Em meio à folia, pesquisadores vão às ruas para produzir conhecimento sobre o Carnaval de Fortaleza
Em iniciativa inédita da Secultfor, grupo de pesquisadores sai às ruas para coletar dados sobre impactos simbólicos e concretos do Ciclo Carnavalesco de 2024
Carnaval é coisa séria — inclusive campo de produção de conhecimento. Seja pelas construções e reconstruções simbólicas da identidade do povo, seja pelas concretas injeções de recursos na economia a partir da festa popular, o Ciclo Carnavalesco de Fortaleza vem tendo impactos sociais e financeiros levantados por um grupo de 10 pesquisadores selecionados pela Secretaria Municipal da Cultura via edital.
Lançado em dezembro do ano passado, o edital de pesquisadores foi uma iniciativa inédita da Secultfor para o período. “No ciclo junino a gente já tinha feito. Esse é para o ciclo carnavalesco”, inicia Graça Martins, gerente da Célula de Patrimônio Imaterial da Secultfor, em entrevista ao Verso durante o 2º dia de desfiles de maracatus na av. Domingos Olímpio.
Veja também
A partir da chamada pública, os pesquisadores contemplados se dividiram, desde o período do Pré-Carnaval, para acompanhar as saídas de blocos e agremiações de Fortaleza e coletar dados socioeconômicos e culturais que rodeiam cada expressão popular.
“A gente quer fazer uma radiografia do ciclo carnavalesco e procurar trabalhar o impacto desse movimento”, resume Graça. “Os ambulantes estão lá sempre ou só por causa do Carnaval? Qual o impacto econômico? Onde a gente ainda pode melhorar? Onde a gente pode crescer, descentralizando o Carnaval?”, lista.
Cultura, economia e mais aspectos
Historiador e analista cultural, Adson Pinheiro foi selecionado na chamada como pesquisador-líder do processo. “São vários aspectos na pesquisa. A gente tenta entender a tradição, como o grupo repassa aos mais jovens, como eles trabalham aspectos culturais, econômicos e artísticos”, discorre.
“São perguntas para compreender as identidades e memórias que esses grupos constroem e os impactos que trazem para o bairro, para a cidade”, avança, destacando ainda o olhar lançado também ao público: “A gente faz algumas perguntas para saber um pouco do perfil dele: de onde vem, porque vem, qual relação tem com o grupo”, afirma.
Antropóloga de formação, a pesquisadora Thaynara Martins compartilha, ainda, que a pesquisa pode ajudar como guia para ações futuras da Secretaria. “Nosso trabalho é entender aspectos sociais, econômicos e culturais que vão depois compor um plano de dados que vai servir para melhoria dessas políticas públicas voltadas para a cultura”, explica.
Salvaguarda de patrimônio
O gesto de destacar e aprofundar questões socioeconômicas e culturais da festa, compreendem os pesquisadores, auxilia diretamente na salvaguarda das expressões populares e, ainda, na continuidade e refinamento de políticas públicas.
Thaynara compartilha, a partir de experiência anterior de pesquisa no ciclo junino, uma possibilidade concreta de impacto do movimento: “A pesquisa que a gente fez no ano passado vai compor o estudo para a patrimonialização das quadrilhas juninas”.
Dentre os grupos pesquisados no ciclo carnavalesco, hoje somente o maracatu é considerado patrimônio imaterial de Fortaleza. “O maracatu cearense, registrado pela Prefeitura, tem uma série de políticas de salvaguarda para a manutenção dos grupos. A Domingos Olímpio é uma delas”, dialoga Adson.
“A pesquisa vai ajudar a construir política pública para o maracatu: entender pontos fortes, fragilidades, como melhorar para que ele permaneça nas futuras gerações. A gente vê, por exemplo, agremiações trazendo alas específicas de criança”, aponta o pesquisador-líder.
“É isso que se quer acompanhar, para que a política pública chegue aos maracatus e auxilie as comunidades na preservação e salvaguarda”, avança ele. “É uma possibilidade acompanhar todos os anos cada grupo e as transformações da tradição. Não é porque o maracatu é tradicional que sempre vai ter os mesmos aspectos”, pondera Adson.
Em diálogo, o também antropólogo e pesquisador Breno Guedes aponta a pesquisa como uma forma de acentuar as "multiplicidades” dos blocos e agremiações.
“Cada um tem uma história única, mas também múltipla, porque são compostos por muitas pessoas. Esse ato da escuta colabora para entender que é muito mais do que ‘o’ maracatu. São ‘os’ maracatus, ‘os’ afoxés, escolas, blocos… É muito plural”, avalia.