Em livro, irmã de Paulo Diógenes revive a relação com o artista a partir de diário familiar
“Fio que não parte: contigo vivi, Paulo Diógenes” é escrito por Glória Diógenes e está em pré-venda pela editora Substânsia; obra é encarada como um diário entre irmãos
Todos conhecemos Raimundinha. Poucos sabem, contudo, que Paulo Diógenes, intérprete da icônica personagem, tinha muito medo de alma quando criança. O pavor era compartilhado com a irmã, Glória Diógenes. “Pequeninos, dormíamos no mesmo quarto”, conta.
Essa intimidade foi parcialmente desfeita ao ser decretado pela família que Glória – uma vez estar se tornando mocinha, na condição de única filha mulher – ficaria sozinha e Paulo dividiria o quarto com o restante dos irmãos. Mas nem isso impediu a união dos dois.
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“Providenciamos um telefone de caixa de fósforos. Eram duas bases da caixa, ligadas por um barbante vindo das compras da mercearia. Toda noite armávamos o objeto de comunicação em nossos punhos. Quando meu medo apertava, eu puxava o fio e ele fazia o mesmo movimento de volta pra dizer, como carinhosamente me chamava, ‘Dolha, estou aqui’”.
A dinâmica se repetiu a vida toda em situações diversas como que para provar que o barbante de infância permaneceria inquebrável. Agora, ele se torna ainda mais maciço. “Fio que não parte: contigo vivi, Paulo Diógenes” está em pré-venda pela editora Substânsia e traz a socióloga Glória Diógenes conversando livremente com o irmão.
O diálogo inicia na Quarta-Feira de Cinzas deste ano – dia da morte de Paulo – e termina com o fim da Quaresma. O prefácio é da professora Sarah Diva e tem como título “Diário de uma falta”. “No meu caso, apenas escrevi o que seriam as conversas de todos os dias. Não me preocupei em definir gênero literário. Acho que é tudo junto”, descreve Glória.
Segundo ela, Paulo era, na verdade, muito tímido. Ele vivia compartilhando com a irmã o gosto por fazer shows, mas igualmente de voltar para a própria concha. Não à toa, conforme conta no livro, Glória imagina que o irmão passou a vida sendo menino, daqueles que você engana com um pirulito e facilmente sequestra.
“Nós dois juntos éramos eternas crianças. Como se diz por aqui, um mangava do outro, dizia verdades, ria de besteira, combinava situações imaginárias e confessava medos e fragilidades. Como diz Nietzsche, humanos, demasiado humanos. Amor, penso eu, é quando você não se economiza diante do outro. Éramos inteiramente juntos, com tudo que nos faltava”.
A publicação, assim, é oportunidade de conhecer mais sobre Paulo para além dos palcos e piadas. A lente da ternura se sobressai. O lançamento do livro acontece no dia 28 de agosto no Theatro José de Alencar.
Existir não cessa
O evento não tem pretensão de reunir humoristas, atores e atrizes ou produzir qualquer espécie de espetáculo. Ficará para outro momento. Glória e família preferiram pensar, junto à editora Substânsia, apenas em um varal com as roupas de Raimundinha por detrás da mesa de autógrafos.
“Algo mais silencioso e sutil. Dia 14 fez seis meses da partida de Paulo. Talles Azigon [editor e um dos fundadores da Substânsia] acolheu esse projeto com muito carinho e delicadeza. O livro tem a força da capa de Alice Dote, as palavras de Sarah, a ‘orelha’ de Neidinha Castelo Branco. Tem vida. Essa é a atmosfera do instante”, dimensiona Glória.
Paulo também era assim. Conforme a autora, ele era um homem do presente. Não colecionava prêmios, não alardeava conquistas. O maior plano era criar uma espécie de lugar com a história de Raimundinha, incluindo roupas, adereços, perucas e sapatos.
A missão agora está com Glória e com o sobrinho, Micael, filho de Paulo. Ambos avaliam a proposta, tendo em vista que está tudo bem conservado. Adiantam, porém, que a iniciativa está longe de ser um museu. “Faremos um projeto. Ainda estamos amadurecendo essa ideia. Neidinha Castelo Branco também tem pensado junto com a gente”.
Questionada sobre como foi atravessar o processo de luto diante da morte de Paulo, a irmã recorda os detalhes. O artista estava gripado, mas ninguém, nem ele, imaginava que fosse muito sério. Foi apenas duas vezes a uma emergência. Fez, inclusive, na semana anterior à morte, dois shows em uma mesma noite, dizendo que Raimundinha estava com rinite.
“Quando chegou ao hospital, foi logo entubado. Morreu em dois dias. Era um tipo de pneumonia que ‘se esconde’, algo assim. Foi um susto, um cataclismo, o chão se abriu e não havia mais a mão dele para me ajudar a atravessar”, lembra Glória.
“Escrevi todos os dias, por vezes aos prantos, por vezes rindo de alguns acontecimentos engraçados que conto no livro, como no dia em que ele quis me dar uma bunda de presente (não vou dar spoiler). Por vezes me deitava no chão, chorava”.
Em outros momentos, a irmã ria como se ele estivesse ali. Não à toa, ela criou cenas de existência na falta, na ausência, como forma de suportar o rasgo que deu no íntimo. Escrever, mais que salvar Glória, a fez ver o quanto existir é ato que não cessa.
“E não se trata de algo meramente espiritual, e sim da memória do que insiste, do que não parte. Quem morre, quando há muito amor, o quantum do que foi escorre para você também. Assim me senti quando o Paulo se foi: mais ampla, mais povoada. Agora, sou ele também. O livro é isso, é sobre isso”.
História de amor entre irmãos
Em resumo, a obra traz Paulo por detrás do palco, das conversas demoradas. O Paulo estabanado, que perdia mil vezes os óculos e o celular, homem no próprio jorro espontâneo da irreverência. Também o Paulo habitado por um mundo maior que ele.
“Ele tinha uma alma generosa, tão crente em tudo que lhe diziam, que era capaz de dividir o que tinha com pouca conversa. E, mais ainda, de ficar a escutar o outro horas a fio, criar cumplicidades e intimidades possibilitando, em pouco tempo, a sensação da grande amizade”, descreve a irmã.
“Gostaria que outras pessoas, por meio da leitura, experimentassem o que vivi: histórias de um amor entre irmãos. Afeto elastecido entre fios que não partem. O Paulo visto por mim, talvez uma de suas versões mais humanas e livres”.
Serviço
Pré-venda do livro “Fio que não parte: contigo vivi, Paulo Diógenes”, de Glória Diógenes
Disponível no site da editora Substânsia. Lançamento no dia 28 de agosto no Theatro José de Alencar (R. Liberato Barroso, 525 - Centro). Mais informações nas redes sociais da Substânsia