Curta cearense que retrata cotidiano no bairro Jangurussu compete em Mostra de Vitória (ES)

Filme de Leo Silva e Emilly Guilherme é o único cearense a competir na MoV.Lab que acontece dentro do festival MoV.Cidade - Mostra de Sustentabilidade e Criatividade Urbana de Vitória (ES)

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Esta é uma imagem do filme de Leo Silva e Emilly Guilherme
Legenda: A produção de Leo Silva apresenta imagens das interações e das atividades cotidianas dos seus familiares a partir de um olhar de crônica visual
Foto: Leo Silva

Embora a pandemia do novo coronavírus tenha impactado diretamente os trabalhos artísticos, o período amplificou olhares e proporcionou diversas criações. Foi a partir dessa perspectiva cotidiana que surgiu o curta “Rotina Familiar”, idealizado e dirigido por Leo Silva e produzido por Emilly Guilherme. A produção é a única cearense a competir na MoV.Lab que acontece dentro do festival MoV.Cidade - Mostra de Sustentabilidade e Criatividade Urbana de Vitória (ES) entre os dias 24 de setembro a 30 de outubro no ambiente virtual. 

Além da escolha da melhor produção pelo júri da curadoria, a votação também será feita de forma popular, ou seja, o público vota nos melhores trabalhos por meio da plataforma da mostra. Os selecionados serão premiados com valores de até R$ 3 mil. 

Para passar o tempo, Leo começou a fazer fotografias e vídeos da própria família assim que a quarentena começou. “Para exercitar esse olhar, comecei a fazer imagens da casa dos meus pais. Como eu passo muito tempo fora de casa, esse momento me colocou em uma outra perspectiva, de que existe uma rotina, mas eu não me via nela”, explica. 

No entanto, o filme só começou a tomar forma quando Leo iniciou a edição das imagens. “Foi quando eu comecei a encontrar uma narrativa a partir dessa rotina dentro de casa mesmo. Desde o momento em que minha mãe se levanta pela manhã para colocar água nas plantas e fazer o café ou mesmo quando meu pai sai de casa em sua bicicleta”, diz. 
Apesar da ‘invasão’ da câmera, Leo afirma que a família esteve bem à vontade aos olhos da lente. 

"Sou fotógrafo desde 2015, mas só em 2017 minha família começou a ter noção do que eu faço. Como estava sempre com a câmera nas mãos, isso foi meio que naturalizando. Quando eu estava filmando as cenas, eles não se incomodavam”, explica. 

Processos 

Com a produção de Emilly, o filme ganhou um segundo olhar, partindo da perspectiva de quem ‘vê de fora’. Leo, que já conhecia o trabalho dela por um outro projeto que realizaram juntos, compartilhou alguns dos ‘takes’ e das ideias que teve para o curta. “Eu vi a potência, vi que aquilo era incrível e gostaria de fazer parte daquilo, de fazer junto, pensar com ele, afinar o rascunho que era o Rotina Familiar”, conta Emilly. 

Como não podiam se encontrar pessoalmente, as reuniões aconteciam por vídeo-chamada e, para a produtora, essa foi uma das maiores dificuldades da realização do projeto. “Era um trabalho de distâncias, de quarentena. Todo dia eu recebia as coisas que ele gravava no dia anterior, rapidamente ele fazia a edição e me mandava, eu assistia, dava meu feedback e também dava outras ideias. Íamos testando e, o que funcionava, a gente fechava no corte final, editava e realizava”, detalha.

Esta é uma imagem do filme de Leo Silva e Emilly Guilherme
Legenda: Filme de Leo Silva e Emilly Guilherme compete em Mostra de Vitória (ES)
Foto: Leo Silva

Já para Leo, a falta de um bom equipamento para a edição foi um dos desafios da produção, já que o notebook usado por ele recorrentemente travava, o que atrasava o trabalho. Apesar disso, o projeto foi concluído com êxito e, além da participação na Mostra capixaba, o filme foi selecionado pelo Edital Cultura Dendicasa, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). 

“Para nós, já foi uma grande alegria ter sido aceito no Dendicasa. Como foi o primeiro edital que eu participei, depois que eu fui entender a importância. Logo depois foi aceito na Mov.Cidade, que pra mim é algo novo, pois é um filme meu, já participei com outros filmes de outros festivais, mas esse é meu. A nossa participação enquanto cearenses da periferia dentro desse processo é muito importante”, pontua Leo. 

Entrelinhas 

Retratista dos cenários da cidade, Leo explica que, dentro desse conglomerado, a casa é “como um pequeno mapa onde a gente se enquadra, temos uma rotina dentro de casa. A partir do ‘Rotina Familiar’, comecei a perceber não só as características mais minuciosas dos meus familiares, mas também seus hábitos. Minha mãe, por exemplo, tem um ritual de colocar águas nas plantas e ficar observando, além de fazer crochê para relaxar. Aquele é o momento dela”. 

Esta é uma imagem do curta cearense de Leo Silva e Emilly Guilherme
Legenda: Filme cearense, produzido durante a pandemia, retrata cotidiano de família no Bairro Jangurussu
Foto: Leo Silva

São essas entrelinhas das interações familiares que Leo coloca em cena. “A proximidade foi a coisa mais legal desse processo, criou-se um elo mais forte com a família, eu, por exemplo, comecei a ter uma relação mais próxima com meus sobrinhos. E essa aproximação vem muito desse processo de não olhar só pra casa, mas de perceber as pessoas que moram com você. O curta resulta numa crônica visual”, revela. 

“Com o filme do Leo, eu consegui entrar na casa dele. Eu estava há três meses sem sair de casa, só convivendo com minha mãe e minha rotina. Com as imagens dele, eu me sentia dentro daquele ambiente e quem assiste vê como é a família dele, a intimidade, se sente em casa, mas em uma casa que não é a sua”, diz Emilly. 

A pandemia 

O filme ganhou ainda outra dimensão ao retratar o período pandêmico, bem como as dificuldades implicadas pela interrupção de muitas atividades laborais, especialmente para a comunidade periférica. 

“Por muitas vezes me encontrei nessa contradição, de termos que ficar isolados, mas também termos que gerar esse sustento. Quando eu penso que a gente já não tinha tantos direitos básicos, com a pandemia piorou ainda mais, retratar isso se torna algo que é pra ficar na história”, salienta Leo. 

A partir disso, veio a reflexão para Leo de que, mesmo com as dificuldades da produção artística, não se pode ficar parado, pois a arte alimenta a mente. “Eu moro no Jangurussu e eu vejo que se não tivéssemos esse acesso, a vida seria outra, a arte tem uma importância enorme. Salvou minha vida e tantas outras. Muito bom ver outras pessoas da periferia conquistando espaços por meio da arte”. 

Emilly, por sua vez, aponta que a arte se adapta aos tempos em que estamos, assim como nós. “Pra mim, o filme do Leo é a apoteose do que é viver na periferia em um mundo pandêmico e essas formas de arte surgem muito do impulso da vontade de fazer e de criar outros universos pelo audiovisual. Quando o tempo muda, muda nosso olhar de fazer arte”, reitera a produtora. 

Serviço

MoV.Cidade - Mostra de Sustentabilidade e Criatividade Urbana de Vitória (ES) 
Dias 24 de setembro a 30 de outubro, com transmissão na plataforma MoV.On. Votação do júri popular entre 15 e 29 de outubro no site: www.movcidade.com.br 

 

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