Cordel na Europa: cearenses estão entre nordestinos que representarão a arte em evento na Holanda

Sarau, performance lítero-musical e apresentação de artigo são atividades a serem desenvolvidas entre 18 e 20 de abril na Universidade de Leiden; participantes detalham expectativas

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Da esquerda para a direita, Patrick Lima, Julie Oliveira e Izabel Nascimento: representantes do Brasil cheios de alegria e poesia na Europa
Foto: Divulgação

Patrimônio cultural brasileiro, o cordel rompe os limites do País e chega ao Velho Mundo com toda a graça e inteligência nordestinas. De 18 a 20 de abril, três integrantes dessa arte desembarcam na Europa para realizar atividades que contemplam desde sarau até performance lítero-musical e apresentação de artigo. Prato cheio de talento e criatividade.

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Os cearenses Julie Oliveira e Patrick Lima e a sergipana Izabel Nascimento serão nossos representantes na VI Conferência Internacional, realizada na Universidade de Leiden, na Holanda. O evento acontece desde 2015 pela Rede Europeia de Brasilianistas de Análise Cultural (Rebrac). Neste ano, dá um passo a mais ao contar com conterrâneos daqui.

“Nossa presença simboliza um reconhecimento do cordel como instrumento de reflexão e mudança social – papel que essa literatura desempenha de forma muito visível desde o surgimento”, vibra Julie. Segundo ela, a oportunidade ocorreu no ano passado, quando o trio conheceu uma pesquisadora da Universidade de Leiden durante vinda ao Brasil.

Legenda: Neste ano, completam-se duas décadas que Julie Oliveira se dedica à Literatura de Cordel
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A estudiosa mergulhava na literatura de cordel feita por mulheres – sendo, inclusive, a primeira pessoa a pesquisar essa temática. “Durante nossas conversas, ela mencionou a Rebrac, da qual faz parte, e manifestou interesse em contar com nossa participação no congresso deste ano, o que para nós foi motivo de alegria”.

A expansão além-mar, ressalta Julie, é expansão coletiva ao contribuir para a divulgação e ampliação do olhar e de estudos acerca dessa rica forma de fazer arte. Todos os três cordelistas foram selecionados após terem artigos analisados e aceitos pelo time da universidade. “Penso que onde uma mulher chega, todas chegam”.

Redescobrir a cultura

“A (re)democratização da cultura e pela cultura no Brasil” é o tema da conferência neste ano. Não à toa, o congresso visa pensar o papel das artes em direção à redemocratização do País de modo que os trabalhos apresentados reflitam sobre como projetos têm facilitado tentativas de olhar para o passado numa tentativa de reparação para injustiças recentes e históricas.

Outra chave da iniciativa é canalizar imaginários de futuros possíveis e diversos. Nesse ensejo, falar de cordel feito por mulheres é abordagem ideal, visto que elas têm criado estratégias de resistência e reexistência ao longo de séculos, lutando para escrever, assinar os próprios nomes, publicar e enfrentar preconceitos e violências – muitos deles, ainda hoje.

“Meu artigo e de Izabel, frutos da pesquisa do Mestrado, contribuem com essa discussão e, de forma prática, apresentam as forças dos nossos coletivos de mulheres, mostrando como as vozes são importantes na mudança social que desejamos ver no mundo. Afinal, não há – ou não haverá – democracia real num mundo onde as mulheres ainda são oprimidas”.

Legenda: É a segunda vez que Izabel Nascimento se apresenta fora dos limites nacionais levando a arte que a consagrou
Foto: Divulgação

Izabel Nascimento reforça a ideia. Essa é a segunda vez em que ela se apresenta fora dos limites nacionais levando a arte que a consagrou. “A primeira experiência foi um momento importante na minha trajetória enquanto artista. Isso porque eu voltei da Europa, curiosamente, gostando mais do Brasil e tendo mais certeza das minhas escolhas”, conta.

Para ela, viajar ao Velho Mundo é algo que considera relevante, mas também ação necessária de difusão da cultura brasileira e oportunidade de intercâmbio cultural. “Viver a poesia seria a definição mais adequada para ilustrar a escolha pelo cordel na minha trajetória. Tudo começa pela escrita. Escrever já é um legado”.

O espírito segue vivo desde há muito tempo e fica ainda mais forte nos preparativos para a viagem. De malas prontas, o trio tem recebido carinho e apoio dos amigos e parceiros. A travessia começa em 15 de abril e encerra no dia 23. Até lá, eles têm aproveitado para ampliar discussões sobre políticas públicas efetivas para a cultura – incluindo o cordel, claro.

“Sabemos que essa travessia poderia ter outra dimensão se tivéssemos fomento governamental para intercâmbios desse gênero, o que não há no momento. Essa viagem acontecerá como tudo na nossa carreira: cara, coragem, alegria e muita poesia”, diz Julie.

Artista, cordelista e nordestino

Fechando o trio viajante, está Patrick Lima, cuja voz ecoa no sentido de considerar a importância de representar o país e, sobretudo, o Nordeste no evento além do Atlântico. “Nos traz uma responsabilidade e um lembrete para buscarmos manter a Literatura de Cordel no mais alto patamar de qualidade”, destaca.

Com 19 títulos publicados em cordel, além de um livro ilustrado com lançamento marcado para este ano, o artista tem carinho especial por uma produção em específico: “Harry Potter e o Cactus Patronum”. Na visão dele – que, com a obra, conseguiu vender mais de quatro mil exemplares – o projeto foi um divisor de águas na carreira. 

“Muita coisa boa passou a acontecer na minha vida. Desde os mais variados convites para eventos, exposições, palestras e conferências, até ter esse título sendo estudado em duas universidades brasileiras. Tudo isso já faz meu coração ficar quentinho ao ver essa expansão, não apenas do meu título em particular, mas da própria Literatura de Cordel em si”.

Legenda: A união entre o universo pop/geek e a tradição do cordel é um dos expedientes de Patrick Lima
Foto: Divulgação

A união entre o universo pop/geek e a tradição do cordel, conforme o poeta, faz com que um novo público leitor venha se formando dia a dia, ampliando os horizontes de nossa tradição literária nordestina para todo o Brasil, e agora, para a Europa, em especial Portugal, Holanda e França. Motivo máximo de comemoração e desejo de continuar fazendo.

Na Holanda, a primeira atividade será a realização do Sarau Vozes da Resistência, no dia 19 de abril. A performance lítero-musical unirá os três cordelistas – Julie, Izabel e Patrick – no palco; a segunda, por sua vez, será a apresentação do artigo “A representação feminina no cordel”, no dia 20 de abril, de autoria de Julie Oliveira.

“Cada passo, cada verso declamado, é uma homenagem aos meus antepassados, às mestras e mestres da Literatura de Cordel, e uma afirmação da riqueza cultural do Nordeste. Pra mim, que escrevo desde criança, é a oportunidade de aprender mais, compartilhar o que aprendi e levar o brilho do Ceará e doNordeste para irradiar mais e mais mundo afora”, conclui Julie.

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