Ceará aumentou participação de mulheres no setor cultural, aponta IBGE: quais os efeitos disso?

Apenas em 2022, elas representaram 55,4% de ocupação no setor; pesquisadora e gestora refletem sobre estatística e lançam perspectivas para iniciativas futuras

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Mulheres representam maioria nas Artes visuais e Artesanatos
Foto: Divulgação/ Feira Mulher em Foco

Os últimos anos foram importantes para mulheres no setor cultural cearense. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta que houve crescimento da participação delas nesse campo – resultando em maiores oportunidades de trabalho e, consequentemente, de renda. Apenas em 2022, por exemplo, elas representaram 55,4% da força produtiva.

Esse progresso, no entanto, vem de antes. De 2014 a 2019, os números foram aumentando gradativamente, no comparativo com outras ocupações no mercado de trabalho geral – um feito notável. Na análise nacional, é possível saber em quais linguagens elas conseguem ter maior proeminência. 

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Em 2021, mulheres representavam 43,7% dos assalariados do setor cultural e eram mais presentes nas atividades de Educação e Capacitação (68,2%), Artes visuais e Artesanatos (64,5%) e Livro e Imprensa (53,1%). Homens, por sua vez, predominavam em Mídias audiovisuais e interativas (62,4%), Equipamentos e Materiais de apoio (61,8%) e Apresentações artísticas e Celebrações (56,7%).

O estudo, intitulado Sistema de Informações e Indicadores Culturais, apesar de não ter esse objetivo específico, servirá de fomento para que especialistas de áreas sociais tentem compreender essa dinâmica. Os dados são oriundos de um recorte das pesquisas do IBGE. Na investigação, foram utilizadas estatísticas sociais e econômicas do Instituto e registros externos provenientes de sistemas de informação das administrações públicas sobre o tema.

Legenda: Homenageada na última edição do Cine Ceará, Bete Jaguaribe é diretora de Formação e Criação do Instituto Dragão do Mar e da Escola Porto Iracema das Artes
Foto: Divulgação

Isso permitiu caracterizar a população inserida nas atividades culturais; atualizar o escopo da produção de bens e serviços e o índice de preços para mensuração do custo de vida associado a esse setor; e identificar os gastos governamentais e das famílias com tais atividades em um período de grande relevância para o setor cultural – sobretudo nos anos mais recentes, em razão dos impactos e consequências da pandemia de Covid-19.

Chefe da disseminação do IBGE no Ceará, Helder Rocha explica que a pesquisa está na sexta edição, e tende a ter continuidade dada a relevância do setor cultural. A cada ano, novas análises podem surgir de forma a construir um retrato mais específico da realidade da área.

“O portal do IBGE na internet disponibiliza o plano tabular detalhado do estudo, com desagregações por recortes diversos, possibilitando aos usuários a exploração do conjunto dessas informações sob diferentes perspectivas”, indica.

Mas, afinal, o que esse avanço representa?

São as próprias protagonistas que respondem, a começar pela Secretaria da Cultura do Ceará, atualmente comandada por uma mulher, Luísa Cela. Além dela, há outra liderança feminina na gestão direta da pasta, a secretária-executiva de Planejamento e Gestão Interna, Gecíola Fonseca.

O panorama se estica quando sabemos que, dos quatro órgãos de assessoramento da Secretaria, três são liderados por mulheres. E, das 11 coordenações, sete são chefiadas por elas. Conforme a Secult, essa presença na tomada de decisões na gestão pública é fundamental para o fortalecimento de políticas que atendam valores e pautas específicos. 

Legenda: A Secretária da Cultura do Ceará, Luísa Cela: mulheres que impulsionam outras
Foto: Divulgação

“Além da representatividade, o debate aberto e o aumento de investimento no setor também devem ser considerados”, enfatiza a pasta, em nota. Sob um prisma histórico, gestoras como Violeta Arraes e Cláudia Leitão igualmente realizaram, em anos anteriores, ações de grande relevância para a cultura cearense. 

Legenda: Enide Vidal é diretora da Biblioteca Pública do Ceará
Foto: Kid Júnior

Elas garantiram a criação de leis, planejamentos participativos e criação e fortalecimento de parcerias entre diferentes políticas públicas estaduais. “As mulheres da cultura desenvolvem incontáveis ações que reconhecem o potencial revolucionário da arte na vida das pessoas”.

Entre as principais conquistas enumeradas pela Secult, destaca-se a participação ativa delas na cena artística; preservação da cultura tradicional, a exemplo das mestras da cultura indígena, quilombola e de comunidades dedicadas à gastronomia, música, reisado, entre outras atividades; liderança em coletivos culturais; promoção da diversidade cultural; e combate ao machismo e à violência de gênero.

“O trabalho e dedicação delas têm sido fundamentais para o fortalecimento e desenvolvimento da cultura cearense, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e inclusiva, e podem ser vistos ao longo de todo o ano nas programações, oficinas, cursos e demais ações desenvolvidas e/ou apoiadas nos equipamentos ligados à Secult”.

Ascensão das mulheres

Laís Cordeiro também colabora com o debate ao mensurar os motivos dessa ascensão das mulheres na cultura. Segundo ela, é resultado de conquistas delas mesmas em ocupar espaços de protagonismo na sociedade, alcançados com muita luta, resistência e estratégias coletivas de reconhecimento dos potenciais como profissionais qualificadas. 

“O setor cultural acompanha esse movimento, e hoje a gente consegue observar com mais facilidade a presença de mulheres nas fichas técnicas de projetos culturais e artísticos, em cargos de gestão e liderança do campo cultural”, aponta a socióloga.

Não à toa, os ofícios desenvolvidos por elas no setor são diversos, desde atividades técnicas de sonorização, iluminação, produção-executiva, direção artística e gestão cultural, até a atuação como artistas, musicistas, atrizes e educadoras em ações formativas, por exemplo.

“É importante mencionar que esse crescimento da participação de mulheres no setor é bastante impulsionado pelas próprias mulheres, que agregam outras profissionais para colaborarem em seus projetos”.

Apesar da boa notícia, Laís evidencia a necessidade de incentivo com ações para formação e profissionalização, garantindo a inserção e continuidade de oportunidade de atuação delas no setor. “Mesmo com uma crescente dessa participação de mulheres no setor, ainda há muito espaço para ser conquistado”, diz.

“É preciso apoiar os projetos desenvolvidos por mulheres, divulgando amplamente as iniciativas executadas, as potencialidades criativas, artísticas e as capacidades de gestão. É necessário que essa presença de mulheres no setor mantenha-se numa curva progressiva e também corresponda com equiparidade de salários, cachês, cargos e projetos”.

Legenda: O coletivo artístico e literário Barrósas, uma das tantas agremiações feitas apenas por mulheres no Ceará
Foto: Arquivo pessoal

Diante dos dados apresentados e das expectativas geradas, fica a esperança e a já certeza de realidades bastante animadoras. Segundo Laís, em editais recentes – como aqueles lançados pela Secult-CE com recursos da Lei Paulo Gustavo – há pontuação extra para projetos que tenham mulheres na ficha técnica. 

“Reconheço que é uma estratégia importante, pois de alguma forma incentiva a presença de mulheres nas atividades e postos de trabalho na execução de um projeto artístico”, destaca.

“Outras formas de apoio poderiam ser planejadas, como editais específicos para fomentar propostas assinadas por mulheres, festivais de cinema, música, teatro, artes visuais voltados para a produção de mulheres, eventos, atividades formativas e até reserva de vagas em chamadas públicas e programações culturais para esse público”.

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