Chuva, suor e folia: Carnaval de Fortaleza em 2024 traz crescimento e demanda por descentralização

De desafios estruturais a tendências que fizeram a festa, Carnaval de Fortaleza promoveu programação diversa e ocupação de espaços públicos em oito polos oficiais

Escrito por João Gabriel Tréz , joao.gabriel@svm.com.br
Da chuva real à de espuma, Carnaval de Fortaleza em 2024 ficou marcado por questões estruturais e desejo de expansão
Legenda: Da chuva real à de espuma, Carnaval de Fortaleza em 2024 ficou marcado por questões estruturais e desejo de expansão
Foto: Fabiane de Paula

Em meio às bênçãos e desafios que as chuvas dos últimos dias no Ceará trouxeram, o Carnaval de Fortaleza em 2024 foi prova de que, faça chuva ou sol, o tempo da folia foi não somente “bonito pra chover” — como cunhou o pesquisador e professor Gilmar de Carvalho (1949-2021) —, mas sobretudo “bonito para carnavalizar”: ocupar as ruas e espaços públicos em coletivo, ecoando festa, cultura e pertencimento.

No Ciclo Carnavalesco promovido pela Prefeitura de Fortaleza, a festa de 2024 já apontava desde o início para expansão, pelo menos em relação ao festejo do ano passado: de seis polos oficiais em 2023, a folia neste ano se espalhou por oito espaços da Cidade.

Além do circuito mais tradicional — e central — que inclui locais dos bairros Benfica, Praia de Iracema e Centro, o Ciclo voltou a contar com o Mercado da Aerolândia como polo e adicionou o Parque Rachel de Queiroz, no bairro Presidente Kennedy, à lista.

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Chuva

No entanto, as chuvas ocorridas na Capital a partir de sexta (9) para sábado (10) afetaram a realização do primeiro dia de programação no Parque. A área ficou alagada e as microlagoas do local chegaram a transbordar

A precipitação já havia levado ao cancelamento da programação infantil que ocorreria na manhã do dia 10 no Passeio Público, que foi o polo mais afetado: além da suspensão do sábado, a programação prevista para a manhã domingo (11) também foi cancelada pela chuva — que, se viu depois segundo a Funceme, foi a maior dos últimos 20 anos

“Fortaleza tem um sério problema com o período de chuvas, não só no Carnaval. Entra ano, sai ano, entra gestão, sai gestão e o problema continua”, avalia Mulher Barbada, integrante do Bloco Mambembe, que conseguiu se apresentar no sábado (10) no polo do Mercado dos Pinhões.

“Viver uma Fortaleza em estado de alerta, sitiada, alagada, em um momento que deve ser de tanta alegria dá uma tristeza no coração. Como artista, imagino como deve ter sido um baque para os que tiveram seus shows cancelados por conta da chuva ou da falta de estrutura nos palcos pra fazer um show com segurança”.
Mulher Barbada
integrante do Bloco Mambembe

Apesar das fortes chuvas e dos cancelamentos, as programações das tardes e noites do sábado e do domingo transcorreram normalmente. Gerente da Célula de Patrimônio Imaterial da Secretaria da Cultura de Fortaleza, Graça Martins compartilha que, no polo da Avenida Domingos Olímpio, a precipitação pareceu ter cedido para possibilitar os desfiles dos maracatus.

Maracatus desfilaram na av. Domingos Olímpio no sábado e domingo de Carnaval
Legenda: Maracatus desfilaram na av. Domingos Olímpio no sábado e domingo de Carnaval
Foto: Álvaro Bravo Júnior / Secultfor

“Até a hora de começar, a gente não sabia se ia fazer ou não”, compartilha. No entanto, a chuva parou na hora do primeiro maracatu desfilar na avenida. Mais seis agremiações se seguiram e, quando a última saiu, as pancadas de água voltaram. “Foi muita emoção, muita emoção. A gente ficou toda arrepiada”, atesta.

Suor

Mesmo com as históricas chuvas e o céu nublado, o calor também deu a tônica desse Carnaval. Pelos polos, não foi incomum encontrar, entre os acessórios das fantasias de foliões, um especialmente funcional: o leque.

"Está muito quente! Eu não saio sem esse leque de jeito nenhum. Agora esses dias ele tem feito muita diferença, ainda que tenha chovido", dividiu a foliã Michelle Delarte. Já a Mulher Barbada lembra da fantasia de “xiringador”, uma ajuda para “aguentar o calor”.

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Foi essa a escolha do mecânico Clenilton Messias, que pulou Carnaval no Benfica na segunda (12) com um borrifador. “Não tem quem aguente esse solzão, a água já dá uma refrescada”, apontou. 

A hidratação valeu para si, para amigos e até desconhecidos, como compartilhou o biólogo Therys Pinto, que também apostou no mesmo “acessório”. “Todo mundo fica amigo no bloco. Isso é um integrador e é uma coisa de saúde pública. A gente precisa”, ensinou.

Mesmo com as chuvas, calor levou à popularização de acessórios como borrifadores de água e leques nas ruas de Fortaleza
Legenda: Mesmo com as chuvas, calor levou à popularização de acessórios como borrifadores de água e leques nas ruas de Fortaleza
Foto: Ismael Soares

Folia

Além das “tendências funcionais” que foram o leque e o borrifador, a festa pelas ruas de Fortaleza também ecoou nas fantasias e em músicas alguns dos principais “hits” dos últimos dias — seja do noticiário ou dos memes.

‘Macetando’ sem dúvidas, merecidamente, o hit do ano. Incontestável! Ivete veio de música chiclete, com dancinha, com feat com Ludmilla… Foi feliz demais jogando essa música no mundo”, avalia Mulher Barbada, que também destaca as presenças de “Joga pra Lua”, “Voando pro Pará” e “Ombrim (Ai que delícia o verão)” como destaques nos repertórios.

Diálogo entre Baby do Brasil e Ivete Sangalo sobre macetar o apocalipse inspirou fantasias no Carnaval
Legenda: Diálogo entre Baby do Brasil e Ivete Sangalo sobre "macetar o apocalipse" inspirou fantasias no Carnaval
Foto: Ismael Soares

Para além da música, “Macetando” também repercutiu pelas ruas em fantasias inspiradas no diálogo travado entre as cantoras Ivete Sangalo e Baby do Brasil no Carnaval de Salvador no sábado (10). 

A artesã Silvana Holanda, por exemplo, carregava uma placa com os dizeres “macetando o apocalipse”, em referência ao episódio. A escolha, ela ressaltou, foi “política”. O assunto, inclusive, foi referenciado em outras fantasias, como lembra Mulher Barbada ao destacar a de “Polícia Federal”, alusiva à Operação Tempus Veritatis, iniciada às vésperas do Carnaval.

E depois da quarta-feira de cinzas?

Entre as areias do Aterrinho da Praia de Iracema, o asfalto das ruas tomadas por blocos e as pedras dos chãos das praças, o Ciclo Carnavalesco de 2024, na avaliação de diferentes brincantes,  não somente fortaleceu a festa, mas apontou para demandas de aprimoramento e crescimento para os próximos anos.

“Sinto que o Carnaval de Fortaleza antes não era tão aproveitado e agora tem mais gente, música boa, segurança, o que vale a pena o nosso esforço de vir e aproveitar”, avaliou a foliã Talita Duarte, enquanto usufruía da programação do Aterrinho no sábado (10).

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“O carnaval em Fortaleza está se construindo. Hoje, as pessoas ficam. Por que elas estão ficando? E qual é o impacto econômico? Qual é a cadeia produtiva que esse ciclo carnavalesco alimenta?”, dialoga Graça Martins, da Secultfor.

A pasta responsável pela promoção do Ciclo Carnavalesco, inclusive, “botou” um “bloco” de 10 pesquisadores nas ruas durante o Pré-Carnaval e os quatro dias de Carnaval para “fazer uma radiografia” do período e medir impactos simbólicos e concretos dessa promoção. 

Ciclo Carnavalesco deste ano cresceu em relação ao do ano passado, mas maior descentralização da programação segue como demanda
Legenda: Ciclo Carnavalesco deste ano cresceu em relação ao do ano passado, mas maior descentralização da programação segue como demanda
Foto: Fabiane de Paula

O movimento pode ajudar em movimentos futuros da pasta. “Onde a gente ainda pode melhorar? Onde a gente pode crescer, descentralizando o Carnaval?”, avança a coordenadora. O gesto de descentralização, inclusive, é uma das demandas principais para a folia. 

“Uma coisa que tem que acontecer é diversificar a folia, não ficar só no eixo Praia de Iracema, Benfica, Centro. Sair para outros bairros, Messejana, Parangaba, que já tiveram polos”, aponta Marcos Vinicius de Oliveira, o Marvioli, fundador do bloco “Concentra, Mas Não Sai” e um dos organizadores do “É Só Isso Mesmo”.

Mulher Barbada é um das comandantes do Bloco Mambembe junto com Deydianne Piaf
Legenda: Mulher Barbada é um das comandantes do Bloco Mambembe junto com Deydianne Piaf
Foto: Secultfor / divulgação

Em diálogo, Barbada reforça a importância da ação do poder público em prol do festejo popular, mas avalia a gestão atual do Carnaval como "longe do caminho certo".

“Fortaleza tem tudo pra se tornar uma grande potência no Carnaval, desde que se entenda esse período como um ponto estratégico pra economia, que se tenha interesse em fazer isso acontecer”, aponta.

“Quem faz o Carnaval de Fortaleza são as pessoas. Ver nossos shows cheios de gente, o carinho das pessoas, a energia da rua, tudo isso é incrível. Torço pra que um dia o Carnaval seja visto com a mesma importância que o Réveillon”, defende a artista.

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