignificação diante do cuidado crucial e das incertezas geradas por uma pandemia que continua a preocupar em todos os cantos do mundo. 

Assim, com as mudanças necessárias e rituais apresentados de maneira virtual, a comemoração ganhou novos contornos: vem mais uma vez como forma de refletir sobre a importância da festa e, claro, para reforçar a fé. “Queremos trazer a importância das nossas memórias”, diz Mãe Tecla do Caboclo Tupinambá, que todos os anos é uma das responsáveis pelos festejos realizados na Praia do Futuro, ao começar a conversa sobre as adaptações de então. 

Exatamente por isso, ela explica que o tema, definido para este ano como “É mar, é maresia: memórias históricas da Festa de Iemanjá”, foi escolhido para seguir este pensamento.

“Nosso intuito é contar toda a história por meio de fotos, vídeos, dos depoimentos das mais velhas, que participaram sempre da nossa festa e contam também a história da Umbanda aqui”, reitera ao também deixar marcada a força de todos os encarregados de realizá-la.

Para isso, a programação da celebração se expandiu e ganhou datas ao longo da última semana. Pela Secretaria de Cultura de Fortaleza, por exemplo, as ações referentes ao festejo se iniciaram ainda no dia 10 de agosto e seguiram até a última quinta-feira (13). Entre oficinas e encontros virtuais, além da exibição de documentário sobre religiosidade, a Secultfor ofereceu todo o conteúdo por meio do canal oficial da Pasta no YouTube

Enquanto isso, a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará deu início à programação especial na última quinta, com apresentação de afoxé e roda de diálogo, e segue com a festa até segunda (17). “Essa forma é bem diferente para todos nós, que não temos o costume de usar redes sociais. Temos muitas Mães de Santo mais antigas, idosas, e elas não têm esse hábito. Estamos fazendo vídeos com elas, por exemplo. Nosso povo tem essa oralidade, de contar histórias”, relata Mãe Tecla. 

Segundo ela, o processo de organização para celebrar nessa novo formato começou há algum tempo e foi necessária toda uma “mobilização para tornar tudo real”, mesmo com as dificuldades do tempo presente. 

Legenda: Registro da Festa de Iemanjá em Fortaleza no ano passado: com cantos e rosas na Praia de Iracema ou na Praia do Futuro, centenas de pessoas se reúnem para homenagear a Rainha do Mar
Foto: Kid Júnior

Celebração 

Como sabe bem a importância da tradição para si e para os demais, Mãe Tecla não hesita ao falar sobre o que acredita: ainda que tudo tenha um aspecto novo, a graça ao louvar Iemanjá permanece intacta, ela faz questão de garantir.

“Todos nós, umbandistas, vamos celebrá-la também dentro de nossos terreiros. Os tambores não vão se calar por conta da pandemia. Vamos usar os protocolos para celebrar junto com todos, sem esquecer do cuidado com os nossos nesse momento”, reforça. 

Quem também participa do ciclo de programação é Pai Neto, nome encarregado há anos dos festejos da Praia de Iracema. Sobre não perder a data e passar pelas adversidades impostas pelo período atual, ele é bem claro: “É uma maneira de mostrar nossa resistência, de garantir o nosso espaço. Isso evidencia que nós, do terreiro, somos um povo guerreiro, que não desiste”.

Ele aponta até mesmo nessa adaptação uma forma de salvaguardar que a tradição, que persiste há bastante tempo e já passou por outras dificuldades, não tenha a relevância esquecida. 

Legenda: Em 2017, a celebração foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Fortaleza, ressaltando a resistência mantida na luta contra a discriminação
Foto: Kid Júnior

Ainda assim, também não esquece de citar como os rituais no mar sofrem com os impactos da impossibilidade de reunir os religiosos nesse momento. “Nós, os mais velhos, estamos fazendo com todo um sacrifício. Não deixa de ser uma inovação e a tecnologia, nesse caso, veio como uma solução para a gente, já que nem daria para fazer se não fosse dessa forma. Mesmo assim, fica uma vacância do nosso contato habitual com a Rainha do Mar e essa é uma maneira de preencher isso”, diz Pai Neto. 

Se os preparativos foram complicados, ele acredita que tudo se recompensa no fato de Iemanjá receber suas homenagens e Fortaleza continuar sentindo a importância da crença que carrega consigo todos os dias. 

Patrimônio

Não apenas Mãe Tecla e Pai Neto versam sobre a relevância histórica da festa de Iemanjá na capital cearense. Não faz muito tempo, em 2017, a celebração foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial da cidade de Fortaleza, e isto, de acordo com ambos, só ressalta a resistência mantida na luta contra a discriminação religiosa tão comum quando o assunto são as religiões de matriz africana e afro-brasileiras. Agora, a busca é por mais espaço e reconhecimento.

“Com a popularização (da festa) aqui na cidade, abriu-se um espaço para que solicitássemos reconhecimento como patrimônio imaterial do Estado, processo que está em curso. Já estamos até em início de conversas para tornar a festa como patrimônio em nível nacional”, conta Pai Neto.

Nesse caminho, quem fala sobre o assunto e participa ativamente do processo de declaração da festa como patrimônio é Raquel Caminha, historiadora da Coordenadoria do Patrimônio Cultural e Memória da Secult. De acordo com ela, a fase atual é de coleta de dados e estudo aprofundado para delimitar as origens e dar seguimento na afirmação. 

“A questão do registro, agora, necessita de um levantamento documental muito importante que está sendo realizado junto às instituições promotoras dessa festa. Estamos em contato com a União Espírita Cearense de Umbanda, da Praia do Futuro, e da Associação Espírita de Umbanda São Miguel, da Praia de Iracema. Então, nesse trabalho direto com elas e com o apoio podemos realizar um estudo fundamentado para instituir a festa como uma importante celebração religiosa no calendário cearense”, pontua.

Para Pai Neto e Mãe Tecla, que continuam representando a fé em Iemanjá todos os anos, o reconhecimento é mais uma etapa para substanciar o fato de que a religião na qual acreditam e integram possui força de luta e assim continuará sendo.

>> Programação

Transmissão: 
Pelo canal oficial da Secretaria da Cultura do Ceará, no YouTube

Dia 15/08
14h – Abertura com Pai Neto e Mãe Tecla - Celebração de Iemanjá
14h06 – Afoxé Filhos de Oyá
14h21 – Feira Negra
14h35 – Falas institucionais com Uecum; Renafro; Curdm; e Aeusm
14h47 – Calé Alencar
14h55 – Roda de diálogo – Percepções do feminino: arte, cultura e religiosidade na Festa de Iemanjá
16h35 - Falas institucionais. Seuci ; Bloco Amigos do Zé; Chjmj e Acpla.
16h45 – O Presente de Iemanjá – Fotografias e vídeos dos terreiros
16h50 – Mãe Taquinha e Pai Jairo de Ogum (Uecum) e Pai Ricardo e Mãe Bia (Aeusm)

Dia 17/08
14h – Pai Jeferson (MPU) – Mãe Taquinha (Uecum)
14h06 – Capoeira
14h22 – Falas institucionais da Secult, Secultfor, Ceppir; Coppir; e Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa.
14h30 – Roda de diálogo: Patrimônios Culturais afro brasileiros e Educação étnico-racial 

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